gado-AL

VIGILÂNCIA DE PERTO

A névoa típica do outono gaúcho ainda não se dissipou no amanhecer de Bagé, na Campanha, e produtores já estão no campo fazendo a vigia do gado. Usando binóculos e comunicando-se via rádio, os pecuaristas alertam os vizinhos em caso de movimentação suspeita.

A organização é uma tentativa coordenada e desesperada de proteger o patrimônio constantemente ameaçado por abigeato — furto de animais nas propriedades.

Em 2014, Bagé liderou o número de registros do crime no Rio Grande do Sul, com 228 casos, conforme estatísticas da Secretaria da Segurança Pública. O número foi 30,3% maior do que no ano anterior.

Produtores relatam que a redução do patrulhamento militar no meio rural por conta do corte de despesas promovido pelo governo estadual, somada ao maior interesse dos criminosos em um produto mais valorizado, fez aumentar a insegurança nas fazendas.

O sentimento de desproteção os motivou a agir por conta própria. Organizados em grupos, os produtores fazem vigílias noturnas e comunicam a polícia quando desconfiam de alguma movimentação. Dias atrás, em uma das patrulhas, produtores estranharam a circulação de um carro nas imediações das fazendas e avisaram a Brigada Militar. Ao abordarem o veículo mais tarde, os policiais encontraram objetos que costumam ser usados pelos criminosos, como facas, lonas pretas e lampiões.

— Essa situação toda fez os produtores se mobilizarem. Não é para agir como polícia, mas para tentar defender seu patrimônio. Diante de tamanha apreensão, nos cabe buscar formas de proteção — destaca Paulo Ricardo de Souza Dias, diretor da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).

Segurança particular no radar

Há duas semanas, os produtores fizeram uma manifestação contra o abigeato na estrada Corredor dos Collares, onde bandidos têm agido livremente. Em Bagé no mesmo dia para participar de posse da chefia regional, o chefe de Polícia Civil do Estado, Guilherme Wondracek, foi convidado a ir até o local, onde ouviu reivindicações de mais segurança no campo.

Menos de 12 horas depois do apelo, a Cabanha Capanegra foi vítima de abigeatários a poucos quilômetros dali.

— Mataram seis reprodutoras da raça angus, todas elas prenhes. As vacas foram carneadas na fazenda mesmo. Ficaram apenas as cabeças e o espinhaço dos animais — lamenta Fernando Dornelles Pons, proprietário da cabanha.

Vítima de abigeato pela primeira vez, Pons é praticamente um caso isolado. Na Campanha, é difícil encontrar algum pecuarista que não tenha tido animais mortos ou roubados para abastecer a cadeia criminosa — que começa com o furto, passa pelo transporte ilegal e abate clandestino e termina na venda ilegal da carne aos consumidores.

— Estamos falando de quadrilhas organizadas, que comentem crime não apenas contra os produtores, mas contra a saúde pública — critica o presidente do Sindicato Rural de Bagé, Rodrigo Móglia.

A pouco mais de cem quilômetros de Bagé, produtores de Pedras Altas, no Sul, também passam por problemas parecidos. Mas em vez de formarem grupos para garantir a vigilância dos rebanhos, a organização é para contratar segurança particular. Diante do aumento nos crimes, a ideia é juntar recursos de pecuaristas para bancar a vigília noturna de um profissional em fazendas que fiquem em um determinado raio de distância.

Mercado clandestino e perigoso

Após serem furtados ou carneados nas fazendas, os animais abastecem um mercado clandestino que envolve cerca de 400 mil cabeças de gado por ano, estima o Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Estado (Sicadergs). Essa carne é consumida sem qualquer inspeção sanitária, representando perigo para a saúde pública.

— Esse produto chega ao mercado sem cumprir nenhuma regra de sanidade — alerta Ronei Lauxen, presidente do Sicadergs.

Na semana passada, denúncia anônima resultou na apreensão de quase 7 toneladas de carne sem procedência em Torres.

Hoje, a indústria gaúcha de carne bovina abate cerca de 1,9 milhão de animais por ano. Embora não seja o único fornecedor do abate clandestino, o abigeato responde por boa parte do que chega ao mercado sem inspeção.

Quase 50% dos furtos de gado ocorrem nas regiões da Campanha, Missões, Fronteira Oeste e Sul, informa a Secretaria da Segurança Pública. Animais de raça prontos para o abate são o alvo preferencial dos ladrões.

— Tudo que é desviado agrava a escassez de matéria-prima, um dos limitadores dos frigoríficos gaúchos hoje — destaca Lauxen.

Fonte: Zero Hora



avatar

Envie suas sugestões de reportagens, fotos e vídeos de sua região. Aqui o produtor faz parte da notícia e sua experiência prática é compartilhada.


Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.