Há pouco mais de um ano, o fruticultor Rodrigo Yoshio Kido, de São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, estava desanimado. Há 10 anos cultivando morangos apenas com defensivos químicos, o produtor observou que uma determinada praga havia desenvolvido forte resistência aos produtos, independente da molécula ou da dose aplicada. “Eu estava aborrecido, disposto a parar de produzir, pois estava muito difícil controlar o ácaro rajado”, relembra. Neste momento de desesperança que Kido decidiu apostar no controle biológico de pragas, experiência que trouxe uma revolução aos seus canteiros.
Por meio de pesquisas na internet e troca de informações com outros produtores e especialistas, Kido aprendeu mais sobre essa técnica, que consiste no uso dos próprios organismos presentes nas lavouras (aracnídeos, insetos, microrganismos, etc.) para combater as pragas que trazem prejuízo à produção. “Eu digo que foi nesse ano que eu aprendi realmente a plantar morango”, afirma o produtor, que passou a apostar 100% no controle biológico. “Uso ácaro predador, percevejo, trichogramma, fora bactérias e outros microrganismos”, elenca.
Kido faz parte de um time que cresce ano a ano, formado por produtores que vem adotando o controle biológico de pragas como ferramenta de produção. De acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Controle Biológico (ABCBio), as vendas de defensivos biológicos cresceram 77% em 2018, maior índice da história do segmento. De acordo com a diretora-executiva da entidade, Amália Piazentim Borsari, esse crescimento foi puxado por quatro principais culturas: soja, cana-de-açúcar, café e algodão. Embora nestas atividades a ado ção de produtos biológicos seja relativamente pequena, como se tratam de culturas muito grandes, a demanda tem grande impacto no mercado.
“Na soja, a taxa de adoção é de 5%, mas chega a 20% em algumas regiões”, afirma Amália, referindo-se ao percentual de produtores que adotaram o controle biológico naquele ano. “Em outros setores, como o de hortifrútis, a taxa de adoção é muito maior, entre 40% e 60%”, compara. No caso de frutas e legumes frescos, a produção sofre pressão por parte dos consumidores, cada vez mais preocupados com alimentos livres de agroquímicos. “No caso da soja, o que mais puxa esse mercado é o manejo de resistência ao agroquímico”, afirma Amália, referindo-se à seleção natural que o uso indiscriminado de agroquímicos provoca em determinadas espécies de insetos, criando gerações de pragas super-resistentes aos produtos, como as que vitimaram os canteiros de morango do fruticultor Kido, do início da matéria.
Esse crescimento acompanha uma expansão conjuntural deste setor. De acordo com relatório da ABCBio de outubro de 2018, o número de biofábricas praticamente duplicou no Brasil nos últimos cinco anos, passando de 39, em 2014, para 79 no ano da pesquisa. Também aumentou de maneira intensa os registros de novos produtos biológicos. Em 2009 havia apenas um produto biológico registrado junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Hoje são mais de 200 (veja gráfico na página 19).
Pesquisa conduzida pela Associação durante a safra 2017/18 entrevistou 1.762 produtores rurais em todo país sobre a utilização destes produtos. Mais da metade dos entrevistados, 57% afirmaram desconhecer o uso de produtos biológicos. Dentre aqueles que já conheciam esses produtos, 39% declararam que utilizavam e dentre os que utilizaram ao longo do ano safra, 98% afirmaram que voltarão a utilizá-los na temporada seguinte. “Esse dado comprova que quem usa fica satisfeito com o resultado”, analisa Amália. Até 2021, a expectativa é que o setor cresça 40% na América Latina. Devido à relevância do tema, ele será discutido no V Congresso Brasileiro de Fitopatologia (Conbraf), que acontece entre os dias 7 e 9 de agosto, em Curitiba. O evento conta com apoio do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Iniciativa paranaense
O trâmite legal para o registro de um produto biológico é menor do que o necessário para registro de um agroquímico sintético. Além do foco maior de pesquisas destes insumos, isto explica parte do crescimento exponencial do registro de novos produtos biológicos. Nesse ponto, os produtores paranaenses têm uma vantagem estratégica. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) possui um projeto de extensão multidisciplinar denominado “Colhendo bons frutos”, onde duas das cinco linhas de pesquisa, entomologia e microbiologia ambiental, são voltadas para a geração de soluções biológicas no controle de pragas para a cultura do morangueiro.
De acordo com a coordenadora do projeto, a professora e pesquisadora Maria Aparecida Cassilha Zawadneak, o projeto existe desde 2009, mas somente a partir de 2013 que editais de fomento deram maior viabilidade a uma série de ações na área de fitossanidade. Um dos resultados da pesquisa foi o primeiro registro da praga exótica denominada Duponchelia fovealis descoberta pelo grupo de pesquisa da UFPR em 2010. “Não tinha registro da ocorrência [desta praga] em morangueiro e a partir de então esforços têm sido desenvolvidos para estudá-la. Atualmente, a linha mais forte de pesquisa é uso do controle biológico contra ela. Já temos agentes microbianos isolados da praga a campo, testados em laboratório e com potencial para controlá-la”, aponta a pesquisadora.
