A premissa é óbvia e todo homem do campo já nasce sabendo: a agricultura
depende de um solo de qualidade. Por isso, os cuidados com a terra são
essenciais para o desenvolvimento da atividade de forma contínua e sustentável.
Quando, no entanto, a agricultura é conduzida sem práticas conservacionistas,
pode provocar alterações no regime hidrológico de encostas – como a redução da
infiltração e o aumento do escoamento de água na superfície. Tudo isso, além de
empobrecer o solo, também pode gerar impactos negativos, como contaminação da
água, assoreamento de rios e enchentes nas cidades. De olho nesses aspectos, o
Paraná consolidou uma rede de monitoramento hidrológico, com objetivo de
levantar dados concretos de acordo com cada mesorregião e ajudar a estabelecer
as principais técnicas de manejo para cada localidade.
Conduzido pela Rede Paranaense de Agropesquisa, o projeto de
monitoramento hidrológico nasceu da convergência de demandas levantadas a
partir do Núcleo Estadual da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (Nepar) e
de seminários promovidos pelo Sistema FAEP/SENAR-PR ao longo dos anos, em todas
as regiões do Paraná. Com a identificação da necessidade de obter dados de
forma sistemática e contínua, o Sistema FAEP/SENAR-PR propôs a criação de um
fundo para financiar as pesquisas. Foram investidos R$ 12 milhões: metade
bancada pelo SENAR-PR e metade por recursos públicos, por meio da Fundação
Araucária e da Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
(Seti), do governo do Paraná.
Iniciada em 2016, a rede se debruçava sobre um problema concreto: apesar
do avanço da agricultura conservacionista, principalmente a partir da
disseminação do plantio direto, ao longo das últimas quatro décadas houve o
aumento do volume de escoamento superficial, ou seja, da água da chuva que não
infiltra no solo e escoa pela superfície – conforme apontavam estudos
científicos da época. Esse fenômeno aumentou não somente em Um olhar científico
para o solo e a chuva Projeto de monitoramento hidrológico vai levantar e
sistematizar dados para ajudar a definir as melhores técnicas de manejo e de
conservação nas mesorregiões do Paraná razão de manejos inadequados do solo,
mas também das mudanças climáticas ocorridas no período.
“Esse escoamento superficial comanda uma série de processos de degradação
do solo. Não só erosão, mas perda de nutrientes e de matéria orgânica. Por
outro lado, ocasiona problemas para a sociedade, como o assoreamento de rios e
aumento da possibilidade de enchentes”, explica engenheiro agrônomo Jean
Minella, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), que
desenvolve um projeto semelhante no Rio Grande do Sul e presta consultoria à
rede de monitoramento hidrológico do Paraná.
“Os estudos sobre erosão hídrica que foram conduzidos no Paraná nas
décadas de 1980 e 1990 mostraram que o plantio direto se destacou como uma
excelente prática para melhorar a qualidade do solo e controlar suas perdas.
Porém, os mesmos estudos mostravam que a eficácia não era a mesma no controle
das perdas de água”, diz o agrônomo Gustavo Henrique Merten, professor da
University of Minnesota Duluth, nos Estados Unidos, e que integra a rede
paranaense. “Então, a pesquisa parte dessa premissa, sendo necessário, no
entanto, quantificar esses efeitos sob diferentes solos e regime de chuva no
Paraná”, acrescenta.
Concepção científica
Para quantificar o volume de água que infiltra no solo e o quanto se
converte em escoamento superficial em cada região do Paraná, o projeto de
monitoramento hidrológico foi concebido com base em um modelo científico
consolidado a partir de protocolos internacionais, especialmente nos Estados
Unidos. Desenvolvida por Minella e Mertem, a metodologia amplia os campos de
estudos, como forma de minimizar eventuais distorções e oferece um cenário
próximo do que o agricultor encontra no campo. Enquanto nas Ciências Agrárias
esse tipo de estudo é conduzido, tradicionalmente, em canteiros de três por 20
metros, a rede ampliou a análise para o que chamam de mega-parcelas (área de um
a dois hectares), ao longo de bacias hidrográficas. Foram instaladas sete
estações de monitoramento, em seis mesorregiões do Paraná.
