Dona de marcas de vestuário e calçados como Timberland, Vans e Kipling, a VF Corporation afirmou ao G1 na noite desta quarta-feira (28) que não vai mais comprar couro do Brasil.
Segundo a companhia, a medida vale “até que haja a segurança” de que os materiais usados em seus produtos “não contribuam para o dano ambiental no país”.
A empresa, com sede nos Estados Unidos, disse que a decisão resulta de estudos que foram aprimorados a partir de 2017 para garantir que os fornecedores estejam de acordo com seus requisitos (leia a nota na íntegra ao fim da reportagem). No entanto, não foi detalhado por que o material brasileiro não atende a essas regras e nem desde quando a medida está em vigor.
Não foi informado quanto de couro a VF compra do Brasil. Segundo o Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), a empresa “não compra grandes volumes, mas é um cliente importante”. “Vender para uma marca famosa ajuda a vender para outras”, afirmou o presidente da associação, José Fernando Bello, nesta quinta-feira (29).
Bello disse ao G1 que o CICB ainda não foi comunicado oficialmente sobre o cancelamento. E que quer saber quais são as demandas da empresa americana para que os curtumes possam prestar os esclarecimentos necessários.
“Nossos curtumes estão surpresos, eles possuem certificação internacional (de boas práticas de produção) com o maior nível de avaliação”, disse Bello.
De acordo com as fabricantes brasileiras, a cadeia produtiva do couro segue parâmetros de sustentabilidade por meio de dois programas de rastreabilidade: o Certificação de Sustentabilidade do Couro Brasileiro (CSCB) e o Leather Working Group (LWG, na sigla em inglês).
Esses programas, segundo a associação, definem padrões ambientais e trabalhistas que os curtumes devem seguir e são uma espécie de “garantia” para os compradores de que o produto respeitou as boas práticas de produção sustentável.
Na última terça (27), o CICB chegou a anunciar, em uma carta aberta dirigida ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que tinha sido comunicado de suspensão de compras de couro por parte de importadoras.
E que o cancelamento “foi justificado em função de notícias relacionando queimadas na região amazônica ao agronegócio do país”.
Na carta, a entidade citou como “exemplos” 18 marcas internacionais que “solicitaram suspensão de compras de couro” do Brasil: Timberland, Vans, Kipling, JanSport, The North Face, Dickies, Kodiak, Terra, Walls, Workrite, Eagle Creek, Eastpack, Napapijri, Bulwark, Altra, Icebreaker, Smartwoll e Horace Small. Todas elas pertencem ao grupo VF.
Porém, na manhã de quarta-feira, quando a carta repercutiu, o CICB negou que as marcas tivessem suspendido negócios com o Brasil. Disse que elas tinham dado um “indicativo de suspensão de pedidos” que “não se confirmou”, e que o fornecimento e exportações continuavam “normais”.
O que diz o governo
“Essa suspensão não foi uma suspensão definitiva. Temos que ter muito cuidado. O setor de couros do Brasil é sustentável e tem muito ainda a informar a essas indústrias”, disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, na Expointer, em Esteio (RS).
“Neste momento, é melhor ter cautela. Primeiro, saber o que eles querem de informação, que a gente possa passar para eles e a gente possa resolver esse problema da melhor forma possível”, afirmou Tereza.
Ao Jornal Hoje, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, minimizou o episódio:
“O Brasil tem o mundo todo para comercializar. Se a empresa tal, se a associação tal achar que não tem couro no Brasil, ela que vá comprar couro em outro lugar. A gente vende para outro cliente, não tem problema nenhum”.
O G1 também contatou os ministérios do Meio Ambiente e da Economia, mas eles não se manifestaram até a última atualização desta reportagem.
O que diz a VF
No entanto, após receber a nota do CICB, na quarta, o G1 entrou em contato com o escritório de comunicação da VF, que confirmou a suspensão.
A empresa respondeu que não seguirá usando o couro brasileiro porque não conseguiu “assegurar satisfatoriamente” que os “volumes mínimos” comprados de produtores do país estejam de acordo os requisitos de abastecimento responsável da companhia.
Questionada sobre se a decisão tem relação com as queimadas na Amazônia, como citado na carta do CICB, a VF não respondeu diretamente à pergunta, informando apenas que a decisão foi tomada de forma cuidadosa e é parte de um longo processo. E que a cadeia de fornecedores de couro vem sendo revista desde 2017.
Produção de couro brasileira
O Brasil exporta 80% do couro que produz e tem 50 países entre seus clientes, de acordo com a CICB. De janeiro a julho deste ano, as vendas ao exterior somaram US$ 712,6 milhões, valor 18,5% menor que o do mesmo período de 2018.
Os principais destinos foram a China (23,8%), a Itália (17,3%) e os Estados Unidos (16,6%). A VF possui fábricas na China e nos EUA.
O Rio Grande do Sul é o maior exportador do produto, com 26,2% dos embarques, seguido por São Paulo (16,2%), Goiás (14,2%) e Paraná (13,2%).
Em nossos negócios, a VF desenvolve e implementa políticas para alinhar nossas decisões de negócios com o Propósito da VF de empoderar movimentos de estilo de vida ativo e sustentável para a melhoria das pessoas e do planeta.
Por muitos anos, a VF Corporation e nossas marcas implementaram políticas de abastecimento que mantém os valores da VF a respeito de matérias primas. Desde 2017, nós aprimoramos nosso abastecimento global de couro através de estudos para garantir que os fornecedores de couro estejam de acordo com nossos requisitos de abastecimento responsável.
Como um resultado desse estudo detalhado, não conseguimos assegurar satisfatoriamente que nossos volumes mínimos de couro comprados de produtores brasileiros sigam esse compromisso. Sendo assim, a VF Corporation e suas marcas decidiram não seguir abastecendo diretamente com couro e curtume do Brasil para nossos negócios internacionais até que haja a segurança que os materiais usados em nossos produtos não contribuam para o dano ambiental no país.
Fonte: G1