Concentrada entre os meses de abril e agosto, a safra de pinhão deste ano no Rio Grande do Sul – iniciada em 15 de abril – terminará dois meses antes devido à redução de até 40% na produção. Se na colheita anterior extraiu-se mil toneladas de sementes das araucárias espalhadas pelas regiões do Estado mais frias, a estimativa otimista da Emater para esta temporada fica entre 600 e 700 toneladas. Dois fatores climáticos influenciaram diretamente na redução: a chuva em excesso na primavera e no verão e as poucas horas de frio no inverno de 2015.
Com rendimento menor, o preço foi às alturas desde o campo – os produtores estão recebendo cerca de R$ 5 pelo quilo – até a mesa do consumidor: na Ceasa em Porto Alegre, o preço varia entre R$ 6,50 e R$ 9, o quilo, enquanto nos supermercados da Capital a mesma quantidade pode ser encontrada a R$ 15. No ano passado, o produtor vendeu o quilo por até R$ 3 e o consumidor comprou por, no máximo, R$ 6.
- É a lei da oferta e da procura. Com a menor produção, o extrativista obrigouse a aumentar o preço para não ter prejuízos. É comum a safra cheia ocorrer a cada quatro anos, por conta da alternância de produção. Mas, desta vez, caiu muito de um ano para o outro. O excesso de chuva em 2015, justamente na florada, e os dois últimos invernos de pouco frio, em 2014 e 2015, afetaram a fecundação e a polinização. Cada pinha leva até dois anos para chegar ao tamanho ideal de colheita – explica a engenheira florestal da Emater Adelaide Kegler Ramos.
Atividade temporária
Considerada pela Emater como uma produção informal no Estado, impedindo a quantificação exata de famílias envolvidas, a extração ocorre nas áreas mais altas do Rio Grande do Sul, em altitudes que variam entre 600 e 1,8 mil metros.
Nos Aparados da Serra, cerca de mil famílias tiram o sustento ou complementam a renda com a atividade. Em Cambará do Sul, as 150 famílias que atuam no setor preveem finalizar a colheita até o início de junho.
É o cálculo do casal produtor de queijo Lauro Pinto, 62 anos, e Maria Helena Nazário, 57 anos, da Linha São Gonçalo. Lauro começou guri na lida e, há mais de quatro décadas, no inverno, atua na extração das sementes para complementar a renda. Acostumados a colher até 10 toneladas de pinhão em anos anteriores, os dois viram a produção em 2016 não atingir os 300 quilos.
- O problema é que a mudança no clima alterou até o crescimento, fazendo com que mais da metade de uma pinha apresente sementes não-formadas, consideradas “falhas”. Uma normal contém até 120 pinhões, mas teve algumas que não consegui tirar 50 – comenta Lauro.
Produto de fora
Na região de Canela, Gramado e Nova Petrópolis, o ciclo terminou em menos de um mês para as cerca de 300 famílias ligadas à Associação dos Extrativistas e Comerciantes de Pinhão de Gramado e Canela (Assecopi). Segundo a presidente da entidade, Rosangela Bernardo da Silva, é necessário buscar pinhão em cidades como Jaquirana e Bom Jesus, nos Aparados, para manter a venda nas 34 bancas associadas.
- Estamos comprando do produtor a R$ 7 para revender pelo dobro aos turistas nas estradas. Mas não há alternativa, já que o produto é uma tradição nesta época do ano e as pessoas continuam comprando. A boa notícia é que, pela quantidade de pinhas já em crescimento nas araucárias, a safra de 2017 será muito maior. Vai melhorar. – acredita Rosangela.
Cultura da extração
Feita de forma artesanal, a colheita depende exclusivamente das mãos e do esforço dos que se aventuram em meio às matas justamente no período mais frio do ano. Famílias inteiras auxiliam no trabalho, que se inicia ainda na observação das pinhas prontas no alto das araucárias. A árvore só começa a produzir a pleno quando atinge a idade de 10 a 12 anos.
- Se quiser colher antes de a pinha cair, é preciso esticar o pescoço e firmar os olhos para cima. Não tem jeito – explica Roberto Pinto, 63 anos, que há mais de 50 anos faz a coleta escalando árvores.
