Na principal região produtora de grãos nos Estados Unidos, conhecida como Corn Belt (em português, cinturão do milho), não há espaço para perda – seja de natureza climática, operacional ou de gestão.
Com apenas uma safra por ano, devido ao frio rigoroso que cobre as lavouras de neve no meio oeste durante o inverno, os agricultores priorizam a eficiência, substituindo a mão de obra escassa pela mecanização. Produtor em Prophetstown, em Illinois, Kevin Urick, 56 anos, tem 525 acres (equivalente a 212 hectares) cultivados com soja e milho e apenas um funcionário temporário, na época da safra.
– Não é necessário mais do que isso – garante Urick, que mora na fazenda com a mulher Karen.
Formado em Agricultura e Recursos Naturais, o produtor compra insumos, opera máquinas e faz gestão da propriedade. Nas lavouras, milho e soja são religiosamente rotacionados a cada safra.
– A relação é sempre 50% milho e 50% soja – conta Urick, que tem capacidade de armazenar 75% da safra em silos próprios.
Diferentemente do Brasil, onde o milho todos os anos perde espaço para a soja, nos Estados Unidos o cereal é a vedete das lavouras. A opção pela rotação é justificada no volume que consegue colher em áreas de sequeiro: mais de 200 sacas de milho por hectare.
Boa parte da produção é destinada para o mercado interno de indústria de etanol e de açúcar. A soja, com produtividade média de 55 sacas por hectare, é vendida para cooperativas.
Na planilha dos custos de produção da Urick Farm, os fertilizantes e as sementes estão na ponta de cima, seguido das máquinas. Defensivos agrícolas respondem por quase nada das despesas, já que o frio rigoroso no inverno interrompe o ciclo de pragas e doenças nas lavouras. O produtor americano costuma fazer uma aplicação por ano, normalmente com herbicida.
– A incidência de pragas em clima temperado é muito menor. No Brasil, chegamos a fazer sete aplicações por safra – compara Telmo Amado, doutor em Ciência do Solo e professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Fertilizantes 40% mais caros aqui
O clima frio também favorece o solo americano, que passa meses em descanso.
– O solo deles é muito rico em nutrientes e matéria orgânica, com PH próximo da neutralidade, sem necessidade de correção com fertilizantes – exemplifica Amado, acrescentando que é muito mais fácil ser agricultor nos EUA do que no Brasil.
Além da menor necessidade de defensivos e fertilizantes, a produção americana é beneficiada por custos menores dos produtos, afirma o economista-chefe do Sistema Farsul, Antônio da Luz.
– Os fertilizantes no Brasil são, em média, 40% mais caros. Alguns defensivos chegam a custar 200% a mais aqui – aponta Luz, alertando para a alta tributação brasileira e os custos logísticos.
Quando o assunto é mão de obra, a realidade dos Estados Unidos nem de longe lembra o Brasil. Com custos bem maiores para contratar funcionários, os americanos normalmente terceirizam os serviços de plantio e colheita ou mantêm no máximo uma pessoa temporária no período da safra.
– A hora-homem lá é bem mais cara do que aqui. Mas essa pessoa equivale a quatro trabalhadores brasileiros, pela eficiência e mão de obra qualificada – compara Luz, acrescentando que geralmente os empregados de fazendas nos EUA têm curso superior e alta produtividade.
O seguro que garante a renda
Com seguro de renda, os americanos não têm receio de investir pesado para alcançar altas produtividades nas lavouras de soja e milho. A garantia da rentabilidade, mesmo em ano de condições climáticas adversas, vem do desembolso anual superior a US$ 12 bilhões pelo governo dos Estados Unidos.
– O seguro cobre a produção e a flutuação de preço. Não cogito em plantar sem ter essa segurança – conta Richard Parnell, 61 anos.
Produtor em Champaign, no Estado de Illinois, Parnell cultiva cerca de 1,5 mil acres (equivalente a 607 hectares) de soja e milho – metade da área com cada cultura.
O trabalho na lavoura tem ajuda da mulher Linda Parnell, 64 anos, professora, e da filha formada em Agricultura e Recursos Naturais, que também trabalha em uma multinacional de agroquímicos.
Um funcionário temporário é contratado no período da safra – por US$ 17 a hora, em média. O maior custo da lavoura, segundo Parnell, vem de máquinas e equipamentos. A colheitadeira, por exemplo, é renovada todos os anos.
– Fiz um acordo com a fabricante. Uso a máquina uma safra, devolvo e pego uma nova. Assim garanto a maior eficiência possível, com a última tecnologia – conta o produtor, que tem as máquinas protegidas por seguro também.
Boa parte da produção da Parnell Farm é vendida para a Premier Cooperative, na cidade de Champaign mesmo. A cooperativa, com pouco mais de 3 mil associados, é a principal da região com 26 unidades de recebimento e armazenagem de grãos.
