Em menos de cinco hectares cultivados com tabaco energético em Rio Pardo, no Vale do Rio Pardo, produtor, indústria e universidade tentam tornar realidade uma alternativa de diversificação à produção de fumo no Rio Grande do Sul. Com 30% de óleo vegetal, as sementes da planta já estão sendo usadas para produção de biocombustíveis. Em fase experimental, o projeto iniciado há quatro anos no Estado esbarra na falta de escala comercial que possibilite investimentos na área.
Desenvolvida na Itália, a variedade solaris foi trazida ao Brasil em 2012 pela empresa italiana Sunchem, voltada ao aproveitamento do tabaco energético. De lá para cá, lavouras experimentais implantadas no Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Minas Gerais comprovaram produtividade média da planta em diferentes regiões. Hoje, a única unidade experimental mantida no país fica no interior de Rio Pardo, na propriedade de Nelson Tatsch, no distrito de Rincão del Rey. Produtor de 600 hectares de soja e de arroz, o agricultor cultivou inicialmente 10 hectares de tabaco energético. A área acabou sendo reduzida para cinco hectares e nesta safra ficou em dois hectares.
- Fizemos ajustes para adequar a produção à nossa realidade e hoje produzimos o suficiente para testes e experimentos científicos – conta Tatsch, 59 anos.
Em plena colheita do tabaco energético, o produtor tem alcançado rendimento de dois a três mil quilos por hectare. Na mesma safra, são feitas outros dois cortes da parte superior da planta, onde ficam as flores e as cápsulas com as sementes.
Avançada a etapa de adaptação da cultura no campo, a busca agora é pelo aumento da área cultivada. CEO da Sunchem no Brasil, Sérgio Detoie calcula que com 5 mil hectares seria possível iniciar a produção comercial de biocombustível à base de tabaco. Para fomentar a produção, a empresa estima que sejam necessários investimentos na ordem de R$ 20 milhões. A ideia inicial é fazer a extração do óleo das sementes em unidades que já fazem esmagamento de outras oleaginosas para, mais tarde, instalar unidades exclusivas de fabricação de óleo de tabaco.
- Existem grupos nacionais e estrangeiros interessados no projeto, as negociações estão em andamento – adianta Detoie, estimando de cinco a 10 anos a partir da captação de recursos para o tabaco energético alcançar escala comercial no Estado.
Pesquisa em universidade
Por enquanto, as sementes colhidas em Rio Pardo são destinadas para pesquisa na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Em laboratório, alunos e pesquisadores trabalham na análise do óleo e na produção de biodiesel em escala piloto.
– Buscamos as melhores condições de produção, que são muito parecidas com a extração de óleos de outras sementes – compara a professora Rosana Schneider, do Departamento de Pós-Graduação de Tecnologia Ambiental da Unisc.
Em um ano de pesquisa, constatou-se também o rendimento de 30% de óleo do tabaco energético e a necessidade de fazer adaptações no sistema convencional de extração para adequar a uma semente de menor tamanho. A universidade tem experimentos também para aproveitamento das folhas e do caule do tabaco para produção de etanol. As pesquisas são financiadas com recursos repassados pelo Programa Gaúcho de Parques Científicos e Tecnológicos.
Além do estímulo à pesquisa, o tabaco energético é apoiado por iniciativas do governo estadual que buscam atrair investimentos.
– A área com fumo vem sendo reduzida. O tabaco energético pode ser uma alternativa para resolver questões sociais que tendem a se acentuar em municípios dependentes da cultura – aponta Adriano Boff, diretor de Promoção do Investimento e da Sala do Investidor da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia.
Desafio da credibilidade
Para aumentar a escala de produção e tornar viável o cultivo de tabaco energético, é preciso superar um desafio ainda maior do que a atração de investidores: a desconfiança do fumicultor tradicional. Ressentidos com tentativas frustradas de diversificação ao tabaco, como da mamona, os produtores são resistentes a investir em culturas que não têm garantia de renda.
– Mesmo reconhecendo a nobreza da iniciativa, não temos como induzir o produtor a investir sem ter uma segurança mínima – aponta Benício Werner, presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra).
A insegurança, segundo Werner, vem da instabilidade do mercado de biocombustíveis no país e da renda que o fumo representa aos produtores. Para o presidente da Associação dos Produtores de Biodiesel do Brasil (Aprobio), Erasmo Batistella, o tabaco energético terá potencial comercial somente quando atingir 30 mil hectares.
– Uma indústria média de biodiesel precisa de um volume de 10 mil a 12 mil de toneladas por mês de óleo vegetal – destaca.
Batistella cita como exemplo a canola, produzida hoje em 30 mil hectares, volume ainda insuficiente para escala comercial. Para o vice-presidente da Associação dos Municípios Produtores de Tabaco (Amprotabaco), Dalvi Soares de Freitas, a iniciativa deverá prosperar se for fomentada no modelo de integração – semelhante ao praticado hoje pelas indústrias fumageiras.
– Se o produtor tiver um contrato de compra garantido não terá porque não investir – aponta.
Prefeito de Dom Feliciano, município com 97% da economia relacionada à produção de tabaco, direta ou indiretamente, Freitas aposta no potencial da cultura a médio e longo prazo:
– Somente na região da Costa Doce é possível alavancar de 7 mil a 10 mil hectares de cultivo.
Aposta em bioquerosene para transporte aéreo
A aposta no tabaco energético é relacionada também com a possibilidade de usar o óleo da semente para produção de bioqueresone – utilizado na aviação. O biocombustível é uma das alternativas das companhias aéreas para reduzir a emissão de dióxido de carbono. No Brasil, e também no mundo, o uso de fontes renováveis no transporte aéreo se resume a iniciativas ainda isoladas.
Hoje, o mercado brasileiro de querosene de aviação consome aproximadamente 7 bilhões de litros por ano, conforme a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Em 2014, durante a Copa do Mundo, a Gol operou 360 voos em escala regular com a mistura de 4% de óleo à base de milho não comestível e de gorduras saturadas. Neste ano, a companhia pretende repetir a experiência nas Olimpíadas. Voos entre Rio de Janeiro e São Paulo serão abastecidos com um percentual de até 10% de bioquerosene produzido a partir da cana-de-açúcar.
– A substituição por combustíveis renováveis é uma das formas mais eficientes de se reduzir a pegada de carbono – avalia Pedro Scorza, diretor de combustíveis renováveis de aviação da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio).
Hoje, a tecnologia da aviação permite uma mistura de até 50% de combustível renovável. No Brasil, já existem regulações da ANP que permitem o uso de bioquerosene no transporte aéreo regular.
– Claro que a decisão de abastecer com um combustível ou outro sempre será decidida com base no custo. As empresas irão comprar o que for mais barato – resume.
A situação poderá se alterar, acrescenta Scorza, se a substituição de um percentual por bioquerosene passe a ser exigida, uma tendência que tende a ganhar força a partir de 2020.
Fonte: Zero Hora