O microbioma de plantas presentes nos campos rupestres brasileiros, ambientes pobres em nutrientes e disponibilidade de água, pode guardar informações importantes para o desenvolvimento de culturas agrícolas mais tolerantes às mudanças climáticas. Artigo publicado no dia 31 de julho na revista Scientific Data, do grupo Nature, apresenta os primeiros dados do trabalho de sequenciamento genético de microrganismos associados a espécies de plantas da família Velloziaceae, que se desenvolvem naturalmente nos campos rupestres. O papel desses microrganismos identificados pelo estudo ainda é pouco conhecido mas, segundos os cientistas, os novos resultados poderão ajudar a decifrar as estratégias de sobrevivência dessas plantas sob condições extremas e avançar na adaptação desses mecanismos para espécies de interesse agrícola.
Entre os autores do artigo estão pesquisadores da Embrapa e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que atuam junto ao Centro de Pesquisa em Genômica para Mudanças Climáticas (GCCRC), criado em 2017 a partir da parceria entre as duas instituições e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O Centro é uma expansão da Unidade Mista de Pesquisa em Genômica Aplicada às Mudanças Climáticas (UMiP GenClima), uma iniciativa da Embrapa e Unicamp estabelecida cinco anos antes, em 2012, com o objetivo de desenvolver soluções biotecnológicas para a adaptação de culturas agrícolas frente a cenários futuros de altas temperaturas e deficiência hídrica.
“Nos campos rupestres as plantas precisam sobreviver a longos períodos de seca, crescer em solos rasos, rochosos e que ainda estão entre os mais pobres em fósforo do mundo. Isso impõe severas condições limitantes de desenvolvimento às plantas. Com certeza temos muito a aprender com elas”, explica Isabel Gerhardt, pesquisadora da Embrapa Informática Agropecuária, uma das autoras do artigo.
Os campos rupestres brasileiros estão localizados em afloramentos rochosos nas regiões central e leste do Brasil, principalmente ao longo da Cadeia do Espinhaço. Para o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária Ricardo Dante, o potencial científico da biodiversidade presente nesses ambientes ainda é pouco explorado. Apesar de ocuparem menos de 1% da área terrestre brasileira, os campos rupestres brasileiros abrigam mais de cinco mil espécies de plantas, das quais mais de 40% são endêmicas desse ecossistema.
Dante também destaca a abordagem utilizada no estudo, que considerou a análise de todo material genético microbiano disponível no ambiente, conhecida como metagenômica. Ela ajuda a compreender melhor a interação da planta com a comunidade de microrganismos presente e as respostas a situações de seca, calor e escassez de nutrientes.
“Já existem vários estudos sobre a ecologia e ecofisiologia das espécies de campos rupestres, mas sobre as comunidades microbianas e sua relação com a sobrevivência em tais condições estressantes é a primeira vez”, explica Rafael Soares Correa de Souza, pós-doutorando do GCCRC e bolsista da Fapesp.
A pesquisa avaliou os microbiomas das espécies Vellozia epidendroides, que ocupam áreas de solo pouco profundo, e Barbacenia macrantha, que cresce em rochas expostas. Em áreas próximas ao Parque Nacional da Serra do Cipó, em Minas Gerais, foram coletadas amostras de raízes, caules, folhas e solo de seis indivíduos de cada espécie. Após processamento para extração de DNA, o material foi enviado para o Joint Genome Institute (JGI), importante consórcio de laboratórios americanos vinculados ao Departamento de Energia dos Estados Unidos.
Por meio de tecnologias de sequenciamento de última geração, baseadas em plataformas de bioinformática e acesso a grandes bases de dados públicas, foi possível identificar e revelar a quantidade de microrganismos presentes nas amostras. O sequenciamento gerou um total de 192 gigabytes (GB) de dados, que agora ficam armazenados e disponíveis para acesso público no portal do JGI.
“Achamos uma quantidade absurda de fungos totalmente desconhecidos para a ciência”, afirma Antonio Pedro Camargo, doutorando do GCCRC, bolsista Fapesp e primeiro autor do artigo. “No caso de solos pobres em fósforo não há micorrizas, portanto, talvez estejamos diante de uma pista importante de como estas plantas conseguem extrair o fósforo do ambiente”, explica Camargo.
Ricardo Dante destaca a união de esforços e diferentes expertises, a partir da criação da UMiP GenClima, para o alcance de resultados como esse visando a geração de novos ativos biotecnológicos para a produção agrícola sustentável. Desde 2013, a equipe liderada pelo professor do Instituto de Biologia, Paulo Arruda, coordenador do GCCRC, vinha realizando estudos que resultaram no mapeamento completo das comunidades de microrganismos associados à cultura da cana-de-açúcar. Por parte da Embrapa, Dante e Isabel Gerhardt já vêm estudando os genomas de espécies endêmicas dos campos rupestres desde 2016, também numa abordagem multidimensional.
“Esses resultados são valiosos. Agora há um trabalho de longo prazo pela frente para caracterização das funções desempenhadas por esses microrganismos identificados no estudo e seu potencial de contribuição para o avanço da adaptação a estresses de culturas agrícolas de interesse”, completa Dante.
Fonte: Embrapa