Após cruzamentos de dezenas de linhagens de feijão-de-corda, pesquisadores da Embrapa Meio-Norte (PI) obtiveram uma planta com várias vagens por pedúnculo, o que permitiu comprovar o potencial de multiplicar a produtividade da leguminosa. A previsão de lançamento das primeiras cultivares é 2022. Os cientistas trabalham agora no desenvolvimento de uma planta com ciclo precoce e capaz de produzir pelo menos três vezes mais que as variedades encontradas no mercado.
O feijão-de-corda (Vigna unguiculata), também conhecido como feijão-caupi e macassar, possui inflorescência simples, com apenas uma vagem por pedúnculo. O objetivo dos pesquisadores com o melhoramento genético é obter uma planta com múltiplas vagens, ou de inflorescência composta, característica de leguminosas de alta produtividade como soja, feijão comum e grão-de-bico, que possuem de quatro a oito vagens por pedúnculo.
O estudo abre caminho para uma revolução no cultivo do feijão-de-corda e está na fase final de seleção de linhagens para que sejam conferidas a produtividade e adaptabilidade delas em diferentes regiões do País. A ideia dos cientistas é reduzir agora o comprimento do pedúnculo da planta, dando mais fôlego para ela desenvolver vagens, grãos e apresentar bom porte.
“Esperamos triplicar a produção com essa nova tecnologia”, acredita o pesquisador da Embrapa Meio-Norte (PI) Maurisrael Rocha, informando que uma das oito metas de inovação tecnológica do Centro de Pesquisa até 2030 é contribuir para um aumento de 50% nas exportações da leguminosa.
Potencial de produtividade comprovado
O trabalho avançou com a avaliação das linhagens resultantes do segundo ciclo de cruzamentos, em um experimento com as cultivares comerciais BRS Guariba, BRS Cauamé, BRS Novaera e BRS Tumucumaque. No segundo estudo, durante dois anos, as plantas descendentes dos cruzamentos foram avaliadas novamente com as mesmas cultivares e a Bico de Ouro. Esta, uma cultivar sem identidade genética adotada pelos agricultores de Mato Grosso. Foi nesse último ensaio que ficou comprovado que a inflorescência composta aumenta o potencial de produtividade no feijão-de-corda.
Os primeiros caupis com inflorescência composta
Tudo começou em 1974, no município de Quixadá, no sertão do Ceará, a 167 quilômetros de Fortaleza. Em um trabalho de campo com alunos do curso de agronomia da Universidade Federal do Ceará (UFC), o professor José Braga Paiva identificou cultivares crioulas (sementes tradicionais selecionadas por várias décadas pelos agricultores tradicionais) com inflorescência composta. Ele coletou o material e levou para o banco de germoplasma da universidade.
Em 1978, durante uma visita ao município de São Miguel do Tapuio, a 190 quilômetros ao norte de Teresina, o então pesquisador Antônio Gomes, da Embrapa Meio-Norte, identificou também cultivares crioulas de feijão-de-corda com inflorescência composta.
“Nas primeiras avaliações, elas apresentaram ciclo de maturação longo, porte com ramos longos e boa produtividade”, lembra o pesquisador Francisco Freire Filho, que hoje atua na Embrapa Amazônia Oriental (PA).
De 2006 a 2007, o pesquisador Francisco Freire Filho começou, em Teresina, o primeiro ciclo de cruzamentos com a cultivar crioula Cacheado roxo, de ciclo médio, porte semiprostrado e inflorescência composta; e as linhagens AU94-MOB-816 e TVx5058-09C, que tinham ciclo precoce, porte ereto e inflorescência simples.
Rocha, que conduz a pesquisa no Piauí, conta que até agora a equipe selecionou 60 linhagens. “Foram 11 anos de pesquisas, coordenadas pelo cientista Francisco Freire Filho, até atingirmos essa fase de linhagens”, lembra Rocha. Na fase intermediária, este ano, ocorre a instalação de experimentos em três ambientes. O Mato Grosso, que lidera a produção de feijão-caupi no País, abrigará um deles.
Em seguida, segundo o protocolo científico, as pesquisas se darão em vários estados com Valor de Cultivo e Uso (VCU), padrão de ensaio exigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
“Ganha a ciência e lucra o produtor. Os frutos dessa pesquisa trarão melhores resultados em menor tempo, com acréscimo de lucratividade”, analisa o pesquisador Antônio Félix da Costa, do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), em Recife.
