O Brasil é o maior exportador de frango do mundo, e continua inovando tanto na tecnologia quanto no jeito de trabalhar. No Paraná, surgiu um novo modelo criação, um condomínio de granjas. É um negócio enorme e já pode ser chamado de “frango 4.0″.
As cenas parecem de um núcleo residencial: famílias curtem um som em frente de casa, crianças brincam pelo gramado, um animado pula-pula. Mas tudo isso acontece dentro de um conjunto de granjas.
O condomínio fica no Norte do estado, na confluência dos municípios de Mandaguari, Jandaia do Sul e Apucarana, região alcançada pela mais recente onda de tecnologia de ponta em avicultura.
A modernização da produção da criação de frango se deu pela produção em escala. Hoje, já tem barracão capaz de abrigar até 50 mil aves. Mas em Jandaia do Sul, o que se faz é a escala em escala. O usual é ter barracões espalhados, isolados em cada propriedade.
O condomínio tem um só CNPJ, mas os donos de cada unidade são diferentes. Vilmar Sebold é o idealizador e um dos nove donos do parque, único na avicultura nacional. Ele conta que foi difícil convencer os sócios, mas que a pregação valeu a pena.
Formado em economia, Vilmar tem um princípio: “a necessidade é a mãe de todas as forças”.
No caso, a necessidade era abastecer um grande frigorífico, pilar de um projeto de intercooperação entre a Aurora, que é uma cooperativa de cooperativas, e a Cocari, a cooperativa local que se comprometeu a garantir a produção de 170 mil frangos por dia – e o condomínio veio para turbinar essa oferta.
Os primeiros parceiros do projeto são Marcelo Henrique da Silva e Maria Aparecida Sebastião da Penha. Os dois moravam na cidade e tinha profissões impensáveis para quem hoje cria frango: ela cuidava de uma idosa, e ele, era DJ e animador de festa. Ambos dizem que não se arrependem da troca.
O casal chegou ao condomínio em 2013. Até então, a única experiência que Maria Aparecida tinha com frango era na panela, conta.
“Não exigimos nenhum nível de formação. Exigimos que tenha responsabilidade, ética e capacidade de relacionamento”, diz Vilmar.
Maria e Marcelo têm duas filhas: Daniela, de 11 anos, e Maria Vitória, de 9.
“Na cidade a gente vivia com salário mínimo, pagava aluguel, água, luz e ficava mais difícil”, conta Maria.
Eles fazem parte de uma comunidade de parceiros diversa. Adirceu Moreira, marido de Regina, era pedreiro. Roseli e Adenilson de Souza, são ex-sitiantes. Socialmente, todos foram uma espécie de agrovila.
“Se eles não conseguem se relacionar, não vão conseguir conviver. E a gente tem regras claras e rígidas. Se houver agressão física, mesmo entre o casal, o casal está fora”, afirma Vilmar.
O condomínio oferece a moradia, incluindo água, luz e manutenção, além de um intensivo treinamento. E o casal entra com o serviço.
As atividades do casal que toma conta de um aviário são muitas. Maria levanta às 5h30 para aprontar as filhas para ir para a escola e já vai para o aviário. Quando chega perto do horário de almoço, ela vai para casa e Marcelo cuida das aves.
As tarefas variam conforme a idade do lote. A fase pintinho exige muito, porque eles podem morrer de frio. É preciso manter viva a fornalha da caldeira para conseguir a temperatura ideal na pinteira, entre 33 e 34 graus. Há ainda aulas de orientação técnica.
2,8 quilos em 6 meses
Marcelo leva amostras para a balança diariamente para ver se os animais estão se desenvolvendo dentro do planejado. No escritório, Maria anota as informações de tudo que é observado para passar para o abatedouro.
Não é possível monitorar cada frango e muita coisa escapa aos olhos do casal. Por isso, os galpões contam um sistema de alarme. Se ele toca (porque a temperatura subiu, por exemplo), o parceiro que estiver mais próximo, corre para a sala de comando.
Lá, um potente computador analisa as informações do criatório em tempo real. Como um corpo inteiro sendo rastreado por eletrogramas, cardiograma, encefalograma, o galpão de frango tem centenas de sensores que mandam sinais eletrônicos de tudo o que acontece lá dentro.
É um aparato inteligente para liberar, por exemplo, água e comida, ou mexer na temperatura.
A ave crescida demanda um ambiente de 22, 23 graus, um desafio para o clima tropical do país. Vilmar diz que só foi possível chegar a esse ambiente adequado graças a um detalhe: a escuridão, ou quase.
“As aves têm uma sensibilidade muito grande no olho, que é 100 vezes mais sensível do que o olho humano”, explica.
A lâmpada incandescente comum era inconveniente, trazia muita luz, excesso de calor. A de led, com dimmer regulando a intensidade, ajudava a criar o semiescuro ideal. Mas ela pifava com facilidade com a umidade do resfriamento e faltava o produto certo.
Os investidores então foram à China e fizeram uma parceria para desenvolver essa lâmpada “blindada”, que não estraga com a umidade. Ela custa 10 vezes mais, mas virou referência para criar o ambiente que permite a ocupação recorde, de 13 frangos por metro quadrado, em baixo estresse, segundo o veterinário Andreo Eckel.
“Você só consegue colocar esse número de aves por metro quadrado porque você tem uma boa ambiência. Porque senão essas aves vão sofrer por estresse calórico e vão acabar morrendo, ou tendo um baixíssimo desempenho.”