– O volume de milho que recebemos é quatro vezes maior do que o de soja – detalha Delmer Castor, gerente regional da cooperativa.
A diferença é explicada pela produtividade das lavouras na região de Champaign. Enquanto o milho tem um rendimento superior a 200 sacas por hectare, a média da soja não passa de 60 sacas por hectare.
Tenho seguro de tudo, das lavouras, das máquinas. É preciso ter segurança na agricultura. Não podemos contar com a sorte sempre.
Produção em várias frentes
Na Cinnamon Ridge Farms, em Donahue, no Estado de Iowa, a expressão mais usada é verticalizar a produção. Com 2 mil hectares cultivados com soja e milho, rotacionados religiosamente todos os anos, a fazenda tem ainda pecuária de leite e de corte, criação de suínos e produção de ovos.
– Quando uma atividade está em baixa, a outra está em alta – explica John Maxwell.
Após passar por um inverno à temperatura de 20 graus negativos, com a neve congelando o solo em um metro de profundidade, o produtor se prepara para colher a safra de verão nos meses de setembro e outubro. Nas lavouras, cultivadas em plantio direto e convencional e com técnicas de agricultura de precisão, contará com ajuda da mulher Joan. Ela opera a única colheitadeira da propriedade e dá conta de boa parte do trabalho, ao lado da filha que também opera as máquinas.
Na produção animal, o produtor tem oito funcionários, um deles estagiário brasileiro, que se revezam para alimentação das criações e do monitoramento do galpão de ordenhas mecanizadas.
– Se der qualquer problema no processo, o computador aciona um comando e recebemos o aviso pelo celular – conta Divair Weber, 23 anos, natural de Nova Laranjeiras (PR).
Formado no Brasil em técnica agropecuária, o jovem ficará seis meses na Cinnamon Ridge Farms, onde conquistou o 6º lugar em concurso nacional de produtividade leiteira da raça jersey. O rendimento médio das mais de 230 vacas em lactação é de 32 litros por dia. No total, o rebanho leiteiro chega a 600 animais.
Comércio sem vendedor
Com o leite, além da venda para indústria, a fazenda aproveita para produzir queijo. Em um comércio às margens de uma rodovia, os produtores vendem ovos, leite, pães e carne bovina e suína. Detalhe: a loja não tem vendedor, apenas câmeras de vídeo. Com os preços indicados nos produtos, os compradores podem escolher e deixar o dinheiro equivalente.
– Até hoje, apenas um comprador levou mais mercadoria do que o dinheiro deixado – conta Joan.
A foto do comprador “infiel”, captada pelas câmeras, foi impressa e afixada na loja com pedido para que o avisassem que havia faltado dinheiro na compra. Poucos dias depois, o homem pagou as mercadorias. O modelo de negócio self service de produtos coloniais não é comum nos Estados Unidos. A opção é mais uma das feitas para economizar mão de obra.
Alto nível de escolaridade
Com tudo controlado na ponta do lápis, os produtores americanos têm uma característica em comum. Boa parte deles conta com formação superior, o que os ajuda a adotar rapidamente novas tecnologias.
Nas três propriedades visitadas pela reportagem nos Estados de Illinois e Iowa, todos os proprietários têm formação em Agricultura.
Com nível de escolaridade elevado, os produtores priorizam a profissionalização da atividade, sempre com o foco na rentabilidade do negócio. A proximidade com a academia facilita também que pesquisas científicas sejam aplicadas ao campo, antevendo desafios do agronegócio.
- A próxima safra irá selecionar, e só os bons permanecerão – diz pesquisador.
Pesquisa elaborada pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) mostra as diferenças na produção de soja no Brasil e nos Estados Unidos. Ao
levantar os custos de produção, o estudo mostra disparidades principalmente no uso de fertilizantes, defensivos agrícolas
e na qualidade da mão de obra. Em entrevista a Zero Hora, um dos autores do estudo, Mauro Osaki, destaca como as realidades distintas influenciam na competividade agrícola e na eficiência nas lavouras. Confira o que pensa Osaki sobre diferentes temas relacionados à agricultura:
Quais as principais diferenças de custos de produção no Brasil e nos Estados Unidos?
No Brasil, nossos gargalos estão em três pontos: fertilizantes, defensivos agrícolas e qualidade da mão de obra. Nós precisamos utilizar muito mais fertilizantes, se comparado com Estados Unidos. Em termos de controle de pragas e doenças, há uma necessidade maior no uso de defensivos agrícolas no Brasil por ser um país tropical, tanto de fungicida quanto de inseticida. A partir de 2003, quando tivemos a intensificação da ferrugem asiática, passamos a usar com mais intensidade fungicidas, o que não era uma prática comum. Nós conseguimos diminuir a população de fungos, que controlavam as lagartas, fazendo com que as lagartas passassem de pragas secundárias para primárias. E isso também dá um sinal de alerta, porque estamos usando demasiadamente os químicos na tentativa de garantir uma melhor produtividade.
