Uma equipa de cientistas no Japão, China e EUA usou uma amostra de uma pessoa infectada com o vírus da gripe A (H7N9) para estudar uma estirpe altamente patogénica deste vírus. As experiências em laboratório, com tecidos humanos in vitro e com modelos animais, revelaram que esta estirpe está adquirir mutações que a tornam mais resistente aos fármacos. Os investigadores fizeram testes com furões (mamíferos considerados o melhor modelo da doença nos humanos) e concluíram ainda, num artigo publicado esta quinta-feira na revista Cell Host & Microbe, que o H7N9 é transmissível entre estes animais e letal.
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Desta vez, não parece ser apenas mais um dos muitos vírus da gripe das aves. Mais um com números no meio das letras H e N – as iniciais de duas proteínas, H de hemaglutinina e N de neuraminidase, importantes para a detecção da infecção – e que já nos confundem com as múltiplas versões que podem ou não infectar humanos. O H7N9 surgiu com uma estratégia diferente desde o início. Silencioso, não provocava qualquer sintoma nas aves. Mas depressa se percebeu que os humanos podiam ser infectados e que esta estirpe atacava de forma inédita, afectando todo o tracto respiratório.
Algum tempo depois, as aves começaram a manifestar sintomas e a morrer. Algumas pessoas infectadas também. O mais recente relatório da Organização Mundial da Saúde sobre a H7N9 tem a data de 27 de Setembro deste ano e refere um total de 1564 casos de infecção na China confirmados laboratorialmente, que resultaram em 612 mortes (cerca de 40% das pessoas infectadas). Para já, não há casos confirmados de transmissão de pessoa para pessoa, mas apenas de aves para humanos. As autoridades de saúde dizem estar atentas e, nos laboratórios, os cientistas tentam conhecer este potencial inimigo para o dominar.
No início de 2017, a equipa liderada por Yoshihiro Kawaoka, da Escola de Medicina Veterinária da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), recebeu uma amostra do vírus isolado de um doente que morreu com H7N9 na China e que tinha sido tratado com o fármaco tradicionalmente usado para estas infecções (Tamiflu). Uma análise genética foi suficiente para perceber que o vírus que tinha infectado este homem estava num processo de mudança. A amostra continha uma população de H7N9 que era sensível ao Tamiflu e outra que era resistente ao fármaco. E que foi considerada uma versão altamente patogénica.
Era preciso caracterizar o vírus e testá-lo. E, pela primeira vez, foi identificada uma versão do H7N9 que não só se transmite entre os animais mas que também é letal, causando a morte dos animais que foram infectados nas experiências.
- É o primeiro caso de um vírus da gripe das aves altamente patogénico que se transmite entre furões e os mata – avisa Yoshihiro Kawaoka num comunicado de imprensa sobre o estudo. Sublinha-se o óbvio: – Isto não é bom para a saúde pública. -
Os vírus são organismos “inteligentes”, capazes de se adaptar ao hospedeiro, ganhar força e esquivar-se às armas químicas que usamos para os combater. Podem mudar em pormenores que não alteram muito a sua agressividade mas também podem sofrer mutações significativas que permitem que alcancem novos alvos (novos hospedeiros) e que os tornam mais virulentos. Por vezes, tornam-se resistentes aos fármacos.
Alerta, sem alarme
Não é fácil perceber o perigo que se esconde atrás de um vírus que seja especialmente eficaz em afectar o tracto respiratório (como o H7N9 é), que seja transmissível através de um contacto simples com pequenas gotículas da nossa respiração e que, ainda por cima, seja resistente aos fármacos disponíveis no mercado.
- Não quero ser alarmista, mas é apenas uma questão de tempo até que este vírus resistente adquira uma mutação que permita que se desenvolva bem, tornando-o mais apto para que seja letal ao mesmo tempo que é resistente – diz o investigador citado no comunicado de imprensa.
A transmissibilidade e virulência são os dois principais ingredientes para uma pandemia. “Até agora, a transmissão entre humanos do H7N9 ou do H5N1 [outro dos vírus da gripe das aves que também causa doença em humanos] não foi provada de forma sustentada. No entanto, a adaptação destes vírus aviários aos humanos pode resultar em formas transmissíveis com capacidade pandémica.”
Para já, isso será apenas o pior dos cenários. Yoshihiro Kawaoka é o primeiro a admitir que ainda não é possível saber quais as mutações que poderão dar esta força indestrutível a este vírus. Elas ainda não estarão lá. O que os cientistas encontraram foi uma amostra que continha duas populações diferentes e que indicam que o vírus está a mudar. Ou a tentar mudar.
Nas experiências, uma versão pouco patogénica do H7N9 que já tinha sido estudada antes foi comparada com a altamente patogénica (a amostra que receberam do doente da China) e foram também estudadas isoladamente as duas variantes encontradas na amostra que “misturavam” uma população de vírus sensível ao Tamiflu e outra com a mutação que a tornava resistente ao fármaco.
Depois, viram como cada uma destas populações se desenvolvia (in vitro) em células respiratórias humanas. Os vários batalhões de vírus mostraram que eram eficientes a conquistar “o terreno”, mas percebeu-se que a estirpe resistente era, por sinal, a menos eficaz. Os vírus foram testados em vários modelos animais, desde ratinhos a furões, passando por macacos, verificando-se que todos eram capazes de infectar e causar doença, com diferentes graus de gravidade.
Para testar se eram transmissíveis entre mamíferos, os cientistas colocaram pares de furões (um infectado e outro saudável) em jaulas separadas mas suficientemente próximas para permitir a curta viagem de pequenas gotículas. Resultado: os animais saudáveis foram infectados, independentemente da versão do vírus usada. Os dois furões infectados com a versão que actualmente circula na China morreram, bem como os animais que foram infectados por eles, refere ainda o comunicado sobre o estudo.
- Sem qualquer mutação, o vírus transmitiu-se e matou os furões – nota o investigador, sublinhando que, apesar de não existirem provas da transmissão entre humanos do H7N9, não parece ser necessário que o vírus sofra mais mutações para ser encarado como uma ameaça à saúde pública.
Os cientistas confirmaram que a versão resistente ao Tamiflu não respondia a este fármaco mas que reagia a um outro medicamento anti-retroviral, mas que apenas está aprovado no Japão para uso em caso de pandemia.
É preciso fazer mais estudos e conseguir atacar o vírus antes que ele consiga adaptar-se aos humanos com um resultado fatal. Ou seja, os cientistas têm de ser mais rápidos do que o vírus que está a conquistar terreno muito rapidamente. Yoshihiro Kawaoka acredita que o vírus vai continuar a mudar à medida que infecta os humanos, num processo de constantes adaptações que só o tornará mais forte e, por isso, mais patogénico e mais apto a transmitir-se de pessoa para pessoa. Enquanto esperamos que isso não aconteça, o vírus acabou por evoluir para uma situação em que provoca sintomas nos animais. Assim, pelo menos, é mais fácil detectar o perigo e tomar medidas de prevenção.
Fonte: Publico.pt