Dessa vez, eles é que são os craques e nós, brasileiros, apenas oferecemos acesso às nossas lavouras, que hoje estão na “Champions League” da agricultura mundial. Mas o objetivo é o mesmo: alcançar sucesso e bater recordes nos campos – ainda que a conversa agora seja sobre campos de trigo no Brasil e não os celebrados gramados futebolísticos da Europa, onde a parceria Neymar-PSG atrai todas as atenções.
Foi falando descontraidamente sobre futebol que os paranaenses do Grupo Guerra e os franceses da RAGT anunciaram em Pato Branco, no Sudoeste do Paraná, uma joint-venture na área de pesquisa agrícola que dará ao Brasil acesso ao banco de germoplasma da empresa número 1 em sementes de trigo na Europa. Como comparação, basta dizer que a produtividade na França pode chegar a 12 ou até 14 toneladas de trigo por hectare enquanto, no Brasil, a média está em torno de 3 toneladas por hectare. Claro, descontando que na Europa a planta tem ciclo quase anual, enquanto aqui o grão é cultura de inverno, plantada e colhida em quatro a cinco meses.
Os novos parceiros franceses são especialistas em trigo. A RAGT, que existe há quase cem anos, fatura 350 milhões de euros por ano e domina o mercado de sementes de trigo na França e em toda a Europa, com centros de pesquisa em 17 países. Também lidera em triticale e é 2º lugar em cevada. No milho, onde a concorrência é com players mundiais do porte da Monsanto, DuPont e Syngenta, a RAGT ostenta o quarto lugar na França e o quinto na Europa. Do lado de cá, o centenário Grupo Guerra fatura R$ 330 milhões por ano atuando no agronegócio do Brasil e Paraguai, na produção de sementes e processamento de alimentos, e mantém investimentos também na área de comunicação e imóveis.
Revolucionar o mercado
O presidente do grupo brasileiro, Luiz Fernando Guerra, destacou que a RAGT chega num momento em que o Brasil aumenta a área agrícola a um ritmo de 5% ao ano, restando ainda dezenas de milhões de hectares de terras degradadas por pastagens a serem incorporadas:
- Podemos revolucionar o mercado de sementes no Brasil. O mundo está globalizado e não dá para ficar parado. Quanto vale uma pesquisa? Os franceses vão trazer valores, expertise e know-how impossíveis de calcular. -
Além de utilizar o banco de germoplasma europeu para desenvolver sementes adaptadas ao clima do Sul do país – mais parecido com o do Velho Continente – os franceses vão testar variedades no clima tropical do Centro-Oeste brasileiro. Um dos centros de pesquisa ficará justamente em Goiás e, o outro, em Pato Branco.
- Queremos, claro, oferecer produtos de ponta para o Sul do Brasil, mas estamos com os olhos no Cerrado. Há anos já temos uma pesquisa muito forte por lá e agora estamos integrando com a plataforma dos europeus. Acredito que é possível produzir trigo com os melhores quesitos para uma farinha de alta qualidade – afirma Ricardo Guerra, diretor-executivo do grupo brasileiro.
É a segunda vez que a família Guerra se alia a franceses para ganhar poder de fogo no disputado mercado de sementes. Até 2014 os pato-branquenses eram sócios da Limagrain – arquirrival da RAGT – que decidiu seguir sozinha no desbravamento do mercado brasileiro. Mas os Guerra gostaram da internacionalização e, até por necessidade, decidiram prospectar um novo parceiro.
- Tínhamos que dar esse passo. Se não fizéssemos esta parceria com uma empresa europeia de alta tecnologia, as nossas pesquisas estariam fadadas a demorar muito mais, com risco de perder mercado – assegura Luiz Fernando Guerra.
O presidente-executivo do grupo francês, Claude Tabel, disse que a RAGT chega com variedades prontas para serem lançadas imediatamente no mercado brasileiro, após bons resultados na Argentina, onde a empresa se instalou há cinco anos.
- Existe um grande gap entre o que se produz e o que é possível conseguir no Brasil. Nosso objetivo é trazer esses genes superiores. Não digo que vamos chegar a 12 ou 13 toneladas por hectare, como na França, mas é possível incrementar bastante. Todo o foco do melhoramento genético está em aumentar a produtividade, sem estender o ciclo – apontou Tabel. E por que um sócio brasileiro? – Viemos de um continente com diferentes condições de solo e clima. Precisávamos de um parceiro que conhecesse os produtores e a agricultura brasileira. -
Investimento calculado
O fato de ambas as empresas serem de porte médio no agronegócio internacional não desanima os investidores franceses.
- Empresas médias têm melhores resultados e lucros do que os grandes grupos. E alcançamos desempenho melhor em tempos difíceis, porque calculamos bem os investimentos, sabemos ser frugais, somos pouco endividados e não cedemos aos apelos da moda – diz Daniel Segonds, outro alto executivo do grupo francês que veio a Pato Branco. – No Brasil vocês têm dezenas de milhões de hectares para ainda serem explorados pela agricultura. Na França só temos, no total, 18 milhões de hectares, então somos obrigados a nos internacionalizar – completa Segonds.
Neste ano o Brasil registrou uma das menores áreas cultivadas com trigo da história recente, com apenas 1,83 milhão de hectares. E quem plantou teve problemas climáticos, colheu produto sem qualidade e preço baixo. Para recuperar área plantada, e ganhar de volta a confiança dos produtores, o setor defende políticas agrícolas de apoio – como preço mínimo, seguro agrícola e custeio da safra – somadas, claro, a avanços tecnológicos.
- A produção de trigo tem de ser vista como em outros países, como uma questão de segurança nacional. Quando muito, produzimos apenas metade das 12 milhões de toneladas que consumimos, e com baixa qualidade. Estamos muito atrasados na genética do trigo. Crescemos em produção por hectare na soja, no milho e em outras culturas. No trigo não estamos crescendo na mesma velocidade, temos que encontrar o caminho para isso – afirma Ricardo Guerra.
A joint-venture franco-brasileira começará com investimento de 10 milhões de euros na construção dos centros de pesquisa. Os franceses chegaram falando em fazer uma cooperação ao estilo Neymar e Paris Saint-Germain, que colocou o clube francês em outro patamar no cenário internacional.
- Na Europa, vamos ganhar a Champions League. Aqui esperamos ter o mesmo sucesso – destacou Daniel Segonds.
Foi apenas uma metáfora, mas, quem sabe, está aí a deixa para os Guerra, torcedores coxas-brancas fanáticos, tentarem emplacar um novo patrocínio francês na camisa do clube. Com o sócio francês anterior eles conseguiram: a Limagrain-Guerra estampou o nome na camisa do Coritiba em 2011.
Fonte: Gazeta do Povo