A piscicultura do Paraná continua sua trajetória de, ano a ano, conquistar resultados que permitem consolidar a sua soberania nacional. Mesmo ante os reflexos causados pela pandemia do novo coronavírus, a atividade cresceu 11,5% no Estado, em 2020, com produção de 172 mil toneladas pescadas. Absoluto como principal produtor de peixes de cultivo no país, o Paraná ainda ampliou sua liderança no ranking: produziu 130% mais que São Paulo, o segundo colocado. De quebra, a organização da cadeia produtiva e a disponibilidade de lâminas d’água em abundância trazem uma perspectiva para lá de positiva. A tendência para os próximos anos é de que a piscicultura paranaense continue crescendo, levando cada vez mais peixe à mesa de consumidores brasileiros e de outros países.
Os dados constam do Anuário Peixe BR 2021, que traz um mapeamento da atividade em todo o país em relação ao ano anterior. Segundo o levantamento, o setor teve um início de 2020 difícil. As vendas despencaram mesmo na Semana Santa, considerada o “Natal” da piscicultura, preocupando os diversos elos da cadeia produtiva. Na segunda metade do ano, no entanto, a atividade decolou. Foi o melhor semestre desde o começo da série histórica (2014). Com a recuperação, a produção brasileira cresceu 5,9%, chegando a 802,8 mil toneladas. Sozinho, o Paraná responde por 21% deste montante, o que atesta a força da atividade no Estado. Além disso, em 2020, pela primeira vez a piscicultura ultrapassou a marca de R$ 1 bilhão gerados em Valor Bruto de Produção (VBP).
“A nossa piscicultura tem se estruturado, com um nível de profissionalização, como referência nacional. Isso é resultado de um esforço integrado dos elos da cadeia, que têm investido e se qualificado e, por outro lado, oferecido um produto competitivo e de qualidade. Temos espaço para crescer”, ressalta o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
Tilápia: o carro-chefe
O bom desempenho da piscicultura no Paraná está diretamente relacionado à tilápia, considerada o carro-chefe da atividade no Estado. A espécie começou a ser produzida no interior ainda na década de 1980, mas em pequena escala. Por ser um peixe com muito espinho, os produtores enfrentaram entraves na comercialização naqueles primórdios. Na década de 1990, no entanto, o produto passou a ser vendido em filés, agregando valor. Uma das viradas que contribuiu para a profissionalização do setor ocorreu no início dos anos 2000, quando as cooperativas passaram a apostar na tilápia. Com isso, a atividade ganhou em escala e atraiu novos produtores.
Hoje, 96,5% dos peixes de cultivo produzidos no Paraná (166 mil toneladas) são tilápia – o que corresponde a um terço da produção nacional. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado tem 24,6 mil produtores de tilápia, a maioria com produção voltada a cooperativas, como a C.Vale e a Copacol. O Anuário também atribui o crescimento da piscicultura no Paraná à desburocratização do licenciamento ambiental, já que a atividade se desenvolve no Estado, principalmente, em tanques escavados de pequenas e médias propriedades.
“Inúmeros fatores ajudam a explicar a liderança absoluta do Paraná. Temos uma estrutura fundiária com pequenas propriedades com grande número de nascentes, acesso a insumos de alimentação e uma forte estrutura cooperativista, além de acesso a crédito”, diz Guilherme Souza Dias, técnico do Departamento Técnico Econômico (DTE) da FAEP. “A tilápia é o ‘nelore’ das águas. Ou seja, é uma espécie rústica, de crescimento acelerado e com atributos zootécnicos que a tornam adaptável. Tem uma versatilidade produtiva e de consumo. Vai bem do sashimi ao ceviche”, acrescenta.
O administrador e analista do Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (Seab), Edmar Gervásio, destaca que as cooperativas intensificaram sua capacidade de produção e de processamento em 2020, o que foi decisivo para o avanço da piscicultura. Para o especialista, esse foco industrial na produção tem papel determinante para que toda a cadeia produtiva se desenvolvesse, a ponto que o Estado conquistar destaque em âmbito nacional.
“Na última década, especialmente, a atividade passou a ter foco industrial. Tendo como líderes as cooperativas, a piscicultura se torna um negócio em crescimento ano após ano”, define.
Investimento como trampolim
A supremacia do Paraná também se traduz nos investimentos do setor. Em 2020, os piscicultores paranaenses contrataram R$ 152 milhões em crédito – mais de um terço do total contratado no país. O Estado também lidera o acesso a financiamento para investimentos, com R$ 29 milhões captados no ano passado para expansão das atividades. Para os especialistas, o acesso a recursos de financiamento da atividade está diretamente relacionado à solidez e ao profissionalismo do setor. Em razão disso, a expectativa é de que a piscicultura continue em expansão no Paraná.
Paraná de olho no mercado internacional
Um dos novos olhares para os próximos anos deve ser a exportação. Hoje, o Paraná é o terceiro no ranking de Estados que mais embarcam tilápia para outros países. Mesmo assim, a expansão impressiona: só no ano passado, as vendas externas aumentaram 32%. Essas operações se dão a partir de logísticas bem ajustadas, para o peixe chegue ao destino ainda fresco, em 48 horas. Em novembro do ano passado, o Boletim Informativo detalhou a logística de embarque de tilápias a Miami, nos Estados Unidos, por meio de aviões.
“O mercado de tilápia no Paraná cresce pelo menos 10% a cada ano. Em 2020, não foi diferente, mesmo com os desafios sanitários. A expectativa para os próximos anos é que cresça ainda mais, porque a indústria está investindo pesado, além de gerar mais empregos, oferecer boa remuneração”, aponta Edmar Gervásio, do Deral.
