O lodo de esgoto, ou biossólido, é uma alternativa econômica, prática e ecológica para o reflorestamento da Mata Atlântica. Foi o que revelou um estudo pioneiro realizado pela Embrapa Agrobiologia (RJ) em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) em plantios de espécies nativas em áreas de restauração florestal. A eficácia dessa prática pode ser comprovada nos viveiros da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro (Cedae), que já produz mais de um milhão de mudas utilizando o material como substrato. “Além de ser um recurso reciclável, o biossólido aumenta a possiblidade de sucesso do reflorestamento porque as plantas crescem mais rapidamente, têm maior taxa de sobrevivência e de crescimento”, revela o pesquisador da Embrapa Guilherme Chaer.
Os resultados da pesquisa indicam viabilidade do uso do biossólido como insumo especialmente em áreas de solos degradados, carentes de matéria orgânica e nutrientes, nos quais a taxa de sobrevivência das espécies costuma ser baixa. De acordo com Chaer, o lodo de esgoto cria condições para que a planta se desenvolva, pois, além de ser rico em matéria orgânica, condiciona o solo, proporcionando maior retenção de água para as plantas.
Mais resistência ao estresse hídrico
Durante 18 meses, foram avaliadas sete espécies florestais e, apesar de apresentar uma taxa de crescimento variável, a maioria respondeu bem ao uso do insumo. No entanto, o que mais chamou atenção dos pesquisadores foi a resistência ao estresse hídrico.
“Várias das espécies adubadas com adubo mineral não resistiram a um período de verânico após o plantio e morreram, enquanto as que receberam o biossólido sobreviveram e cresceram bem”, explica o pesquisador da Embrapa.
No campo, as espécies receberam quantidades diferentes de biossólido na cova de plantio, variando entre 0, 2, 4 ou 8 litros. No fim dos experimentos, os pesquisadores concluíram que as diferentes espécies florestais apresentam respostas distintas à aplicação do lodo de esgoto. O Angico-amarelo (Peltophorum dubium), por exemplo, aumentou 100% sua altura e 30% o diâmetro de copa com o lodo de esgoto, comparado às plantas que não receberam o adubo. A partir desses resultados, os pesquisadores concluíram que as doses devem variar e estabeleceram a quantidade ideal de biossólido para cada espécie (veja quadro abaixo).
Antes de avaliar o potencial do biossólido como adubo para as espécies florestais, os cientistas analisaram os riscos de contaminação do solo e da água com metais pesados.
“Para ser utilizado em procedimentos agrícolas e florestais, o biossólido precisa atender aos padrões estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que, entre outros critérios, estipula o nível tolerado de metais pesados que pode haver no material”, esclarece Chaer.
As simulações realizadas mostraram a inexistência de riscos de contaminação tanto do solo como de águas subterrâneas ou superficiais.
Pesquisa inédita
Apesar dos estudos sobre o potencial do uso do lodo de esgoto na agricultura terem iniciado na década de 1980, há até bem pouco tempo não existiam resultados de pesquisa envolvendo o uso de biossólido na restauração florestal. O estudo pioneiro começou no Instituto de Florestas da UFRRJ.
O que é biossólido ou lodo de esgoto
O biossólido é um material organomineral resultante de procedimento que é feito nas estações de tratamento de esgoto (ETEs), o que gera um produto semelhante ao esterco bovino, rico em macronutrientes. Atualmente, são geradas cerca de 220 mil toneladas de lodo de esgoto nos grandes centros urbanos do Brasil e seu destino final são os aterros sanitários, o que gera custos e desperdiça seu potencial como fertilizante.
O lodo de esgoto utilizado no estudo foi obtido por meio de uma parceria firmada entre a Embrapa, a UFRRJ, a Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro (Cedae) e a Agência da Bacia do Rio Paraíba do Sul (Agevap), que apoiaram pesquisadores e deram suporte laboratorial em algumas etapas das análises.
Segundo Paulo Leles, professor daquela universidade, os primeiros experimentos com espécies nativas da Mata Atlântica foram realizados em 2012. Os resultados foram positivos e espécies arbóreas utilizadas em reflorestamento como a Aroeira-vermelha (Schinus terebinthifoli), Guapuruvu (Schizolobium parahybae) e a Paineira (Ceiba speciosa Ravenna) tiveram progresso acima do esperado. Rico em nutrientes que a planta necessita para seu desenvolvimento, como o nitrogênio e o fósforo, o biossólido é usado uma única vez no plantio ou, no caso de plantios comerciais, uma vez a cada ciclo.
Cedae produz 1,8 milhão de mudas por ano com biossólido
A transformação do lodo de esgoto em substrato para mudas florestais começa ainda na estação de tratamento da Cedae, onde é gerado o resíduo sólido.
“Para ser utilizado no plantio, o material passa pelo processo de solarização e compostagem, para estabilização e higienização, o que ocorre entre 60 e 90 dias”, explica o engenheiro florestal da Companhia Alan Henrique Marques de Abreu. Para garantir a segurança química e biológica, são feitas análises periódicas do material.
A estratégia de reciclar o lodo de esgoto transformando-o em substrato para mudas começou há cerca de oito anos na Companhia.
“Atualmente a Cedae recicla 100% do lodo de esgoto produzido na estação de tratamento da Ilha do Governador, definida como modelo”, esclarece Abreu.
Todo biossólido é utilizado no plantio de mudas florestais nativas da Mata Atlântica destinadas a restauração florestal e arborização urbana. Por ano, são produzidas 1,8 milhão de mudas de 204 espécies.
Fonte: Embrapa