Ele acredita que o resultado vai contribuir para o aumento da área plantada e da produção, provocando o aumento das exportações brasileiras de feijão-de-corda.
O pesquisador Aloisio Alcântara Vilarinho, da Embrapa Roraima (RR), que atua na rede nacional de melhoramento genético do produto, também vê perspectiva de sucesso.
“Enxergo um grande potencial nessa tecnologia e ganhos produtivos substanciais”, prevê.
No entender do cientista, com a nova tecnologia o País terá impactos positivos na produtividade média nacional, que hoje é em torno de 400 quilos por hectares, e tida como muito baixa para o potencial da cultura.
“Se isso realmente ocorrer, teremos reflexos positivos também no custo de produção, que reduzirá com o aumento da produtividade”, prevê.
Vilarinho aposta ainda nos ganhos com as exportações, já que o produto chegará ao mercado internacional com preços mais competitivos.
Cultivar abriu exportação para Índia e Israel
Ao longo de 31 anos, o Programa Nacional de Melhoramento Genético do Feijão-Caupi, conduzido pela Embrapa Meio-Norte, vem dando seguidos saltos de inovação tecnológica. O marco da grande produção que levou o Mato Grosso a ser o maior exportador foi a cultivar BRS Guariba, que abriu mercados como os da Índia e de Israel. As cultivares BRS Novaera e BRS Tumucumaque têm conseguido fortalecer o braço exportador brasileiro de feijão.
As cultivares desenvolvidas pela Embrapa com grande performance produtiva, em regime de sequeiro, são: BRS Itaim (produtividade média: 1.500 kg/ha – Cerrado e Amazônia), BRS Guariba (produtividade média: 1.300 kg/ha – Cerrado, Amazônia e Caatinga), BRS Imponente (produtividade média: 1.250 kg/ha – Cerrado e Amazônia), e BRS Tumucumaque (produtividade média: 1.100 kg/ha – Cerrado, Amazônia e Caatinga).
Tecnologia contra a subnutrição
O programa, segundo Rocha, tem conseguido também grandes avanços na qualidade nutricional dos grãos, o que resultou no desenvolvimento de cultivares com altos teores de proteínas, ferro e zinco. As cultivares BRS Aracê, BRS Tumucumaque e BRS Xiquexique, vitrines do Projeto BioFort, têm grande aceitação pelos agricultores familiares do Piauí e Maranhão, estados com históricos de subnutrição. Hoje, pelo menos 6.500 famílias cultivam essas variedades na região meio-norte.
O governo do Maranhão, por meio do Programa Mais Produção, tem priorizado as variedades biofortificadas e alcança hoje 1.280 famílias. Segundo o pesquisador, desde 2017, a adoção da cultivar BRS Aracê vem incrementando a produtividade e a renda dos agricultores, gerando impactos econômicos, sociais e ambientais positivos.
A concentração de esforços da equipe de pesquisadores está hoje avançando na melhoria da qualidade culinária dos grãos, principalmente no tempo de cozimento.
“É importante que os grãos levem menos tempo para ficar no ponto de consumo, porque assim o custo de preparo é menor também”, diz Rocha.
Feijão exportado para 68 países
Em 2018, o Brasil foi mais longe nas exportações de feijão em geral, alcançando 68 países com 162,4 mil toneladas, segundo o Ministério da Economia. O faturamento foi de US$ 91,6 milhões. Os países que mais importaram o nosso feijão foram a Índia, Vietnã, Paquistão, Egito e Venezuela.
Pelo menos 85% dessas exportações são de feijão-caupi e originários de cultivares desenvolvidas pela Embrapa. Segundo ainda dados do mesmo ministério, em 2017 as exportações de feijão feitas pelo Brasil somaram 122,5 mil toneladas, com um faturamento de US$ 80,1 milhões.
Em 2018, a produção de feijão no País quase alcançou a marca de três milhões de toneladas. Segundo o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram produzidas 2,973 milhões de toneladas em uma área colhida de 2,980 milhões de hectares. O Centro-Oeste, Nordeste e Norte continuam sendo as regiões que mais cultivam o feijão-caupi.
Fonte: Embrapa