Conectividade, aprimoramento contínuo das leis do agro, representatividade institucional e acesso livre a capitais para investimento. Estes são alguns dos pontos considerados essenciais por alguns analistas para que o agro brasileiro possa se tornar, no futuro, um líder mundial em segurança alimentar.
O tema foi debatido esta semana no seminário online “As perguntas do agro pós-pandemia”, realizado pela Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EESP) e coordenado pelo acadêmico e ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.
Na abertura do encontro, Rodrigues afirmou que, devido à pandemia de Covid-19, a segurança alimentar se tornou um assunto de extrema importância.
“Como consequência, a agricultura também ganhou mais respeitabilidade e não parou de produzir. Por sua vez, os governos estão passando a ter mais consideração pelo setor por sua capacidade de abastecimento, e isso favorece a adoção políticas públicas”, disse.
No entanto, quais serão os desafios e oportunidades posteriores à pandemia, diante de um cenário de incertezas?
Competência e capacidade
Alexandre Mendonça de Barros, sócio-diretor da MB Agro, lembrou que, mesmo em meio à crise, o Brasil continua a bater recorde de exportação.
“Nós construímos ao longo de décadas um sistema que garante segurança alimentar para o próprio país e para o mercado externo. O País tem competência e capacidade de garantir segurança alimentar, em níveis recordes, e seremos recompensados por isso”.
Para Barros, o Brasil é um parceiro confiável para qualquer país. No entanto, segundo ele, é preciso ter uma política externa de bons relacionamentos.
“Nos últimos tempos tem havido um ‘ruído’ nesta política que causa desconfiança. Precisamos passar tranquilidade para o mercado externo, mas temos de construir essa retórica para dar segurança a quem vai depender da produção brasileira”.
Ao chamar a atenção para “os conflitos desnecessários” na política externa, o diretor da MB Agro reconheceu que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem conseguido reverter esses contratempos, especialmente em relação aos chineses.
Player confiável
André Pessoa, sócio-diretor da Agroconsult, observou que o agro brasileiro, diante da crise, revelou sua essencialidade e seu potencial de abastecimento, fato que posiciona o País como a solução ou o complemento de segurança alimentar para outras nações.
“Temos agora a oportunidade de jogar com o Primeiro Mundo, com países que são muito mais exigentes, e de nos colocar como um player confiável, relevante e estratégico. Mas temos ainda vários desafios como nas áreas diplomática e sanitária, por exemplo”, assinalou Pessoa.
Padrão sanitário
Em termos sanitários, Barros afirmou que “é preciso mudar a forma de controle no setor, com maior interação entre os poderes público e privado, para garantir a sanidade de maneira mais ágil”.
Além disso, complementou, “temos de proteger nossas fronteiras, pois os animais doentes não podem entrar no País e provocar contaminação. Precisamos também de nos aparelhar da melhor forma, e sermos mais exigentes na fiscalização”.
Tecnologia e indústria
A competitividade brasileira em meio à crise foi outro tema abordado no encontro virtual.
“Temos uma dimensão muito grande em várias cadeias do agro. Nossa competitividade foi construída com inovação e tecnologia, que se traduz em produtividade. Além disso, temos uma taxa de câmbio favorável (com a desvalorização do real) e juros mais baixos, que nos garante uma posição extraordinária de competição no mercado externo”, assinalou Pessoa.
Ao analisar o contexto pós-crise, o diretor da MB Abro chamou a atenção para a possibilidade de retomada da indústria de máquinas agrícolas e de uma possível reindustrialização de insumos.
“Temos uma indústria de tratores que pode ser uma das maiores do mundo, pois exportamos máquinas, e poderemos desenvolver a indústria de agroquímicos. Tudo isso também nos dá competitividade”, ressaltou Barros.
Agro digital
Além disso, a digitalização do agro ganha cada vez mais destaque neste momento de crise.
“Está havendo uma explosão de compras online no Brasil, favorecendo a conexão da fazenda com o consumidor final. Com isso, deverá haver uma mudança muito significativa no sistema de distribuição de alimentos e uma multiplicação de possibilidades ligadas à produção”, acrescentou o analista da MB Agro.
“Estamos no caminho de aumentar a eficiência no uso da tecnologia na produtividade, e vamos passar por revoluções adicionais como a digitalização, o agro 4.0, a agricultura de precisão, a conectividade nas fazendas, entre outras, que irão aumentar as ferramentas de gestão e favorecer um salto tecnológico nos próximos anos”, destacou o diretor da Agroconsult, que também falou sobre as perspectivas na área de crédito.
Pessoa apontou desafios relacionados ao custo de capital e à forma como o dinheiro irá fluir para financiar investimentos e operações. “A exigência de capital de giro e fluxo de caixa vai ser muito grande. Ao mesmo tempo, o Ministério da Agricultura vem trabalhando para aumentar os investimentos do capital privado no setor agrícola”.
Recuperação judicial
O executivo disse ainda que a atual avalanche de pedidos de recuperação judicial está relacionada a uma fragilização da legislação do setor.
“Infelizmente ainda não conseguimos resolver isso na MP do Agro, pois estamos pendentes de uma nova lei que deixe claro quais são as formas de acesso de um produtor rural pessoa física – sem sobressaltos para quem está financiando – aos instrumentos que possam promover sua recuperação diante de uma crise”.
Pessoa afirmou que “a qualquer momento é possível se candidatar a uma recuperação judicial, inclusive colocando como garantia nesse processo a CPR (Cédula de Produto Rural), e isso fragiliza muito a análise de risco de crédito pelos agentes privados”.
Com isso, reconhece o executivo, “criamos uma insegurança num momento em que é muito importante manter esses canais de comunicação dos capitais privados funcionando adequadamente, porque são eles que vão permitir a venda antecipada, funcionando como antídoto para as incertezas”.
Representatividade
Por fim, Pessoa criticou a atual a representatividade das entidades do agro.
“Nossas instituições precisam dar um salto de qualidade, modernidade e eficiência, com responsabilidade, para que não haja um desequilíbrio em relação aos desafios que teremos pela frente”.
Os participantes do webinar também destacaram como desafios do agro a maior abertura no comércio e melhorias na área de infraestrutura.
Paz
Ao final do encontro, o ex-ministro Roberto Rodrigues enfatizou o reconhecimento das Nações Unidas (ONU) em relação ao fato de que “só haverá paz no mundo quando houver alimento para todos”, e que o Brasil poderá ser o campeão da segurança alimentar e da paz, “desde que possamos fazer as reformas necessárias e comunicar isso à sociedade, trabalhando juntos num só objetivo”.
Fonte: FGV