Quando um produtor de soja do norte de Mato Grosso é questionado sobre a produtividade irregular registrada nesta safra –que pode variar enormemente entre uma lavoura e outra a poucas centenas de metros de distância– é comum ouvir a resposta: é porque um agricultor rezou mais e o outro rezou menos.
Buscar explicações no além é uma das alternativas para entender o comportamento do clima e das plantações em uma temporada que está desafiando consultorias, entidades e produtores que buscam fazer previsões de produção.
Muitas vezes o mercado baseia-se nessas projeções de produção, e as incertezas têm ajudado a alimentar volatilidade nos preços nas últimas semanas.
- Estou há 38 anos aqui. Nunca vi clima igual. Já vi perder soja com chuva, mas nunca com sol – resumiu o agricultor Sesino Enzweiler, de Sinop, no norte de Mato Grosso.
De fato, Mato Grosso é um Estado pródigo em chuvas no período da safra de verão. Mas a distribuição irregular das precipitações em novembro e dezembro, em decorrência do fenômeno climático El Niño, deixou algumas áreas sem uma gota d’ água por 20, 30 ou até 40 dias, enquanto o vizinho registrava chuvas praticamente dentro da média.
Enzweiler disse que plantou suas lavouras com a expectativa de colher 70 sacas de 60 kg por hectare. Agora, já projeta produtividade de 55 sacas. Mas nem de longe suas perdas são as piores da região.
Sorriso, o maior município produtor de soja do país, ao sul de Sinop, realiza esta semana um levantamento dos prejuízos junto aos produtores. O objetivo da prefeitura é decretar situação de emergência até sexta-feira.
O produtor Ildo Damiani é um dos que esperam se apoiar neste decreto de emergência para renegociar contratos de venda antecipada firmados com tradings.
- Não vou ter grão suficiente para entregar. Ainda não sei o que vai acontecer, mas talvez eu tenha que pagar uma diferença financeira na hora da liquidação do contrato – relatou o agricultor, que estimou perdas quase totais em 60 por cento de suas lavouras.
Mas não é preciso andar muito –coisa de alguns quilômetros– para encontrar, também em Sorriso, fazendas que tiveram precipitações em bom volume.
- A gente está colhendo resultado – comemorou o produtor e engenheiro agrônomo Juliano Ferla, que projeta obter produtividade média superior à da safra passada, em parte por causa de chuvas adequadas e em parte devido ao investimento em tecnologia de plantio.
Diferenças
As acentuadas diferenças de produtividade em muitas regiões de Mato Grosso contribuem para as divergências existentes nas estimativas da safra brasileira de soja, já que Estado responde por 30 por cento da produção nacional.
Uma pesquisa da Reuters feita no início do mês com 17 entidades mostrou estimativas variando de 97,8 milhões a 104 milhões de toneladas para a safra do Brasil em 2015/16.
- Sempre que tem desuniformidade (na produtividade), complica bastante. Tudo depende da granularidade da amostragem – disse o sócio-analista da consultoria Agroconsult Marcos Rubin. – Numa visão mais macro, a situação (da safra brasileira) não é tão ruim… o que tem de diferente esse ano é que os problemas ocorreram em Mato Grosso – completou.
Rubin e outros técnicos da Agroconsult vão percorrer o norte de Mato Grosso e outras regiões do país a partir do final de janeiro na expedição técnica Rally da Safra, para validar estimativas de produção.
Como estratégia para enfrentar a irregularidade das lavouras do Estado, Rubin não descarta aumentar a quantidade de amostras coletadas no campo.
Na semana passada, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) reduziu sua previsão para a colheita de Mato Grosso nesta temporada em quase 800 mil toneladas em relação ao relatório de dezembro, para 28,28 milhões de toneladas, citando perdas de produtividade.
Já o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), ligado aos produtores rurais, que já chegou a projetar a colheita do Estado em 28,37 milhões de toneladas este ano, prevê agora uma safra de 27,82 milhões de toneladas.
A queda, de quase 1 por cento ante 2014/15 projetada pelo Imea, deverá ser a primeira no Estado em uma década.
Contudo, o exemplo do agricultor Jean Agostini, de Ipiranga do Norte, indica que uma avaliação precisa sobre a safra mato-grossense deve ser viável somente quando todo o trabalho de colheita estiver encerrado.
Na temporada passada, Agostini colheu 62 sacas por hectare. Agora, nas primeiras lavouras de 2015/16, a avaliação visual feita por ele indicava produtividade de 40 sacas, mas quando as máquinas entraram em campo, o resultado foi de 19 sacas por hectare.
- Aqui em Mato Grosso nunca teve problema climático. Mas esse mito caiu – disse o agricultor, decepcionado.
Fonte: Reuters