A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) apresentou, no Encontro Nacional do Agro, no início de agosto, em Brasília, a versão preliminar do documento “O que esperamos dos próximos governantes”. O material reúne contribuições aos próximos ocupantes das cadeiras nos poderes Executivo e Legislativo.
A FAEP, assim como as demais federações da agricultura do país, vai colaborar com sugestões, de acordo com as demandas dos produtores rurais paranaenses. O documento é dividido em Segurança alimentar, Desenvolvimento econômico, Desenvolvimento social e Desenvolvimento sustentável. A seguir, confira uma entrevista com Bruno Lucchi, diretor técnico da CNA, sobre as principais propostas do material.
Esse documento é historicamente preparado pela CNA. Dessa vez, além das propostas, o material também sinaliza para a construção de uma relação harmoniosa entre os poderes. O que levou a esse redirecionamento?
Quando o país não tem um bom desenvolvimento econômico, por mais que o agro vá bem, isso reflete no setor. Hoje, temos apenas seis cadeias em que a maior parte da produção é exportada do que a verificada no mercado nacional. O principal mercado do agro brasileiro é o Brasil. Se não tivermos a economia girando bem, a população empregada e com um bom poder aquisitivo, o setor vai ter problemas. Precisamos ter um país melhor para que o agro possa ir bem. Outro ponto é a questão da harmonia entre os poderes. Se não tivermos um parlamento que consiga trabalhar com o Executivo e o Judiciário, apenas um poder não vai conseguir implementar o que o país precisa para se desenvolver.
Segurança alimentar é um dos eixos do documento. O Brasil se destaca mundialmente por sua expertise na produção de alimentos. No entanto, a segurança alimentar ainda não foi atingida, como aponta o próprio material. Quais são os principais gargalos atualmente?
Segurança alimentar é algo estratégico para qualquer nação, ainda mais em momentos de guerra e pandemia. Para garantir segurança alimentar, independentemente do que
aconteça no futuro, algumas ações têm que ser trabalhadas agora. Temos dois pilares: disponibilidade de alimentos no país para atender a população e acesso aos alimentos pela população. No âmbito da produção, elencamos uma série de questões ligadas à tecnologia e recursos para pesquisas como uma necessidade de política de Estado. O setor agropecuário cresceu com base no desenvolvimento científico e precisa ter condições para continuar avançando e dando soluções. Do outro lado, como desenvolver a economia e melhorar a renda da população. Disponibilidade de alimentos nós temos. Agora, o Brasil realmente carece de políticas para melhorar o acesso.
Em relação à logística, a dimensão territorial do Brasil impõe desafios. Como reduzir custos?
Temos um custo alto porque mais de 60% do transporte do agro são via rodovias, muitas em condições ruins, além do custo do combustível e outros que oneram a cadeia. Por isso, a nossa prioridade é a integração dos modais rodoviário, ferroviário e hidroviário. Recentemente, foi aprovada a BR do Mar, lei que favorece a navegação entre portos. Antes, era mais caro transportar um produto do Sul para o Nordeste do que de qualquer lugar do Brasil para a China. Conseguimos revisar a legislação e melhorar algumas amarras que não tinham fundamentação prática. Também listamos obras que o setor precisa priorizar, principalmente ligadas ao Arco Norte, onde a produção tem crescido sem uma logística adequada. Tudo isso sem deixar de citar as regiões consolidadas, como o Sudeste e Sul, que têm a melhorar em questão de duplicação de rodovias, pedágios e portos.
O documento aborda mecanismos para abrir mercados e ampliar as exportações. Quais seriam esses mecanismos?
O primeiro trata a promoção do acesso ao mercado internacional e acordos comerciais. O Brasil exporta muitos produtos pagando tarifas. Por exemplo, o café brasileiro in natura não paga, mas, se for processado, tem incidência de tarifa de 40% a 50%. Isso dificulta até em agregar valor nos produtos do agro brasileiro. Acordos comerciais visam justamente reduzir tarifas ou criar cotas de exportação com alíquota zero. O setor quer mais isonomia do mercado internacional para competir de igual para igual com outros países. O segundo eixo é fortalecer a imagem e defesa dos interesses do setor, muitas vezes malvisto por exceções. Temos propostas que mostram como trabalhar campanhas unificadas entre órgãos públicos e privados; atuar de forma proativa em fóruns bilaterais
e multilaterais, em que se discutem barreiras sanitárias e fitossanitárias; usar mais a OMC [Organização Mundial do Comércio]. E, por fim, a promoção comercial, participando de feiras e projetos, criando uma frente robusta para promover os alimentos produzidos no Brasil.
