Quem percorrer as estradas do Norte e do Nordeste gaúcho nos próximos meses vai encontrar uma paisagem diferente no horizonte. A soja, que segue avançando em ritmo acelerado, vem ocupando regiões antes dedicadas ao milho – que deve ter, neste ano, a menor área plantada em 45 anos, início da série história.
A Emater estima recuo de 9,7% em relação a 2014. A projeção se reforça conforme avança o plantio – a antecipação é estratégia cada vez mais adotada, para colher mais cedo e ter tempo para plantar uma safrinha de soja em janeiro. Até quinta-feira passada, segundo a Emater, 32% da área de milho prevista já havia sido semeada. No mesmo período da safra anterior, o índice era de 20%.
O clima adverso, no entanto, como a geada do último fim de semana, tem causado perdas a quem decidiu plantar mais cedo. Um conjunto singular de fatores tem levado agricultores a desistir do plantio do cereal, mesmo sabendo que o cultivo dele é fundamental para a qualidade do solo.
É o caso de Áurio Zanatta, que até o ano passado dedicava até 20% da área de plantio para o milho e, desta vez, optou por investir apenas na soja. Dono de 450 hectares em Selbach, no Noroeste, o produtor reconhece que, tecnicamente, a decisão não é a mais acertada, mas pondera que o cenário econômico não deixa margem para escolha:
– Hoje, a relação de preço entre a saca de soja e a de milho é quase de três para um. A produtividade na minha área é de 70 sacas de soja por hectare. Logo, precisaria colher pelo menos 210 sacas de milho para compensar. E a média que fazia era de 120. Não tem como competir – resume Zanatta.
Cláudio Doro, engenheiro agrônomo da Emater em Passo Fundo, explica que o equilíbrio na relação entre as cotações para deixar o milho atrativo em relação à soja é de, no máximo, 1,8 para 1. Ele explica que, mesmo rendendo mais sacas por hectare, o custo de produção é maior do que para plantar soja:
– O cultivo de milho exige cerca de R$ 2,2 mil por hectare, enquanto o da soja, R$ 1,4 mil – destaca.
Em tempos de insegurança econômica, outra característica da soja ganha valor: a segurança. Afinal, o milho exige muita umidade, o que aumenta o risco, principalmente, a quem não tem irrigação.
– O produtor costuma dar maior relevância ao aspecto financeiro, mas as escolhas têm consequências. A falta de rotação de culturas gera problemas com baixa produção de matéria orgânica no solo e impacta na produtividade da próxima safra de soja – pondera o engenheiro agrônomo da Cotrijal, Robinson Barboza, que cita também os aumentos no custo de produção da indústria como um efeito adverso.
Logo, o plantio de milho tem ficado mais restrito a pequenos produtores e a quem cria aves, suínos ou bovinos – e usa o grão como ração. A Emater prevê que a área destinada à silagem crescerá 2,47% comparada à do ciclo anterior.
– O ideal é que haja políticas públicas para incentivar a produção. Um começo poderia ser a oferta de melhor condições de seguro, pois o produtor precisa de proteção – frisa Cláudio de Jesus, presidente da Associação de Produtores de Milho (Apromilho-RS).
Insistência estratégica de olho na qualidade do solo
Na contramão do movimento realizado por outros produtores, José Brum optou por voltar a plantar milho depois de uma primeira tentativa frustrada anos atrás em Ijuí, no Noroeste. A decisão foi colocar em prática um conselho ouvido há bastante tempo, mas nem sempre colocado em prática: realizar a rotação de cultura para manter a qualidade do solo.
Mesmo com custos mais altos –devido à necessidade de comprar maior quantidade de adubo e ureia – e precisando investir na compra de uma nova caçamba, o agricultor está convicto. Apesar de o recomendável para rotação de cultura ser de pelo menos 30% da área, Brum resolveu semear com milho cerca de 10% dos 330 hectares.
– É importante quebrar o ciclo da soja, pois melhora a quantidade de matéria orgânica no solo – diz Brum, citando uma lição aprendida na faculdade de Agronomia.
Formado recentemente, ele trata de aplicar os ensinamentos aprendidos, mesmo atento aos riscos. Sem pivô de irrigação na propriedade, sabe da importância da umidade para o sucesso do milho. Caso não haja estiagem, espera colher uma média de 150 sacas por hectare. No ano passado, a produtividade da lavoura de soja plantada no mesmo espaço foi de 52 sacas, prejudicada pela ferrugem.