“As perspectivas são de crescimento. Temos um potencial gigantesco de produção e espaço para consolidar a tilápia no mercado internacional. Além disso, temos espécies tropicais que o mundo não conhece, que também podem ser boas alternativas internacionais”, diz Guilherme Dias, DTE da FAEP.
Oeste do Paraná: a “capital” da tilápia
Paralelamente a outras atividades agropecuárias, o produtor rural Valcir Zanini cultiva tilápias há mais de dez anos, em Cascavel, Oeste do Paraná. “No começo, eu criava peixe mais por gosto, para o nosso consumo mesmo”, relembra. Nos últimos anos, com apoio da prefeitura, Emater e Sindicato Rural de Cascavel, os piscicultores da região passaram a se organizar. Em 2018, criaram a Associação dos Aquicultores do Oeste do Paraná (AquiOeste). De lá para cá, a entidade ganhou corpo. E não é para menos: segundo o Anuário da Peixe BR, o Oeste do Paraná responde por 90% da tilápia produzida no Paraná.
“Hoje, a associação tem 48 produtores de tilápia. Mas temos outros 50 se cadastrando para começar na atividade, esperando o licenciamento e a outorga da água”, diz Zanini, presidente da AquiOeste. “Nós temos um potencial enorme de crescimento. Temos 60 hectares de lâminas d’água aproveitados pela piscicultura. Mas Cascavel tem 600 hectares que ainda podem ser usados na atividade. É uma boa oportunidade, um setor que vem remunerando bem”, acrescenta.
Em Palotina, também na região Oeste, Edmilson Zabott cultiva tilápias há 23 anos. Como um dos pioneiros, acompanhou o desenvolvimento da cadeia produtiva. Hoje, ele produz 280 toneladas por ano. O produtor – que também se dedica à avicultura – fala com orgulho da potência que a região se tornou na piscicultura e das perspectivas para o setor nos próximos anos.
“O grande produtor de peixes de cultivo no Brasil chama-se Oeste do Paraná. Somos a capital. Palotina se destaca pelo volume de lâminas d’água, mas não é só: todos os municípios da região, juntos, permitem esse destaque. Foi essa força conjunta que fez com que a gente estruturasse a cadeia produtiva”, aponta. “Tivemos o primeiro abatedouro de peixes do Brasil. Depois, aumentamos a tecnificação e a produção. Agora, com as cooperativas fomentando o setor produtivo, temos um produto ainda melhor, mais competitivo e em maior volume”, acrescenta.
Além das cooperativas, Zanini destaca a atuação da Emater e do SENAR-PR para a consolidação da cadeia produtiva na região. Segundo o presidente da AquiOeste, ambas as entidades levaram conhecimento técnico, por meio de consultorias e de cursos de qualificação oferecidos aos produtores da região. Ele diz que cerca de 150 piscicultores da região já frequentaram capacitações – a mais recente, uma capacitação que abordou novos tratos para tilápias.
“No início, muitas pessoas pensavam que era só escavar um tanque e encher de peixes. Tem que acompanhar diariamente o PH, o oxigênio, os nitritos, fazer alimentação no horário certo. O SENAR-PR e a Emater foram e têm sido fundamentais na profissionalização dos produtores da nossa região”, diz. “Quando passar a pandemia, vamos trazer um curso do SENAR-PR para ensinar as cozinheiras de hotéis, restaurantes e as merendeiras a fazerem novos pratos com peixe. Tudo isso ajuda a movimentar o setor”, aponta.
Energia e alimentação são gargalos para o setor
Apesar do bom momento e das perspectivas alvissareiras, a piscicultura do Paraná ainda tem que superar alguns entraves, relacionados aos custos de produção. Um deles é a energia elétrica, já que a produção de peixes depende de aeradores – equipamentos que mantêm a oxigenação dos tanques no período noturno –, que precisam ficar ligados das 19 horas às 7 horas do dia seguinte. Recentemente, o governo do Paraná tornou lei a Tarifa Rural Noturna, que concede desconto de 60% na tarifa da energia consumida em unidades rurais, das 21h30 às 6 horas. O desconto é limitado a 6 mil kilowatts/hora (kw/h).
“Para o piscicultor, o desconto é insuficiente. Todo produtor gasta pelo menos 25 mil kw/h. A gente precisa que o governo entenda que a energia é um dos nossos principais custos de produção e que a piscicultura é importante para a economia do Estado”, destaca o produtor Edmilson Zabott.
A alimentação dos peixes também tem pesado no bolso do produtor. A ração tem como principais insumos o milho e a soja – que vêm com as cotações nas alturas. Por isso, se o piscicultor não se organizar e fizer a gestão do negócio, pode perder renda lá na frente. Para o produtor Valcir Zanini, o segredo é acompanhar o mercado bem de perto. “Hoje, o custo que mais aumentou é o da ração. O produtor tem que ter tudo na ponta do lápis, para não tomar susto”, observa.
Além disso, os produtores que ainda não são integrados podem ter dificuldades – e perder dinheiro – na hora da comercialização. Como o ciclo de produção da tilápia é de nove meses, a recomendação é de que os piscicultores pensem com antecedência na destinação do produto final. Uma boa dica são os contratos prévios de comercialização.
“Em anos anteriores, tivemos produtores que levaram calote de alguns aventureiros que vinham, compravam o peixe e, depois, não pagavam. O produtor que cria por conta pode apostar nos contratos de comercialização, que dão uma segurança. Tem que pensar na comercialização, porque quando o peixe está pronto, o produtor tem um custo desnecessário de deixá-lo no tanque”, disse.
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Fonte: Sistema FAEP