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TECNOLOGIA: PLANTAS AQUÁTICAS PARA REMOVER POLUENTES

Um sistema natural de tratamento de água, constructed wetlands, que utiliza plantas aquáticas (macrófitas) para remover poluentes, mostrou-se eficaz na eliminação de moléculas de difícil remoção. Conhecidas como interferentes endócrinos, por causa do potencial de causar alterações no sistema hormonal humano e de animais, essas substâncias são um grande problema para as empresas de tratamento de água das grandes cidades (veja quadro Água ruim para crocodilo).

O estudo desenvolvido por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Embrapa obteve sucesso ao empregar wetlands em escala laboratorial para remover três desses interferentes: os hormônios etinilestradiol (EE2) e levonorgestrel (LNG), e o composto químico bisfenol A (BPA). Todos considerados contaminantes emergentes e grande preocupação nas estações de tratamento de água.

O trabalho foi desenvolvido no âmbito do doutorado da tecnóloga em saneamento ambiental Julyenne Campos, orientada pelo professor da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp Denis Roston e pela pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Sonia Queiroz. A maior eficiência de remoção dos interferentes foi obtida em um sistema no qual Campos combinou minipapiro com carvão de bambu.

“A tecnologia desenvolvida apresentou resultados muito promissores e tem grande potencial de aplicação, inclusive em comunidades rurais isoladas”, revela Queiroz.

A inovação reteve boa parte dos contaminantes, especialmente o BPA e o EE2. As remoções médias variaram de 9% a 95% para etinilestradiol, de 29% a 91% para bisfenol A e de 39% a 100% para levonorgestrel. Os pesquisadores acreditam que o sistema pode ser eficiente também para a remoção de outros interferentes endócrinos com características semelhantes.

“A utilização de carvão em wetlands é algo novo, e de acordo com os resultados obtidos no trabalho, se mostrou eficiente na remoção dos interferentes endócrinos”, afirma Campos, ressaltando que o tratamento é promissor também para a remoção de poluentes comuns presentes no esgoto.

No entanto, ela revela que as wetlands não são muito empregadas no Brasil.

“A água é essencial para os seres humanos, entretanto, devido aos usos diversos tem ocorrido a sua contaminação por substâncias tóxicas. Por isso, há necessidade de desenvolver tecnologias que sejam eficientes e de baixo custo para remoção desses contaminantes”, relata Roston justificando a motivação desse projeto de doutorado.

Água ruim para crocodilo
Nos anos 1980, foi percebida uma redução na população de crocodilos no Lago Apopka, no estado norte-americano da Flórida. As investigações descobriram alterações nos machos da espécie como baixos níveis de testosterona (hormônio masculino), altas concentrações de progesterona (feminino), pênis menores e falhas reprodutivas. Essas modificações foram provocadas pelo pesticida DDT, posteriormente banido.

Esse tornou-se um exemplo clássico dos efeitos dos chamados “contaminantes emergentes” que abrangem diversos produtos químicos como corantes, fármacos, estrogênios, polímeros e outros que acabam de diversas maneiras contaminando corpos d’água, muitos dos quais abastecem cidades. Sem tratamentos acessíveis para retirá-los da água, ou mesmo métodos para identificar sua presença, esses novos contaminantes são uma preocupação mundial e seus efeitos à saúde humana e ao meio ambiente têm sido descobertos nas últimas décadas pela pesquisa científica.

Alguns países adotaram métodos caros para a limpeza da água e mitigação desses efeitos. Os resultados da pesquisa realizada por Julyenne Campos são relevantes porque têm potencial de gerar uma solução simples e de custo acessível ao alcance de países mais pobres.
Como funciona?
Campos explica que as constructed wetlands são sistemas de tratamento de esgoto que transformam os poluentes por meio dos micro-organismos existentes em um biofilme que fica preso no meio suporte (geralmente brita, areia ou cascalho). As macrófitas são responsáveis por realizar um processo conhecido como de fitorremediação.

“Esses sistemas possuem várias vantagens, como baixo custo de implantação e manutenção, por serem eficientes na remoção de diversos tipos de contaminantes e necessitarem de pouca energia elétrica, são adequados para implantação em comunidades rurais e isoladas”, enfatiza a tecnóloga.

O tipo de carvão normalmente utilizado para tratamento de água é o ativado, mas o de bambu empregado nessa pesquisa foi carvão comum. “Na minha pesquisa de doutorado fizemos testes físico-químicos, microbiológicos, e até estudei esse carvão durante a realização de um intercâmbio acadêmico na Espanha, em um laboratório especializado em ensaios com carvão, mas, infelizmente, não conseguimos elucidar os mecanismos de ação desse carvão de bambu não ativado”, informa.

Apesar de ela ainda não saber como o sistema funciona, uma de suas hipóteses é de que houve maior aderência do biofilme à superfície do bambu em relação à superfície da brita, proporcionando maior quantidade de micro-organismos e, consequentemente, maior índice de degradação. “No entanto, ainda não estão claros quais processos estão envolvidos na remoção, e são necessários mais estudos para se entender melhor a complexidade dos processos que ocorrem dentro do ambiente das wetlands construídas”, relata.
Os interferentes endócrinos em ação
Essas substâncias podem causar efeitos indesejados, pois se ligam aos receptores de hormônios presentes nas células dos seres vivos, entrando no lugar dos hormônios naturais, os quais não conseguem mais se ligar aos receptores e, com isso, deixam de atuar. Trata-se de uma ação nociva ao sistema endócrino dos animais em geral, incluindo os humanos. Esses efeitos podem ocorrer mesmo com baixíssimas concentrações dos interferentes endócrinos.

Entre os efeitos causados por essas moléculas estão câncer, mutagenicidade (distúrbio que afeta a célula de DNA, que pode transmitir alterações para os descendentes) nos órgãos reprodutores das espécies animais presentes na biota aquática, esterilidade em homens, antecipação da menarca (primeira menstruação), feminização e desenvolvimento de cavidade para ovário em peixes machos, presença de características masculinas e masculinização de peixes fêmeas, problemas na tireoide, entre outros.

Devido aos riscos à saúde e ao meio ambiente, esses poluentes têm gerado grande preocupação. Essas substâncias estão cada vez mais presentes no meio ambiente, principalmente nos rios e lagos, tornando necessários estudos que envolvam métodos para o seu monitoramento no ambiente e na água, a fim de avaliar o impacto na saúde humana, nos animais e no meio ambiente, e o desenvolvimento de tecnologias para remediação e mitigação desses contaminantes.

Esses contaminantes são encontrados em águas residuárias, águas superficiais e até em águas subterrâneas em concentrações variáveis, conforme apontam estudos realizados na França, Coreia, Alemanha, Itália, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos, evidenciando um problema mundial.



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