Impactos da criação em escala
O setor do frango suscita aplausos ao transformar soja e milho em uma importante proteína animal mais barata. Porém, é alvo também de críticas, principalmente daqueles que advogam um novo tipo de relacionamento entre o homem e animal.
O frango é a principal proteína consumida pelo brasileiro. São 45 quilos por pessoa por ano. Considerando essa base, o condomínio de granjas abastece anualmente cerca de 500 mil pessoas. E isso tem impactos diversos.
“A gente vive uma cadeia. Porque aqui a gente não cria frango, a gente cria alimento”, diz a parceira Maria Aparecida da Penha.
A cada lote são cerca de oitocentas carcaças destinadas imediatamente destinadas à
compostagem para que não haja resíduo contaminante.
“Quanto maior a densidade dentro de um aviário e quanto maior o número de aviários, o risco com certeza vai ser maior”, explica o veterinário Jacquiel Banpi.
Ele esclarece que, embora o volume impressione, o índice de mortalidade do condomínio está bem abaixo da média nacional: entre 2% e 2,5%. “Um parceiro nosso ganha, líquido, o equivalente a um aviário de 12 mil frangos”, diz Vilmar Sebold, idealizador e um dos nove donos do condomínio.
Como sócios cujo investimento é mão de obra, Maria e seu marido, Marcelo da Silva, têm retorno quando se dedicam ao negócio. A Aurora dá a ave, a ração, a assistência. O dono do aviário, as instalações, a casa, a manutenção. A cooperativa Cocari, o suporte técnico-administrativo. Pelos serviços, o casal recebe uma porcentagem da engorda, emitindo a própria nota fiscal. O ganho fica em torno de R$ 5 mil por mês – mais ou menos o dobro do que ganhavam na cidade.
“Ele (o parceiro) recebe como produtor e ele participa da cooperativa, é um associado. No fim do ano, se a cooperativa deu resultado e vai distribuir sobras, na proporção dos frangos que ele entregou, ele vai ter a participação no resultado”, explica Vilmar.
Investimento alto, lucro por vir
Curiosamente, o ganho social, por enquanto, é o único lucro palpável para os investidores do condomínio. É um grupo de nove pessoas que aportaram perto de R$ 30 milhões. Gente do ramo, a fazendeira Helenita Salas, e principiantes, como o advogado José Marcos Carrasco.
O grupo hipotecou o patrimônio particular para financiar o projeto e, até 2024, tudo o que tiram do negócio é para pagar o banco.
O empreendimento é montado sobre desafios, e ainda está cercado deles. Uma das críticas é quanto ao impacto da atividade para o meio ambiente, inclusive as pessoas. Só desse condomínio, saem 7 milhões de frango por ano.
“A gente tem consciência de que quando a gente aglomera muitos aviários próximos, a gente aumenta o risco”, diz o veterinário Jacquiel Banpi.
Por isso, os protocolos de segurança geral, que em granjas isoladas já são rigorosos, foram redobrados. Desde o rodolúvio para desinfetar veículos que possam transmitir doenças até a vassoura de fogo para queimar penas e descontaminar o remonte de palha que serve de cama para os frangos.
Regularmente, a palha é trocada. Uma empresa terceirizada que trabalha com um composto orgânico retirou do local 500 caminhões de esterco no último ano. As carcaças das aves que morrem também vão para a compostagem, ou produção de farinha de osso.
A saída de frangos prontos para o abate e a entrada de novos lotes é feita de trás para frente, criteriosamente programada para que pintinhos não passem perto de aves mais velhas. As instalações estão protegidas por quebra-vento e toda a água é tratada tanto na entrada quanto na saída dos aviários.
Além disso, a poluição provocada pelos dejetos das aves que sempre fizeram dos galpões um lugar repulsivo pelo cheiro fétido de amônia e microrganismos de decomposição também foi amenizada.
Os aviários são de pressão negativa, equipados com exaustores que puxam o ar. Eles ficam equipados no fundo do barracão e a sucção é calibrada de acordo com a idade das aves. O ar entra por placas que ficam nas laterais e percorre todo o espaço a uma velocidade constante, fazendo uma espécie de varrição que tira a sujeira do ambiente e a expele para uma área onde não há casas nem movimentação humana ou de animais.
“Isso faz com que o ar fique limpe o tempo inteiro, não tem aquela questão de gases que nós tínhamos”, diz Vilmar. O túnel de vento cria zona de conforto para as aves. “Evita de se arranhar, levar dermatoses ou outras lesões de carcaça e também tem um ganho de desempenho”, explica o veterinário Andreo Eckel.
Vilmar, sócio gestor do condomínio, se iniciou na lida de frango ainda na adolescência com a então namorada, e há 38 anos esposa Maacje Boot. Ela morava numa colônia holandesa e aviário da família ficava no fundo do quintal. O casal diz que nunca pensou em realizar tamanho empreendimento. Embora ainda tenham dívidas por mais 5 anos, se dizem gratificados.
Em fevereiro deste ano, faltou energia no condomínio. E justo nos galpões da família do Adirceu Moreira, o gerador pifou. Morreram 65 mil frangos. Foi um baque.
Os donos do empreendimento assumiram o prejuízo para o Adirceu não ficar sem receber e estão processando a companhia de luz. Mas a lembrança do episódio foi a pronta ajuda que todos deram.
“Desde a hora que acabou a energia já vim para cá, porque uma mão lava a outra, um ajuda o outro”, diz a produtora rural Elisângela Rossi. “Considero eles como a minha família. Sei que posso contar com eles num momento difícil. Então a gente tem que ser assim, um pelo outro”.
Fonte: G1