E em relação à mão de obra?
Quanto à qualidade de mão de obra, nossa produtividade é muito baixa. Pelo descaso que o governo tem trabalhado a questão da educação brasileira, temos uma mão de obra pouco produtiva. Uma família americana consegue gerenciar uma fazenda de 1 mil ou 2 mil hectares. No Brasil, uma família que tem uma fazenda de 50 a
60 hectares precisa de funcionário. O custo é muito caro, além da baixa eficiência. É preciso fazer a substituição por tecnologia, a partir de mecanização, com o produtor, além de gestor, ser o operador de máquina. Essa é a tendência americana há muito tempo.
O custo da terra é uma vantagem para o Brasil? Conseguimos ser competitivos?
Sim. O custo da terra é muito mais caro nos Estados Unidos por conta de infraestrutura, o que tira bastante a competitividade americana frente a nossa. A nossa terra ainda é muito barata, se pensado o valor em dólar. Então, isso é uma coisa que ameniza nosso problema. Dentro da fazenda, temos custos operacionais, mas quando olhamos os gastos como um todo, equilibramos a conta, e ficamos competitivos com os americanos.
Isso sem contar os custos de infraestrutura fora da fazenda.
Esse problema é crônico no Brasil. E não é só o setor agrícola que será beneficiado com melhores condições, a indústria e os serviços também. Vai baratear custos para todo mundo. O problema é que aí vamos para o campo político. Infelizmente, não temos um plano nacional em que isso é trabalhado ano a ano, independente de governo ou de sigla partidária. Se tivéssemos o câmbio nesse patamar combinado com uma logística eficiente, não estaríamos nessa situação econômica. Estaríamos discutindo outros tipos de problema em vez de debater o tamanho da minissaia que se pode usar dentro no Congresso. O foco das autoridades é míope diante das dificuldades que o setor agrícola enfrenta.
O que podemos esperar para a safra brasileira 2015/2016?
Cada produtor terá um custo diferente por conta do início de tomada de decisão para compra de insumos. A desvalorização do real frente ao dólar assustou. Nós estávamos com R$ 2,70 e foi subindo, subindo, e o produtor esperava uma queda que não aconteceu e não deve acontecer tão cedo. Estamos chegando no período de início de safra com dólar acima de R$ 3,80 (na sexta-feira, atingiu R$ 3, 97) e quem deixou para última hora vai produzir soja mais cara ou usar menos fertilizante. Vai deixar áreas marginais de lado e focar em regiões de melhor desempenho.
Não há mais espaço para erro, é isso?
O erro vai selecionar. Os bons permanecem no setor, outros são obrigados a procurar outra atividade. Assim como foi na década de 1990, a próxima safra vai selecionar muita gente. Quem não gerenciar corretamente vai ter prejuízo, diminuindo o capital conquistado nos últimos anos. Desde 2007, vivemos um período muito bom e foi possível ter bons resultados, trocar maquinário e tudo mais. Foram anos de vacas gordas que não vamos ter de novo, pelo menos tão cedo. A nossa realidade vai ser outra. O preço do bushel a US$ 8, grandes estoques mundiais e o principal comprador (China) tendo problemas econômicos traçam um cenário de alerta de médio prazo.
Com esse cenário, como ser mais eficiente?
Temos que rastrear todo o processo produtivo. O produtor ainda não tem o hábito de fazer apontamentos em um caderno para saber onde está perdendo tempo, onde está tendo gastos desnecessários. A partir do momento em que você tem tudo isso na planilha, começa a enxergar onde é mais ou menos eficiente. Passa a gerar parâmetros e, a partir daí, pode começar a pensar em metas. Consegue diminuir gastos com diesel, reduz quebra de peças, evita deslocamentos desnecessários de funcionários e descobre qual a necessidade de fertilizante do seu solo. É possível baixar bastante os custos.
Há outras maneiras de também reduzir os custos da produção agrícola?
Trabalhar com o manejo integrado de pragas, prática que fazíamos no passado e esquecemos, está na hora de resgatar. Também tem o perfil do solo. Em muitos lugares, o plantio direto foi incorreto e nada mais foi feito na terra. Um profissional qualificado pode avaliar e indicar se é preciso refazer o perfil do solo e recomeçar do zero. Ainda há margem para trabalhar dentro da fazenda. Dentro de casa há muito para fazer, dado que no cenário externo não dá para mexer.
Fonte: Zero Hora