Desde a sua criação pela indústria até o seu uso na lavoura,
um novo produto agroquímico passa por um longo caminho, no qual será submetido
a diversos tipos de testes e avaliações, para verificar sua eficácia, e,
principalmente, sua segurança em campo. Esse processo envolve diferentes
instituições que atuam como filtros, para que estes produtos sejam analisados
em todas as suas dimensões, de modo a garantir que cheguem até o produtor rural
com toda informação consolidada sobre seu uso correto e seguro.
Trata-se de uma jornada longa e onerosa, da qual participam
órgãos federais e estaduais e que não termina após o registro do produto junto
ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), uma vez que os
cuidados com a recomendação agronômica e a fiscalização do seu correto uso
continuam nas propriedades rurais.
Os primeiros passos deste trabalho acontecem nas empresas.
De acordo com o gerente de inovação e sustentabilidade da Associação Nacional
de Defesa Vegetal (Andef), Fábio Kagi, os alvos para o desenvolvimento de novos
produtos agroquímicos por parte da indústria são as pragas (insetos, fungos e
plantas daninhas) com potencial de dano econômico às grandes culturas vegetais.
A etapa inicial do processo de criação de um novo produto é a pesquisa. Nesta
fase, é feita uma “triagem” entre as moléculas já existentes, descartando
aquelas que não têm eficácia sobre aquele alvo e as que trazem risco ao meio
ambiente e à saúde humana.
“De cerca de 160 mil moléculas analisadas, algo entre 200 e
300 moléculas são levadas para a próxima fase, o desenvolvimento dos produtos”,
afirma Kagi. “Essa fase inicial demora cerca de dois anos e custa mais de 100
milhões de dólares”, completa.
Para este processo, há mais de 10 anos as indústrias
utilizam modelos computacionais para “criar” novas moléculas em laboratório.
“Esse processo da computação, inteligência artificial, é muito parecido com o
computador Deep Blue [máquina da IBM que venceu o campeão mundial de xadrez,
Garry Kasparov, em 1996]. Ele vai tentar achar todas as combinações matemáticas
possíveis”, explica o gerente de inovação e sustentabilidade da Andef.
A etapa seguinte envolve a pesquisa de novas moléculas. Os
novos experimentos são levados a campo para estudos de segurança, para avaliar
se esses produtos realmente funcionam, se têm riscos ambiental e toxicológico.
Segundo Kagi, esse processo leva, em média, oito anos e custa 146 milhões de
dólares.
Desta forma, 10 anos depois e com custo aproximado de 250
milhões de dólares, um novo produto é submetido ao processo de registro pela
avaliação de três órgãos do governo federal: Mapa, Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
Avaliação
Cada um desses órgãos realiza um determinado tipo de
avaliação do produto, de modo independente. Cabe ao Mapa a responsabilidade de
avaliar a eficiência e o potencial de uso na agricultura, por meio de um dossiê
agronômico. Ao Ibama, a realização de um dossiê ambiental no qual são avaliados
os riscos para o meio ambiente. Já a Anvisa realiza o dossiê toxicológico que
avalia toxidade e os efeitos nos seres humanos e em quais condições o seu uso é
seguro.
De acordo com o coordenador de agrotóxicos e afins do Mapa,
Carlos Venâncio, cada um dos órgãos federais envolvidos no processo de registro
de novos agroquímicos tem seu próprio sistema de avaliação e, portanto, “filas”
para análise de tamanhos diferentes. “Qualquer órgão pode estabelecer a
restrição que entender adequada. Um caso que ocorreu recentemente foi um
produto que se mostrou seguro para seres humanos, mas com impacto sobre
polinizadores. Então, o Ibama teve um trabalho para redefinir a dose máxima”,
exemplifica.
Segundo Venâncio, atualmente existem 29 novos produtos na fila
aguardando registro. “A avaliação mais complexa é a de saúde. Destes 29, o
Ibama já aprovou metade, mas a Anvisa ainda está em processo de análise”,
aponta.
Análise regional
Encerrada a fase federal do processo de registro, os novos
produtos são submetidos a um novo crivo técnico, desta vez por parte das
autoridades estaduais. No Paraná, a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná
(Adapar) é o órgão responsável por esta etapa.
De acordo com Renato Blood, coordenador de cadastro de
agrotóxicos da Adapar, esse processo leva entre 20 e 30 dias, tempo necessário
para uma nova conferência dos estudos e documentos apresentados na fase federal
do registro. “Parece que é um retrabalho, mas não é. Encontramos vários erros.
É muito comum corrigir informações de bula”, afirma. “É mais um filtro para que
o produtor tenha acesso as informações corretas para ter um produto com
eficácia e segurança”, complementa.
Outro filtro neste processo para compra e uso desses
produtos é a recomendação técnica por profissionais habilitados pelo Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (Crea-PR), por meio do receituário
agronômico, que traz as informações sobre o uso correto dos agroquímicos.
“A importância da recomendação técnica está diretamente
ligada à eficácia do produto recomendado”, pontua o engenheiro agrônomo
Gilberto Guarido, da consultoria Agronômica. Segundo ele, antes de aplicar é
preciso levar em conta fatores como o custo benefício, os limites de tolerância
da planta ao agente, o manejo integrado, entre outros fatores.
“Desta análise criteriosa resulta a decisão sobre a real
necessidade do uso e a escolha do melhor produto para a situação que está
ocorrendo na lavoura a ser protegida. Neste momento é indispensável a
recomendação técnica e a aplicação do conhecimento agronômico,
independentemente de qualquer vínculo com vendas”, explica Guarido.
Uma vez adquirido o produto, é preciso obedecer a uma série
de recomendações na propriedade, como utilização do Equipamento de Proteção
Individual (EPI), o armazenamento dos produtos em local adequado e a posterior
destinação correta das embalagens vazias. O Sistema FAEP/SENAR-PR realiza
divulgação e orientações sobre aquisição e uso de agroquímico e, por meio dos
cursos do SENAR-PR, o produtor aprende na prática a correta aplicação destes
produtos.
O uso dos agroquímicos também está passível de fiscalização
dentro da propriedade. De acordo com o gerente de sanidade vegetal da Adapar,
Marcílio Martins Araújo, anteriormente a estratégia da agência estadual era fiscalizar
o comércio, e a partir da identificação de um problema, ir até a propriedade.
“Agora invertemos. Vamos até a propriedade para ver se aquela cultura existe,
se a praga e o receituário foram expedidos adequadamente”, afirma.
Esse trabalho é reforçado pelo Sistema de Monitoramento,
Comércio e Uso de Agrotóxicos no Estado do Paraná (Siagro), plataforma digital
que deve ser alimentada semanalmente com as informações dos produtos
agroquímicos recomendados pelos engenheiros agrônomos do Paraná.
Segundo Araújo, a partir do dia 9 de setembro deste ano, o
receituário agronômico também terá que informar a localização geográfica da
aplicação. “Antes era só o endereço, agora com o cruzamento das informações com
o CAR [Cadastro Ambiental Rural], é possível ver exatamente a propriedade onde
está sendo aplicado o produto”, adianta.
Outra prática que assegurar o uso dos produtos agroquímicos é a análise de resíduos em amostras de alimentos recém colhidos, com enfoque nas frutas e hortaliças. “Acompanhamos a época de colheita de cada cultura para colher as amostras, para ter uma representação mais fidedigna da produção paranaense”, explica Araújo.
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A notícia Do laboratório à lavoura: como são os testes e o controle de agroquímicos apareceu pela primeira vez em Sistema FAEP.
Fonte: Sistema FAEP