O produtor brasileiro de soja deve ter um custo a mais equivalente a R$ 100 por hectare apenas com a elevação das despesas com financiamentos, em função das novas condições de crédito rural estabelecidas no Plano de Safra para a próxima temporada. A avaliação é do sócio-diretor da Agroconsult, André Pêssoa, que participa em São Paulo do Seminário Perspectivas para ao Agribusiness 2015/2016, promovido pela BM&FBovespa e o Ministério da Agricultura.
Pessôa demonstrou certo ceticismo em relação ao pacote de medidas anunciado no início deste mês pelo governo federal. Foram anunciados R$ 198,7 bilhões para a agricultura empresarial, um volume 20% maior que o da safra atual, que termina em junho. Em compensação, as taxas de juros ficarão mais caras para o produtor.
Segundo o consultor, o aumento do crédito, em si, é positivo, considerando as restrições de recursos que outras áreas estão enfrentando. Mas, com o custo de crédito maior, fica a dúvida sobre como deve ser a aplicação de recursos. Ele acredita que deve haver demanda por recursos a juros controlados pelo governo. No entanto, o crédito a recurso livre deve ficar bem mais caro, podendo chegar a taxas de até 17% ao ano.
Bancos seletivos
- Como a balança pesou, subindo mais o recurso livre do que o controlado, e imaginar que vai haver uma demanda por hectare maior, o quanto ele vai pagar de juros no final da safra vai ser próximo de R$ 100 por hectare de soja – avaliou.
Além de mais caro, o crédito deve ficar mais seletivo, com os bancos mais exigentes na oferta de financiamentos.
- Bancos com maior capilaridade, que têm rede sobretudo nas regiões de médio e pequeno produtores, não vão ter problema. Bancos médios que participam do financiamento da agricultura, esses estão recolhendo um pouco, estão com menos apetite – afirma ele.
A preocupação com o risco de crédito pode até interferir em outros tipos de operação de financiamento no campo. Caso do barter, que envolve a troca de produto agrícola por insumo, por meio de uma operação triangular, envolvendo produtor, trading e fornecedor. De acordo com André Pessôa, a demanda por transações desse tipo está maior, mas não há segurança em concretizá-las.
- Uma saída contra essa situação seria aumentar o uso de recursos próprios e isso vai aumentar, certamente – avisa.
Áreas marginais
O reflexo dessa situação pode ter até uma possível redução de área de soja no Brasil na próxima safra, o que ocorreria pela primeira vez em dez anos.
- No sul, o produtor pode optar por plantar um pouco mais de soja e menos de milho verão. Mas em Mato Grosso do Sul, parte de Goiás, Mato Grosso e Mapitoba (confluência entre os estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia) é onde a soja prepondera. O produtor pode semear em áreas que ele sabe que tem maior produtividade e outras pode deixar em pousio – diz ele.
Uma situação que não comprometeria o rendimento, porque as áreas que deixariam de ser semeadas com a oleaginosa seriam marginais, isto é, menos produtivas.
A rentabilidade do sojicultor deve ser muito menor na próxima safra, avalia Pessôa, principalmente em função dos baixos preços da soja no mercado internacional. De acordo com o consultor, no norte de Mato Grosso, por exemplo, deve ficar, em média em R$ 200 por hectare considerando uma cotação de US$ 9 por bushel, uma taxa de câmbio em torno de R$ 3,10 por dólar e custo de produção, em média 15% maior.
- Eu não considero arrendamento nem despesas com estruturas comerciais, por que isso muda, dependendo do lugar. Mas se considerar os custos totais de produção, a margem tende ao negativo na próxima safra, o câmbio é a única saída para garantir alguma margem para o sojicultor – disse ele.
Milho
André Pessôa acredita que pode haver também nova redução de área de milho de verão da safra 2015/2016. Os preços internos pressionados, os patamares mais baixos das cotações internacionais e a restrição na oferta de crédito devem desestimular o produtor do cereal de primeira safra, mais concentrado no Sudeste e Sul do Brasil, diz ele.
A estimativa mais recente da Agroconsult aponta para uma safrinha de milho de 52,5 milhões de toneladas, o que deve ser revisado para cima quando a consultoria atualizar suas projeções, no final deste mês. Somando com a produção de verão, a expectativa é de que o volume total da safra 2014/2015 passe de 83 milhões de toneladas.
- Garantir uma próxima safrinha, pelo menos com manutenção de área e investimentos, seria uma medida prudente. Podemos precisar usar esse estoque no ano que vem e deixar setores que estão em uma fase boa, como a nossa pecuária, em uma situação um pouco mais fragilizada – disse ele, defendendo uma intervenção do governo no mercado, principalmente para escoar o milho do Centro-oeste para o Sul.
Sobre a comercialização do cereal, ele acredita que deve ocorrer em ritmo lento pelo menos até meados de outubro. De acordo com o consultor, as tradings estão abastecidas e não precisariam, pelo menos por enquanto, de novas aquisições. E com os preços atuais, o próprio produtor também pode ficar fora do mercado.
- Se o câmbio der uma subidinha aqui, pode ter alguma negociação para garantir embarque depois de outubro. Vamos ter exportações até o final do ano e virar com embarque até janeiro e fevereiro – diz.
Para ele, as vendas externas de milho devem bater novo recorde, superando um volume de 26 milhões de toneladas embarcadas.
Fonte: Globo Rural