O Estado brasileiro modernizou-se de modo considerável nas últimas décadas e produz hoje miríades de estatísticas que servem ao controle, interno ou público, de sua eficiência. Ou deveriam servir.
Quase diariamente surgem notícias sobre desvios e falcatruas, mas poucos se debruçam sobre elas, menos ainda para tomar providências. O mais recente exemplo brotou na burocracia da reforma agrária, reprovada em auditoria do Tribunal de Contas da União.
O TCU identificou 479 mil beneficiários da reforma agrária com indícios de irregularidade. O órgão auxiliar do Congresso Nacional determinou então a paralisação imediata do programa.
O dado representa quase um terço do total de assentados no cadastro do Incra. Tamanho desvio não surge do nada, só se constrói, anos a fio, com a omissão ou a conivência de servidores do instituto, uma repartição federal à qual nunca faltaram escândalos de corrupção.
A malha do TCU apanhou de tudo: 248,9 mil assentados com local de moradia diferente do lote concedido; 23,2 mil contemplados antes pela reforma agrária; 144,6 mil funcionários públicos; 61,9 mil empresários; 37,9 mil pessoas mortas…
Até 1.017 políticos titulares de mandato eletivo aparecem na lista, entre eles 1 senador, 4 prefeitos, 69 vice-prefeitos, 96 deputados estaduais e 847 vereadores. Não será surpresa se um deles for o titular de um lote no Pará que possui um Porsche Cayenne GTS, carro que pode custar mais de R$ 500 mil.
Nenhuma dessas condições é compatível, por lei, com a de assentado. Lotes de reforma agrária não podem ser dados a quem tenha renda não agrícola superior a três salários mínimos mensais.
Bastou ao TCU cotejar os nomes do cadastro de beneficiários com outros bancos de dados governamentais para obter essa radiografia preliminar do descalabro. Por certo ainda será preciso depurar possíveis equívocos na relação, mas ela dificilmente encolherá muito.
Menos mal que o TCU tenha mandado paralisar o que já estava congelado. Em 2015 e 2016, o governo Dilma Rousseff (PT) não desapropriou nenhum imóvel para assentamentos e ostenta o menor desempenho na área desde 1995.
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, disse no Congresso que o Incra coopera com o TCU e firmou convênio para corrigir distorções. Seria bom que explicasse por que esperou o tribunal cruzar seus dados com informações do próprio governo para diagnosticar tumor tão evidente.
Editorial publicado no jornal Folha de São Paulo de 08/04/2016
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Fonte: Sistema FAEP