Quais são as principais propostas para se garantir as reformas política, administrativa e tributária citadas no documento e quais as implicâncias para o produtor rural?
A reforma tributária impacta diretamente o produtor rural, pois sente no bolso qualquer mudança. As outras, ele sofre indiretamente. São reformas para que o setor seja mais competitivo e com segurança jurídica. A reforma tributária é algo que o setor quer, mas, com simplificação e não ampliação da carga. Há uma tentativa de deslocar a carga tributária de alguns segmentos da economia para outros. Mas, antes de uma reforma tributária, o desafio é fazer com que o Estado trabalhe de forma eficiente e com menos burocracia. E, anterior a reforma administrativa, deve ser trabalhada a reforma política.
No aspecto da segurança pública, quais as principais dificuldades do setor rural?
O produtor fica muito exposto na propriedade, pois é uma região distante dos grandes centros e com pouca movimentação. Há necessidade de maior patrulhamento rural, delegacias rurais, uma polícia treinada para atuar nesse meio, com a região mapeada com imagens de drones, com comunicação entre os produtores e cadastro dos empregados. Em regiões onde essas ações já vêm sendo implementadas, a criminalidade tem reduzido. É preciso que seja implantada uma política nacional para
garantir a segurança para produzir.
O desenvolvimento sustentável está no documento. Quais são os principais desafios para o Brasil alcançar a sustentabilidade na agropecuária?
O agronegócio brasileiro é sustentável. Hoje temos equilíbrio entre produção de alimentos e preservação ambiental. Nós desenvolvemos as tecnologias ABC Agricultura de Baixo Carbono], Plantio Direto, Integração Lavoura Pecuária Floresta, fixação biológica de nitrogênio, bioinsumos, enfim, não faltam bons exemplos. Quando citam os desmatamentos, é preciso analisar se são casos em áreas privadas, pois grande parte ocorre em áreas que não são responsabilidade do produtor rural, como os garimpos e madeireiras ilegais. Isso não é produção agropecuária. Tem que haver um descolamento
da imagem do setor desse tipo de ação. Temos problemas e realmente temos que aplicar a lei. Ninguém quer dar guarida a produtor que não cumpre a lei. Agora, o principal é que o governo faça o seu trabalho. Em relação ao Novo Código Florestal, que é uma das leis mais modernas e rígidas, o produtor fez o CAR [Cadastro Ambiental Rural], mas nós temos menos de 3% validado. Sem isso, o produtor que, inclusive, teria passivos
para recuperar e demonstrou interesse em fazer, não consegue. O principal é avançar com essa análise do CAR. Além disso, o documento aborda outras questões ligadas ao licenciamento ambiental que estão no Congresso até hoje e que não conseguimos avançar. Tem a própria Ação Direta de Inconstitucionalidade que reconhece a aplicação do Código Florestal em áreas de Mata Atlântica. Esse é um problema no Paraná e em outros 15 Estados, onde querem colocar a Mata Atlântica acima do Código Florestal. São vários pontos de insegurança jurídica que impedem o produtor de avançar nessa agenda e que tratamos no documento.
O agronegócio brasileiro possui potencial para ampliação do uso de fontes de energia renovável. Essa, inclusive, é uma das principais bandeiras do Sistema FAEP/SENAR-PR atualmente. O que ainda é preciso fazer para que esse potencial seja plenamente aproveitado?
Um dos pontos é manter as políticas do RenovaBio [Política Nacional de Biocombustíveis], que começou com a cana-de-açúcar e agora tem outros produtos. Não regredir na questão do biodiesel e criar regulamentação para o uso de biometano. O próprio etanol de milho tem crescido e é preciso fortalecer essa cadeia produtiva. Existe uma série de ações do ponto de vista regulatório que o governo pode fomentar. As energias oriundas do agro são limpas e podem melhorar a matriz energética brasileira. O que queremos é cabeça aberta para que enxerguem isso como um potencial a ser ampliado e difundido.
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Fonte: Sistema FAEP