Um político brasileiro, que ironicamente é considerado persona non grata no Paraguai, está entre os que mais contribuíram para a onda de progresso econômico vivida pelo país vizinho nos últimos anos. Quando era governador do Paraná, em outubro de 2003 Roberto Requião assinou um decreto proibindo a exportação de produtos transgênicos pelo Porto de Paranaguá. Da noite para o dia, centenas de caminhões paraguaios repletos de soja ficaram à deriva, sem ter onde despejar as cargas.
- Foi um sufoco, tudo era transportado por caminhão até Paranaguá. Para enfrentar um problema urgente, compramos dos americanos embarcações usadas no Rio Mississipi e corremos para o Rio Paraguai. Ficamos com muita raiva do Requião, mas, ao final, aquilo foi a redenção. Se não tivesse acontecido o bloqueio, talvez o Paraguai ainda levasse muito tempo para descobrir sua vocação fluvial – avalia Juan Carlos Muñoz Menna, presidente do Centro de Armadores Fluviais e Marítimos do Paraguai.
Atitude menos amigável ao relembrar o caso tem o empresário Breno Bianchi, brasileiro radicado no Paraguai há 40 anos.
- Ele ferrou com meio mundo por aqui, quebrou metade do Paraguai, principalmente pequenas empresas e cooperativas – diz Bianchi.
O produtor, dono de uma sementeira de soja e trigo no município de Hernandarias, próximo à fronteira com o Brasil, diz que a decisão do governo do Paraná praticamente o levou à falência.
- Eu quebrei. Dos oito silos que tinha, precisei vender sete para pagar dívidas com fornecedores e produtores rurais. Foram-se os anéis, ficaram os dedos. Mas houve dezenas de empresas que quebraram e não conseguiram mais voltar ao mercado – resume Bianchi.
Os prejuízos com frete, soja parada e multas contratuais criaram um ambiente de liquidação de empresas agropecuárias no Paraguai. Foi a senha para expansão de negócios de multinacionais como a ADM e a Cargill, que aproveitaram para investir pesado no transporte fluvial e trouxeram as primeiras barcaças do Rio Mississipi.
- O Requião não é herói, ele é persona non grata no Paraguai. Apesar de tudo, foi um mal necessário e hoje, graças àquele episódio, a logística do Paraguai está muito bem estruturada, tudo funciona – avalia Bianchi.
A mudança de modal de transporte foi súbita, difícil e dolorosa, mas trouxe dividendos inquestionáveis a longo prazo, para os paraguaios. De 1988 a 2010, o transporte fluvial de mercadorias saltou de 700 mil toneladas por ano para 17,4 milhões de toneladas. Atualmente, 96% do que o Paraguai produz é exportado por hidrovia.
O país tem cerca de 3.000 barcaças, a terceira maior frota mundial, produzidas em 13 estaleiros locais ou importadas da China e da Turquia. Foram construídos 35 terminais de grãos, 24 sobre o Rio Paraguai e 11 sobre o Rio Paraná.
- Para 2020, deveremos ter 220 rebocadores e 3600 barcaças operando em nossas hidrovias – prevê Sonia Tomassone, assessora técnica da Câmara Paraguaia de Exportadores de Cereais e Oleaginosas.
Prejuízo ao Paraná
Na época do bloqueio de Requião, cerca de 400 caminhões chegavam a cruzar diariamente a fronteira pela Ponte da Amizade rumo ao Porto de Paranaguá, no pico da safra. Para reduzir custos, eles voltavam ao Paraguai transportando calcário, cimento, fertilizantes, materiais de construção, máquinas e equipamentos. Essa logística foi quebrada.
- As barcaças que vão hoje para a Argentina e o Uruguai voltam com um montão de produtos que no passado vinham do Paraná. O estado perdeu muito também – aponta Breno Bianchi.
Coagidos a não plantar transgênicos, produtores rurais paranaenses tiveram prejuízo milionário pelo acesso tardio à tecnologia e, no caso dos que desafiaram o decreto, pelos custos adicionais de transporte até outros portos.
- Esse é um prejuízo que existiu e tem de ser colocado na conta do Requião e do irmão dele, Eduardo (então superintendente do Porto de Paranaguá) – diz Orlando Pessuti, que na época era vice-governador e secretário de Agricultura do Paraná, mas tornou-se desafeto político do senador.
- Ali começaram meus atritos com o Requião. Eu, assim como o setor produtivo, defendia que o porto fizesse a rastreabilidade e a segregação dos transgênicos. Os prejuízos aconteceram por causa desse comportamento radical e policialesco do Requião, que queria prender os caminhoneiros que transportassem transgênicos. A gente é que não obedecia muito as ordens dele, se não muitos acabariam presos – afirma Pessuti.
Atualmente na função de diretor do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), Pessuti diz que a intransigência do ex-aliado fortaleceu não somente o Paraguai, mas contribuiu para desenvolver os portos de Santa Catarina, que acolheram as cargas rejeitadas por Paranaguá.
Enquanto Requião declarava guerra aos transgênicos (guerra perdida, já que hoje mais de 90% da soja paranaense é transgênica), os paraguaios investiram e inverteram a lógica da exportação. Em 2016, cerca de um milhão de toneladas de soja brasileira foram exportadas pela hidrovia Paraná-Paraguai.
- Ano que vem esperamos um volume bem maior, podendo chegar até 5 milhões de toneladas com a captação de grãos na região produtora entre Dourados e Campo Grande – diz Juan Carlos Muñoz Menna.
Debandada
Dados do Porto de Paranaguá indicam que o armazém arrendado ao Paraguai exportava, antes do bloqueio, 1,5 milhão de toneladas de grãos por ano. Os paraguaios desistiram do contrato e abandonaram o porto em 2004. A exportação paraguaia de commodities agrícolas por Paranaguá despencou, em 2017, para míseras 4 mil toneladas (até setembro).
Em outubro do ano passado, a Justiça Federal condenou Eduardo Requião, ex-superintendente do porto, por improbidade administrativa por ter impedido o embarque de transgênicos até 2007, descumprindo decisão do STF e a Lei de Biossegurança (Lei 11.105). O irmão do ex-governador perdeu os direitos políticos por três anos, tendo de pagar, ainda, multa de quinze vezes o salário recebido como dirigente portuário.
Obrigado a reinventar sua logística, o Paraguai descobriu nos rios uma fonte de riquezas que extrapola as fronteiras. Um estudo da UFPR, de 2016, contratado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), estima que a hidrovia Paraguai-Paraná tem potencial de transportar até 52 milhões de toneladas de produtos brasileiros, principalmente grãos da região Centro-Oeste e minério de ferro.
- Como empresário de transportes fluviais, só tenho a agradecer àquela decisão do governador Requião – conclui Juan Carlos Menna. – O ex-governador Requião merece não apenas uma estátua, mas um automóvel Mercedes-Benz de presente pelo que fez pelo Paraguai – emenda Sonia Tomassone.
A reportagem tentou ouvir o senador Roberto Requião, via assessoria de Imprensa, mas a informação é de que ele prefere não comentar o assunto.
Fonte: Gazeta do Povo