“É um monitoramento em uma escala maior, que capta bem o perfil da região
e que oferece um panorama muito próximo do que o agricultor enxerga na lavoura
dele”, resume Minella. “Nesse trabalho, além de fazer a modelagem dos dados,
são realizados cursos de hidrologia aplicada à conservação de solos, voltados
às equipes da rede. Ou seja, estamos criando uma expertise. Enquanto outros
Estados adaptam dados a partir de curvas de dados feitas nos Estados Unidos,
nós estamos criando conhecimento”, diz o engenheiro agrônomo Cleverson
Andreoli, professor da Isae e integrante da rede de monitoramento.
Monitoramento
Os pesquisadores estão de olho em três grupos de indicadores. No
primeiro, o monitoramento se volta às chuvas, aos índices de água que chegam e
em que intervalos de tempo. Após as precipitações, por meio de equipamentos,
como linígrafos, calhas parshall e vertedouros, as equipes conseguem
quantificar com precisão o volume de escoamento superficial. Por fim, a partir
de análises química e física de amostras, é possível aferir a erosão provocada
pelas chuvas, considerando sedimentos e nutrientes carregados pela água. “A
água que não infiltra, acaba escoando. E dependendo do volume, escoa em uma
velocidade que causa degradação, por causa da energia cinética que há nisso”,
aponta Minella.
Para isso, a rede de monitoramento hidrológico dispõe de equipes que
somam mais de 40 pessoas, treinadas para fazer essas medições. Sempre que
chove, esses técnicos precisam ir a campo, independentemente de as
precipitações ocorrerem de madrugada ou em finais de semana. “Os eventos de
chuva e escoamento são monitorados de maneira presencial. Então, durante as
chuvas, o pessoal de campo coleta amostras de água para análise de qualidade,
verificam o funcionamento dos instrumentos automáticos e registram informações,
como altura do escoamento que vem das lavouras e do nível do rio na bacia de
cabeceira”, exemplifica Merten.
O levantamento dos dados é importante porque o banco de dados vai revelar
um diagnóstico preciso de cada mesorregião. A partir disso, os pesquisadores
podem definir, por exemplo, as melhores técnicas de manejo para cada uma delas,
com vistas à preservação da qualidade do solo. “Cada região tem um conjunto de
fatores que precisam ser considerados para definir a melhor estratégia. Não há
uma receita única. Com os dados, vamos pode definir uma estratégia para cada
região”, observa Minella.
“Os dados vão permitir que o Paraná possa praticar uma agricultura com
menor impacto ambiental por meio do controle da erosão hídrica. Essas mesmas
técnicas também vão contribuir para o aumento da disponibilidade hídrica dos
solos e dos cursos d’água. Além de produzirem alimentos, os agricultores também
poderão se tornar produtores de água de boa qualidade, o que beneficia toda a
sociedade”, observa Merten.
Além disso, a rede de monitoramento hidrológico promoverá uma série de
projetos de extensão, com a realização de seminários por meio dos quais os
dados levantados serão compartilhados com produtores rurais de cada
mesorregião, envolvendo universidades, o Sistema FAEP/SENAR-PR e o governo do
Paraná, por meio da Secretaria de Estado da Agricultura e Abastecimento (Seab)
e do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – Iapar – Emater
(IDR-Paraná).
“Cada região tem um amplo programa de extensão. A Seab fez com que toda
as regiões tivessem um técnico do IDR-Paraná junto aos pesquisadores,
promovendo uma integração. Vamos ter dias de campo, seminários e outros eventos
entre pesquisadores, extensionistas e o pessoal da linha de frente”, aponta
Andreoli.
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Fonte: Sistema FAEP