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NÚMEROS QUE DOEM NO BOLSO

Nem o agricultor mais pessimista poderia prever um segundo semestre de combinações climáticas tão desastrosas no Rio Grande do Sul. Sob influência do fenômeno El Niño, um dos mais fortes da história, chuvaradas constantes e quedas de granizo deixaram rastros de destruição em 115 mil propriedades do Estado, que correspondem a 25% do total, segundo levantamento divulgado na última sexta-feira pela Emater.

Só nas lavouras de trigo, as estimativas iniciais dão conta de prejuízos na ordem de R$ 590 milhões, levando em conta apenas a redução no volume a ser colhido. Nas plantações de fumo, os estragos causados pela chuva de pedra somam mais de R$ 90 milhões em 130 cidades, sem incluir as perdas por afogamento da planta em áreas alagadas. Os danos da fúria do tempo se multiplicam na produção de frutas, hortaliças e leite e afetam, ainda, o calendário de plantio da safra de verão.

No trigo, o mau tempo atingiu a cultura desde o começo da safra. Primeiro, foi o excesso de chuva em julho, seguido do calorão atípico em agosto e da forte geada em 12 e 13 de setembro. Em outubro, a chuvarada terminou de potencializar as perdas em quase 400 mil hectares, especialmente nas regiões Norte e Noroeste. Até agora, com menos de 50% da área colhida, a Emater estima redução de 40% da safra inicial estimada.

No início do ciclo de inverno, em maio, a previsão era de colher quase 2,7 milhões de toneladas de trigo. Agora, se a safra chegar a 1,5 milhão de toneladas superará a expectativa dos mais otimistas. As perdas na cultura são responsáveis por boa parte das 8,6 mil solicitações de Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) que chegaram à Emater até o fim de semana, especialmente no Norte e Noroeste.

Somente o escritório em Ijuí, no Noroeste, recebeu quase 3 mil pedidos de 10 municípios da região. A redução no volume colhido soma-se à perda na qualidade do grão. Em muitos casos, o PH é tão baixo que a produção sequer é classificada como trigo, podendo ser destinada só para ração animal.

— Algumas cooperativas e cerealistas não estão nem recebendo esse grão com qualidade inferior — conta Carlos Turra, assistente técnico da Emater.

Produtor em Ijuí, Cristiano Schreiber, 37 anos, terminou no fim de semana de colher a área de 97 hectares cultivada com trigo. Investiu para colher perto de 60 sacas por hectare e viu a lavoura render em média 25 sacas por hectare após a geada em setembro e a chuvarada em outubro.

— Achei que iria demorar para termos uma safra tão ruim como a do ano passado. Mas, agora, foi ainda pior — lamenta Schreiber, que, neste ano, teve custos de 20% a 30% maiores para implantar a lavoura e, mesmo com parte da produção coberta por seguro, calcula prejuízo de R$ 50 mil a R$ 60 mil.

Produtividade reduzida

O sentimento é de frustração também nas lavouras de tabaco localizadas no Vale do Rio Pardo. Com as plantas bem desenvolvidas, fumicultores viram parte da produção ser destruída em menos de 15 minutos de tormenta.

— Nunca vi tanto granizo na minha vida. Não sobrou uma folha inteira quase — conta Heliodoro Weise, 47 anos, produtor no interior de Santa Cruz do Sul.

Weise refere-se à tarde de 14 de outubro, quando uma forte chuva de pedra, seguida de 70 milímetros de chuva, dizimou quase todos os 4,5 hectares plantados ao lado dos irmãos Leonilo Weise, 55 anos, e Lucildo Weise, 50 anos.

Antes do granizo, os Weise esperavam colher 700 arrobas de fumo por hectare. Agora, se chegarem a cem arrobas por hectare serão surpreendidos positivamente. A Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) estima que mais de 16 mil propriedades, de um total 76 mil, tenham sofrido algum dano com o granizo. Com técnicos a campo para calcular as perdas, a entidade estima prejuízo de R$ 92,3 milhões, e uma safra 25% menor.

— Além disso, preocupa a redução da produtividade das lavouras pelo excesso de chuva. Estamos fazendo um mutirão para realizar as vistorias nas lavouras e encaminhar os pedidos de seguro para quem foi atingido — afirma Benício Werner, presidente da Afubra.

Prejuízos fazem acender luz amarela para o verão

Com perdas irreversíveis no inverno, produtores gaúchos temem que os prejuízos se estendam para a safra de verão. Por enquanto, o alerta maior é nas lavouras de arroz, que estão com plantio atrasado no Estado, especialmente nas regiões mais afetadas pelas enchentes.

O período previsto para plantio da cultura vai até 15 de novembro. Até a semana passada, levantamento do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) apontava 38,2% da área semeada. Em anos normais, o índice já deveria estar em quase 70%, destaca o presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado (Federarroz), Henrique Dornelles.

— O atraso pode comprometer a produtividade das lavouras, que correm o risco de perder o período de luminosidade necessária às plantas — explica Dornelles.

Com 15 dias para concluir o plantio da cultura, o complicador é a necessidade de pelo menos seis dias secos para o produtor conseguir entrar na lavoura. Caso o processo não avance nesta semana, os arrozeiros deverão solicitar formalmente ao governo federal a flexibilização do calendário de plantio — uma forma de garantir que o produtor não fique fora do período coberto por seguro rural. Para a safra de soja, a expectativa é de que o fenômeno El Niño siga a tendência histórica, trazendo bons resultados para a oleaginosa com chuvas regulares nos meses de verão.

— O produtor deposita agora as esperanças na safra de verão para compensar um pouco as perdas do inverno — destaca Valmir Netto Wegner, gerente técnico estadual da Emater.

Com 70% da área semeada, as lavouras de milho apresentam boas condições, beneficiadas pelas altas temperaturas e chuva em abundância, segundo a Emater. As plantas chegaram a ser atingidas pela forte geada em setembro, mas conseguiram rebrotar e se recuperar, trazendo um pouco de otimismo aos produtores.

Fonte: Zero Hora



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