A cautela para investir mais no milho passa, entre outros fatores, pela disponibilidade de um seguro agrícola mais atrativo, o que incentivaria outros agricultores da região a plantar o grão. Acostumado a dedicar um terço dos 250 hectares para a lavoura de milho, Joceli Noronha conta que decidiu não correr riscos neste ano, dedicando o espaço disponível para a soja:
– Alcanço média de cem sacas de milho por hectare. Além disso, o preço está baixo: uma saca de 50 quilos vale pouco mais do que um pacote de erva-mate. Não dá para brigar – reclama o produtor.
Cláudio de Jesus, presidente da Apromilho, defende a mediação dos governos estadual e federal com bancos públicos e privados para garantir juros mais acessíveis para quem trabalha com culturas de risco, como o milho.
Efeito cascata na indústria de carnes
O recuo da área plantada de milho não gera mudanças apenas da porteira para dentro. Mesmo com aumento da produtividade por hectare, a grande redução no tamanho da área destinada à cultura nas lavouras deve levar a uma diminuição da safra no Rio Grande do Sul, o que causará reflexos diretos nas indústrias de aves, frangos e suínos, que têm o cereal como base de alimentação para os animais.
Conforme levantamento divulgado pela Emater no início do mês, a produção estimada para a safra de verão é de 4,4 milhões de toneladas. Como a demanda de milho do Rio Grande do Sul é de cerca de 6 milhões de toneladas, a entidade calcula que mais de 1,5 milhão de toneladas terá de ser importada de outros Estados.
– Também é preciso considerar que muito do milho produzido na região localizada próximo da fronteira entre o Estado e Santa Catarina não fica no Rio Grande do Sul. Vai para outros mercados, como o oeste catarinense – lembra Tarciso Minetto, secretário estadual de Desenvolvimento Rural e Cooperativismo.
O custo do transporte para importar castiga as indústrias, e a saca de milho vinda do Centro-Oeste, por exemplo, chega ao Sul valendo entre R$ 27,50 e R$ 30, dependendo da distância do frete. A despesa logística para trazer o grão de outros Estados – Mato Grosso, Paraná e Mato Grosso do Sul são os principais fornecedores – encarece, consequentemente, os produtos gaúchos processados e que chegam às prateleiras dos consumidores.
De acordo com Rogério Kerber, diretor-executivo do Sindicato das Indústrias Produtos Suínos do Estado (Sips), a importação para o Rio Grande do Sul deixa o custo quase 10% mais caro em comparação com Santa Catarina, por exemplo. Os dois Estados são os maiores produtores de carne de frango do país.
Apesar de o vizinho trazer de fora o milho que consome, a distância deles para o Centro-Oeste é menor, o que reflete no ganho em competitividade pelo menor custo logístico.
– O milho é um insumo básico. Até podemos adicionar sorgo, mas não se pode falar em substituto – lamenta Kerber.
O dólar mais alto também causa interferência. Mesmo com o momento de grande oferta no país – no Centro-Oeste, há estoque diante das colheitas volumosas da safrinha do grão –, a cotação tem crescido. Uma das explicações está no câmbio e no bom momento das exportações do país. A moeda americana ultrapassou a barreira dos R$ 3,80 em setembro, uma alta de mais de 70% no acumulado em 12 meses.
– São preços altos, e muitas indústrias estão encurtando os estoques. Quem tem pouca capacidade de estocagem, entretanto, está tendo de se sujeitar ao mercado – analisa Kerber.
O milho mais caro eleva custos, mas não elimina, necessariamente, as margens da indústria, em especial as que exportam carne de frango e de suínos. As empresas comercializam para o Exteior em uma quantidade mais expressiva, o que também empurra para cima, em contrapartida, os preços dos produtos vendidos no mercado brasileiro.
Ração barata como opção
Com o custo da alimentação de animais subindo, o investimento em milho tem sido uma aposta de pecuaristas, que reservam uma parte da propriedade para plantar o cereal. É a alternativa encontrada para suprir o déficit da produção e escapar das despesas logísticas de trazer sacas de grão de outros Estados. A iniciativa é bem vista por especialistas por também ajudar a recuperar as pastagens degradadas e diversificar a produção.
– É uma prática positiva. Quem já vinha trabalhando com esta integração sai beneficiado, sem dúvida. Aqueles produtores que têm criação de aves e suínos na propriedade deveriam plantar milho sempre – diz Cláudio Doro, da Emater.
Para o engenheiro agrônomo da Cotrijal Robinson Braboza, o importante é o produtor fazer um planejamento e não deixar para tomar decisões só perto do plantio.
– Mesmo quem utiliza o milho cultivado na propriedade como fonte de alimentação animal também pode obter melhores resultados, com custos mais baixos, se estiver preparado – afirma.
Fonte: Zero Hora