Para se chegar ao Assentamento Pastorinha, no município de Brumadinho (MG), é preciso passar por uma estrada cercada por mata dos dois lados. Ao lado, um morro devastado pela exploração de minério.
São 152 hectares de fazenda, dos quais 142 são áreas remanescentes de Mata Atlântica. Os 10 hectares que restam são os responsáveis para manter a renda de 20 famílias assentadas.
A história das pessoas que moram no Pastorinha é parecida. Geralmente eram meeiras na terra de outros. Hoje cada família tem uma área determinada para cultivar, e a aposta deles foi na horticultura.
Maria Maciel, enquanto brócolis, diz como sua vida melhorou ao chegar no assentamento.
- Aqui a gente planta apenas para a gente. O que a gente colhe, é só nosso. Se nós vendemos para o atravessador, o que recebemos é nosso – afirmou.
Boa parte dos trabalhos é feito de forma coletiva. O caminhão lotado de couve tem 150 quilos de vários produtores. A produção irá para o banco de alimentos da Prefeitura de Brumadinho, e os produtores recebem cerca de R$ 450.
Apesar de alguns assentados trabalharem fora, o sustento das famílias vem, basicamente, da terra.
Eli Cândido Lobato compara a horta que ele planta junto com a esposa, Lina, a um jogo de futebol.
- Hoje você ganha muito, amanhã você perde. Tem semana que a gente vende até R$ 1 mil. Mas tem semana que não vendemos nada – disse ele.
O sistema de cultivo no Pastotinha é o agroecológico, sem uso de venenos, e com um cultivo o mais natural possível. Valéria Carneiro, uma das líderes do assentamento, explica que a escolha não foi por opção.
- Foi por necessidade, por falta de dinheiro para começar a produção. Tivemos que começar com técnicas que barateassem a produção. O acesso às sementes híbridas, fertilizantes e agroquímicos são muito caros. Depois a gente viu que era uma coisa boa para a saúde, e continuamos seguindo esse caminho – afirmou.
Segurança Alimentar
Valéria, que é técnica em agropecuária, põe em prática tudo o que aprendeu no curso. Atualmente os agricultores estão criando um banco com diversas sementes, todas de cultivos orgânicos – duas variedades de milho, fava, abóbora-de-porco, agrião, coentro, chuchu-de-vento.
- Todo agricultor familiar tinha suas sementes, ele reproduzia seu próprio milho, feijão. Aos poucos ele foi abandonando isso e trocou pela facilidade de achar as sementes no pacotinho, e com a ilusão de achar que essas sementes do pacote eram menos vulneráveis a pragas. Hoje estamos fazendo um trabalho de resgate porque acredito que só exista segurança alimentar quando você tem sua própria semente -diz Valéria.
Para garantir a segurança alimentar, os agricultores apostam na diversificação. Em um tanque há criação de peixes como tilápia, piau e carpa, por enquanto apenas para consumo das próprias famílias.
Muitas outras soluções criativas são experimentadas no assentamento. Para se limpar uma área onde será feito um novo plantio, os agricultores estão usando uma técnica conhecida como “galinheiro móvel”. Galinhas são colocadas na área e após 15 dias a área está limpa.
Um aviário acaba de ser ampliado com recursos vindos do Programa Nacional de Agricultura Familiar. A produção de ovos já aumentou.
E os próprios moradores aplicam na região o conhecimento adquirido de outras formas. Valdivino Rodrigues Bragança, que veio para o assentamento quando ainda era adolescente, hoje tem 30 anos e é formado em biomedicina.
- Escolhi biomedicina porque era um curso que poderia meu anseio. Nasci no campo e em algumas das áreas como biomédico posso continuar atuando no campo – afirmou.
O trabalho de conclusão de curso de Valdivino foi a construção de uma fossa séptica de alvenaria com três compartimentos pra filtrar os dejetos.
- É um sistema de baixo custo que pode atender grande parte da população rural – disse.
Segundo Valdivino, o sistema que ele criou atende uma casa com até 12 pessoas. Se fosse ser comprado, o custo seria de R$ 3 mil. Na adaptação pensada por ele, o custo cai para R$ 350.
Pastorinhas: Vida melhor para todos
Muitas melhorias, claro, dependem do poder público. Com a Prefeitura de Brumadinho, o assentamento garantiu um recurso precioso: água. Lagoas antigas, antes tomadas por taboas, foram desassoreadas e viraram enormes reservatórios.
Com tantas tecnologias inovadoras e eficientes, o assentamento se tornou uma atração na região, e hoje ele é visto como um projeto-modelo. Vários agricultores já conseguiram construir casas boas, de alvenaria. Ainda não é o caso da Valéria. Ela mora em um antigo chiqueiro, que foi adaptado.
Como uma das líderes do assentamento, ela deixou a construção de sua casa por último. E relembra a época, há 13 anos, quando 120 famílias moravam em uma situação muito mais precária, todos em barracas de lona preta.
- O nome do assentamento é Pastorinhas em homenagem à resistência das mulheres. Além do trabalho no campo, as mulheres ainda precisam fazer o trabalho doméstico. Pastorinhas é uma homenagem às mulheres que conduzem as famílias para uma vida melhor – disse.
Fonte: Globo Rural