Quem lutou uma vida inteira por um pedacinho de terra, aproveita cada canto dela pra tirar o sustento da família. Pelo menos é assim que vive o produtor Agostinho Alves de Sousa. Em um assentamento em Planaltina, a 43 quilômetros de Brasília, ele cultiva alface, milho, mandioca, cebolinha. Agostinho só conseguiu produzir depois que entrou para o Programa de Aquisição de Alimentos, mais conhecido como PAA.
- O PAA nos ajudou muito nessa questão, de entrar no mercado – comenta.
Criado em 2003 pelo o governo federal, o PAA compra a produção de agricultores familiares e doa para asilos, creches e entidades sem fins lucrativos. Cada produtor pode vender no máximo oito mil reais por ano.
O problema é que a verba destinada ao programa vem caindo ao longo dos anos. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, em 2012, no auge do PAA, o governo liberou R$ 839 milhões para a compra de alimentos. Em 2016 foram R$ 439 milhões. Neste ano, R$ 150 milhões, uma redução de 66% só neste último ano.
Agostinho sentiu o corte na pele. No ano passado, em seis meses, ele atingiu o limite de vendas para o governo. Já nesta safra…
- Este ano eu só consegui vender R$ 3.500 – declara.
A gente vê no campo o resultado da falta de dinheiro para o programa. Protudos que passam do ponto de colheita, já que só as feiras da região não são suficientes pra escoar toda plantação.
O agricultor José Irenaldo Junior tem uma propriedade em Remigio, agreste do estado. O agricultor vendia boa parte da produção para o PAA e para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. O que era uma fonte de renda, virou problema.
- A propriedade aqui era de dois hectares e agora está reduzida a uma. Se plantar mais não tem aonde colocar – conta o agricultor.
Para se ter uma ideia, das 200 famílias que eram beneficiadas pelos programas no município, apenas 62 foram inscritas este ano. Os cortes nos recursos chegam perto dos 80%.
As instituições não governamentais que acompanham a execução dos programas na Paraíba estão preocupadas com o impacto dos cortes.
- Com o programa, as famílias mudaram de vida porque muitas conseguiram equipar sua área de produção e sua própria casa – explica Diógenes Pereira, assessor técnico da ASPTA.
Em uma propriedade de dois hectares, em Corumbataí do Sul, Marcia e Wilson cultivam morango. No ano passado a produção já tinham destino certo.
- Se não fosse a cooperativa, eu ia perder toda a produção. Antes o morango era lavado e vendido em bandejas gerando emprego para mais gente da família. Como o morango não é mais vendido in natura, a fruta vai para o freezer, só que no freezer os morangos vermelhos e bonitos, que poderiam ter um preço melhor, é misturado às frutas menores e reduzido a um produto de pior qualidade, destinado à indústria. – Este ano eles estão pagando quatro reais o quilo. E no PAA saía sete reais – conta.
Por enquanto a cooperativa da cidade está segurando parte do prejuízo. Lá as frutas continuam chegando, mas nem tudo é vendido. As câmaras frias construídas graças a garantia de programas como o PAA estão cheias de polpas de fruta, porque o produto fresco não encontra mercado.
- A cooperativa vai ficar no prejuízo, porque o produtor trabalhou para produzir isso aqui e ele tem que receber – explica Olavo Luciano, presidente da cooperativa.
Hoje a situação é bem diferente do ano passado. Quando os cooperados garantiram a entrega de produtos pelo PAA.
- No ano passado a cooperativa foi contemplada com um projeto de R$ 2 milhões. Este ano o governo liberou R$ 1,3 milhões para o Paraná inteiro. A cooperativa não conseguiu entrar no projeto – conta Thiago Morales, assistente administrativo da cooperativa.
- Antes a gente conseguia com 50% da produção quitar o custeio e hoje, tirando o projeto, a gente vai gastar em média, 70% a 80% – comenta Jose Carlos Marins, agricultor na propriedade. Ele e a mulher conseguem vender a produção, mas a um preço muito instável. Se a situação não melhorar, eles terão que buscar emprego na cidade.
Brasília
A Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) já manifesta preocupação com os cortes do ano que vem
- Se continuar isso, simplesmente é o fim do PAA e consequentemente muitos agricultores familiares irão abandonar as suas propriedades, no sentido de que não há nenhum incentivo governamental para que eles permanecem em seus locais de trabalho – diz Antoninho Rovaris, secretário da Contag.
Para falar sobre essa redução de recursos para a agricultura familiar, O Globo Rural procurou três órgãos do governo federal – o Ministério do Planejamento, a Secretaria de Agricultura Familiar e o Ministério do Desenvolvimento Social. Ninguém quis falar sobre o assunto.
Fonte: Globo Rural