Reconhecer as exigências de mercado e reavaliar os sistemas de produção da pecuária são condutas fundamentais para alcançar resultados cada vez melhores. A modernização do setor veio para aprimorar técnicas e explorar o potencial produtivo que as bovinoculturas de corte e leite têm no Brasil e, em especial, no Paraná. A partir desta disciplina de planejamento que a pecuária paranaense se tornou uma das mais significativas do país, principalmente no quesito qualidade.
Atualmente, o melhoramento genético figura como uma estratégia indispensável para tornar o rebanho mais eficiente em larga escala. O investimento nesta tecnologia permite otimizar a cadeia produtiva, conseguindo resultados com bases sustentáveis e garantia de bem-estar animal. Com a diversidade de raças, é possível aproveitar seus atributos por meio da seleção e/ou do cruzamento genético, melhorando características específicas dos animais, como rusticidade, desempenho, adaptação ao clima, resistência aos parasitas, taxas de crescimento, habilidade materna, eficiência reprodutiva, entre outros.
A inseminação artificial foi a primeira biotecnologia reprodutiva empregada no Brasil para realizar o melhoramento genético do rebanho e, desde então, vem trazendo avanços consideráveis. Segundo dados da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (ASBIA), 11,7% das matrizes de corte e 6,2% das matrizes de leite foram inseminadas artificialmente em 2017.
Apesar dos baixos números se comparado com países como Estados Unidos e França, cujos índices de inseminação artificial atingem quase a totalidade dos rebanhos, a pecuária brasileira se destaca de maneira surpreendente. O país é dono do maior rebanho bovino comercial do mundo, ocupando o quarto lugar no ranking de produção de leite e o segundo em carne bovina. Os resultados obtidos em meio a esse cenário apontam que aprimorar a genética do rebanho é um caminho com promessas de sucesso.
O Paraná é prova de que a inseminação artificial faz diferença. O rebanho estadual possui o maior percentual de matrizes de corte inseminadas artificialmente, com 21,7%, e segundo maior em matrizes de leite, com 12,8%. O melhoramento genético, aliado a novas técnicas de manejo e nutrição, fez com que a produtividade do Estado na pecuária de leite, em um período de duas décadas, saltasse 111% (produção anual de litros por vaca) e 170% na pecuária de corte (produção de arroba por hectare).
Pecuária de corte: determinar objetivos antes de buscar os resultados
A pecuarista Maria Lucia Cunha Nascimento, de Ipiranga, na região Sudeste, investe em melhoramento genético há mais de 30 anos, utilizando técnicas de inseminação artificial e transferência de embriões para a venda de reprodutores. Criadora das raças Brahman e Charolês, seu plantel se destaca por excelentes características voltadas para a pecuária de corte e aprimoradas pela seleção genética. “As duas raças possuem ótima conversão alimentar e transmitem a seus filhos mais ganho de peso, consequentemente muito mais carne. Ambas são espetaculares no cruzamento entre si e com outras raças, já comprovadamente em campo e em confinamento”, explica Maria Lucia.
Em sua propriedade, a Fazenda Olho D’Água, são 60 hectares destinados à criação de 80 animais reprodutores, em que a cabeça é vendida por R$ 8 mil. Todos os animais passam por uma avaliação genômica e são catalogados em um ranking de acordo com diversos critérios, que pode ser acompanhado em um software. Isso permite o encurtamento de prazos, pois determina o que pode ser esperado dos filhos de um determinado reprodutor, as chamadas Diferenças Esperadas na Progênie (DEPs).
“Com uma genética especializada, você tem um número menor de bovinos, que fazem o mesmo que um rebanho maior sem melhoramento. Isso aumenta a capacidade de criação, rentabilidade e competitividade”, observa a pecuarista. “Um touro reprodutor bom cria qualidade, pois cerca de 60% dos resultados são influenciados pela genética do reprodutor. O pecuarista de corte que quiser ter mais rendimento de gado de ótima qualidade tem que investir em ótimos reprodutores”, complementa.
No entanto, para que o melhoramento genético seja eficaz, uma série de elementos é levada em consideração nessa conta, como clima, nutrição, manejo e adaptação da raça ao meio, por exemplo. Isso significa que a genética é um importante aliado do aumento da produtividade, mas que requer uma conjuntura dos fatores para resultar em uma pecuária moderna e eficiente.
Segundo o responsável pelo Programa de Melhoramento Genético de Zebuínos (PMGZ) da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) do Escritório Técnico Regional (ETR) de Londrina, Endre Flaiban, é fundamental determinar os objetivos antes de buscar os resultados. “O produtor precisa entender sua situação atual e saber o que quer atingir. Quais as características dos animais, do ambiente em que estão inseridos e as condições”, elenca.
Na pecuária de corte, além de características como ganho de peso e espessura de gordura, que influenciam na qualidade da carne, a precocidade e a longevidade produtiva se destacam ao garantir a melhoria em desempenho de todo o rebanho.
Ainda, o responsável pelo PMGZ esclarece que não são todos os produtores que precisam investir diretamente nessa tecnologia, caso não haja recurso e domínio necessários. “Existem muitos pecuaristas que são fornecedores de genética de ponta e ofertam animais excelentes. Então, se o produtor desejar, pode investir nesses animais, que já têm toda a tecnologia e vão trazer bons resultados”, assinala.