Preocupado em não ferir o tronco das centenárias espalhadas pelos mais de 90 hectares da família, ele usa uma corda amarrada às pernas em formato de oito. É a chamada maneia. Sem nenhuma outra proteção, sobe cinco metros do tronco em menos de um minuto, se amparando nos galhos mais fortes.
Quando chega ao local indicado por quem fica no chão, Roberto estica uma taquara e bate na pinha até ela cair. E mesmo tendo há dois anos deixado de colher como ofício, quando necessário, o agricultor sobe feito um guri nos troncos das araucárias. No chão, ficam a irmã Maribel Pinto, 51 anos, e a sobrinha Lara Maria Pinto, 12 anos, que usam sacos de até 50 quilos para carregar a pinha inteira ou já debulhada.
Ao contrário de Roberto, Lauro Pinto escolheu outra forma de colher. Com o auxílio de três taquaras que, juntas, chegam a medir 20 metros de comprimento, o produtor de queijo é ágil no olhar e na ginga. Bastam dois minutos observando uma araucária de três décadas para identificar as pinhas prontas. No dia em que a reportagem o acompanhou, Lauro retirou em 40 minutos 25 pinhas de uma única araucária. Algumas, chegaram a pesar quatro quilos.
Depois da colheita, a família costuma se reunir aos pés de uma das árvores para fazer uma sapecada de pinhão. Eles recolhem as folhas secas do chão, distribuem os pinhões no meio delas e colocam fogo. Quando a chama se extingue, a semente está pronta para ser saboreada.
- É um serviço puxado e difícil, mas ajuda trabalhar em família. Aqui, a gente respeita a natureza e ela nos respeita. Não troco por nada – garante Lauro.
Familiares de Lauro reúnem-se para a sapecada, distribuem os pinhões sobre folhas e colocam fogo até assarFoto: Mateus Bruxel / Agencia RBS
Produtores querem antecipar a colheita
No Rio Grande do Sul, uma portaria do Ibama de 1976 determina que a colheita, o transporte e a comercialização do pinhão comecem apenas em 15 de abril. O objetivo é possibilitar a plena maturação e a dispersão natural das sementes. Os próprios extrativistas entendem e respeitam que os primeiros pinhões que caem a partir do final de março devem servir de alimento aos animais silvestres.
Mas a engenheira florestal da Emater Adelaide Kegler Ramos afirma que as mudanças climáticas estão antecipando a maturação das pinhas, o que poderia ser útil também para os próprios extrativistas – que iniciariam mais cedo a colheita, se tivessem a liberação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, responsável pelo controle da colheita.
- A maturação e a queda natural estão ocorrendo antes devido às condições climáticas. Em Santa Catarina e no Paraná, a colheita inicia-se em 1º de abril, por conta destas mudanças no tempo – explica Adelaide.
Entre produtores e comerciantes, antecipar a colheita será sinônimo de vendas maiores.
- Sabemos que os animais silvestres são os primeiros a se alimentarem. Toda a cadeia seria ajudada, pois colheríamos um pinhão com mais qualidade. E a renda de quem depende da produção seria reforçada – afirma a presidente da Assecopi.
Apesar da intenção dos extrativistas, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) afirma não ter solicitação formal para revisão deste ato. Conforme a área técnica, havendo justificativa que dê respaldo e atendidos os requisitos legais, a Secretaria poderia reavaliar a situação.
Curiosidades
- As maiores pinhas podem pesar até cinco quilos. Destas, costuma-se aproveitar cerca de 1,5 quilo de pinhão.
– Numa boa safra, cada pinha produz em média até 150 pinhões.
– A araucária tem espécies macho e fêmea, descobertas apenas na fase adulta. A fêmea tem a pinha redonda. A macho tem a pinha comprida e que não produz pinhão. A reprodução é feita a partir do vento.
– O pinhão tem valor nutritivo por apresentar vitaminas A, C e E, e é rico em mineirais, como cálcio e fósforo.
– No Estado, a safra concentra-se no período de abril a junho. Porém, devido à maturação das pinhas se dar em épocas diferentes, é possível colher a semente até meados de setembro das variedades mais tardias, como macaco e cajuva.
– As pinhas prontas para a colheita são as que apresentam coloração verde-amarelada ou marrom. As pinhas verdes – que não podem ser colhidas – apresentam coloração esbranquiçada e contêm umidade.
Fonte: Zero Hora