De acordo com Guilherme Souza Dias, zootecnista do Sistema FAEP/SENAR-PR, na pecuária de cria, o principal desafio é que a matriz produza um bezerro por ano. “A idade ao primeiro parto também é determinante, pois quanto antes a novilha se tornar matriz, mais cedo o pecuarista terá produto para a comercialização”, ressalta Dias.
A precocidade aumenta a eficiência reprodutiva e ainda traz, como consequência, outras características de valor econômico significativo, como a longevidade, mais conhecida como stayability, que é a capacidade do animal se manter no rebanho.
O Programa Pecuária Moderna, iniciativa do Sistema FAEP/SENAR-PR em conjunto com o governo do Estado e outras entidades do setor, mantém parceria com um laboratório de biotecnologia. O objetivo é fornecer genética de qualidade aos pecuaristas associados e alavancar o melhoramento do rebanho paranaense.
Pecuária de leite: animal saudável com boa produção e longevidade
No município de Chopinzinho, no Sudoeste paranaense, o produtor Rafael Vilmar Matte Carlin faz o melhoramento genético do rebanho há cerca de 25 anos, utilizando técnicas de Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF) com sêmen sexado (permite a escolha do sexo da cria antes do processo) e acasalamento direcionado para aumentar a produção de animais geneticamente superiores.
Para o pecuarista, que ocupa o cargo de gerente da Fazenda Armin e é responsável pela criação de gado de leite na propriedade, a prioridade é um animal saudável com boa produção e longevidade. “Meu objetivo é imprimir características de saúde e reprodução que, por consequência, aumentam a chance de a vaca ser uma boa produtora de leite com uma quantidade significativa e por mais tempo”, explica. O pecuarista também investe na seleção de vacas que produzam leite com maior quantidade de elementos sólidos, principalmente proteína e gordura, pois o mercado para o qual vende paga mais por esse produto.
Com a evolução da tecnologia, Carlin buscou a implantação de outras técnicas no rebanho. Há cerca de 10 anos, é realizada a transferência de embriões e, há três, o mapa genético dos animais por meio da avaliação genômica. No entanto, devido ao alto custo de investimento, a transferência de embriões acontece em apenas 15% dos melhores animais, cujo ranking é definido pela avaliação genômica.
“É uma tecnologia de alto custo, com resultados de médio a longo prazos. Isso precisa estar bem claro para o produtor. Então, no caso da genômica, por exemplo, eu consigo saber quais são os índices dos animais lá no início, mas os resultados aparecem só agora”, aponta o pecuarista, que também reforça a importância de o produtor de leite investir em melhoramento genético. “O mercado passou por muitas mudanças e competimos com o mundo inteiro por eficiência. Como eu faço isso? Tenho que melhorar os meus animais. Tenho que fazer a transformação de comida em leite ser mais eficiente. Mas também preciso dar boas condições de manejo, saúde, reprodução e ambiente para que essa vaca responda e eu consiga otimizar o meu custo”, complementa.
O plantel da Fazenda Armin é formado por 160 animais da raça holandesa. Atualmente, 70 vacas estão em lactação, com produção em torno de 2,1 mil litros de leite por dia. Em média, cada vaca produz 13 mil litros de leite por lactação e chegam a atingir quatro lactações. Em 2018, o leite produzido pelo rebanho foi avaliado com dados de 4,14% de gordura e 3,43% de proteína. “São números expressivos para a raça holandesa, que não tem um perfil para alta produção de sólidos”, ressalta o pecuarista.
Para atingir esse perfil de produção e qualidade, o melhoramento genético caminha lado a lado com boas práticas de manejo e nutrição. Na fazenda, são realizadas apenas duas ordenhas diárias para facilitar a mão de obra e causar menos deslocamento do rebanho. A dieta é leve, com baixa quantidade de grãos para diminuir os riscos de problemas metabólicos.
A Associação Paranaense dos Criadores de Bovinos da Raça Holandesa (APCBRH) realiza serviços de melhoramento genético aos associados, com registros de animais e avaliações genética clássica e genômica. Segundo o superintendente Altair Antonio Valloto, existem rebanhos que, em média, entre os animais superiores, uma vaca produz 10 mil litros em uma lactação que dura 305 dias, enquanto as geneticamente inferiores produzem 6 mil litros. “É uma diferença de até 40%, muito significativo. É um efeito direto no bolso do produtor”, afirma.
Essas avaliações auxiliam o pecuarista a definir suas estratégias de melhoramento genético com base em seus objetivos. “Ele pode seguir vários caminhos, de acordo com seus critérios de preferência. Pode selecionar os animais e fazer transferência de embriões, pode buscar touros superiores para inseminar vacas inferiores por meio de acasalamento direcionado, ou até mesmo cruzá-las com raças especializadas de corte”, explica o superintendente da APCBRH, que também é instrutor do SENAR-PR no curso de inseminação artificial.
Valloto reforça que melhorar geneticamente um rebanho vai muito além do desempenho produtivo. Todas as condições dos animais precisam ser analisadas. “Essas informações são passadas para o produtor nos cursos do SENAR-PR e nas assistências técnicas disponibilizadas na Associação. Também oferecemos suporte aos produtores que fizeram os cursos e podem fazer o programa completo de melhoramento genético”, conclui.
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Fonte: Sistema FAEP