Segundo Maria Aparecida, a contrapartida do projeto à sociedade ocorre por meio da produção de livros, cartilhas e folders, de modo a divulgar e propagar informações a respeito do uso de agentes biológicos na produção de morangos.
Vantagens de mercado
O controle biológico, técnica que utiliza organismos macroscópicos como insetos e aracnídeos e microscópicos, como vírus e bactérias, para combater as pragas, tem vantagens que vão além da economia no número de pulverizações. Segundo a engenheira agrônoma do SENAR-PR Vanessa Reinhart, o fato de o sistema não deixa resíduos nos produtos favorece a questão da rastreabilidade e boas práticas agrícolas. “Também contribui com a preservação do meio ambiente, pois não contamina o solo, as águas, não prejudica os inimigos naturais e colabora principalmente com a saúde do aplicador, que não se expõe ao produto tóxico”, avalia.
Outra vantagem diz respeito à qualidade de vida dos produtores. “Quando o produtor faz uma aplicação química precisa vestir o EPI [Equipamento de Proteção Individual], preparar a calda e trabalhar com a aplicação. No controle biológico, com o uso de predadores, por exemplo, o produtor faz a liberação no seu canteiro e pode fazer outras atividades, pois os bichinhos vão estar lá trabalhando para ele”, avalia.
Segredos do MIP
O controle biológico é um dos pilares do Manejo Integrado de Pragas (MIP), que utiliza também uma série de controles: cultural, que envolve técnicas de manejo como rotação de culturas; varietal, que consiste no uso de variedades resistentes a pragas e doenças; comportamental, uso de armadilhas e plantas repelentes; genético, liberação de insetos machos estéreis para que as pragas não gerem novos descendentes; e químico, com pulverizações de agroquímicos.
Para utilizar esse conjunto de ferramentas com eficácia e equilíbrio, o produtor precisa de uma base de conhecimento, desde taxonomia (capacidade de identificar os insetos, ovos, lagartas e etc.), até o uso dos níveis de controle, que permite controlar as pragas antes que cheguem a causar dano econômico à produção.
Permeando todas essas atividades está o monitoramento. Essa é uma condição necessária para o sucesso de qualquer empreitada nesta área. Conhecendo de perto sua lavoura, por meio de amostragem, é possível acompanhar o desenvolvimento tanto das pragas, quanto dos seus inimigos naturais para saber o momento correto para aplicar ou não produtos agroquímicos.
SENAR-PR oferece diversas capacitações na área
Uma destas ações de contrapartida foi uma oficina realizada pelo SENAR-PR em Pinhalão, na região do Norte Pioneiro, em março deste ano. A “Oficina de Manejo Integrado de Pragas no Morangueiro”, ministrada pela professora da UFPR, Maria Aparecida Cassilha Zawadmeak, teve como finalidade preparar os produtores para utilizar este sistema de manejo, que possibilita pleitear certificações como a Produção Integrada do Morango (PIMo).
Essa oficina não foi uma ação isolada, o SENAR-PR conta no seu catálogo com diversas alternativas para tornar o controle biológico – que é uma das ferramentas do Manejo Integrado de Pragas (MIP) – mais acessível aos produtores paranaenses. O curso “Pragas e Inimigos Naturais”, voltado ao conhecimento dos principais organismos presentes nas lavouras, pode ser o primeiro passo para esse universo. A formação é pré-requisito para o curso “Controle Biológico de Pragas”, que ensina os participantes a utilizarem algumas das ferramentas deste sistema. Outra iniciativa na área da olericultura é o curso “MIP no Morangueiro”, que será implementado definitivamente no catálogo do SENAR-PR.
Na área de grãos, existe o curso “Inspetor de Campo em MIP Soja”, que leva este sistema de manejo para grandes culturas. Para participar, os alunos devem dispor, ao menos, de cinco hectares para aplicar o que foi aprendido ao longo do curso. A ideia é que a formação acompanhe todas as fases de produção da oleaginosa ao longo da safra.
Nas aulas iniciais os participantes aprendem a conhecer os insetos presentes na lavoura, para que possam diferenciar aqueles que causam danos à produção (as pragas) dos inimigos naturais, aliados nesta empreitada. Por meio do famoso pano de batida, o produtor monitora a presença de organismos na sua lavoura e, posteriormente, realiza as aplicações de inseticidas apenas quando a presença de pragas chega ao nível de dano econômico.
Nos primeiros dois anos de curso, houve uma redução significativa no uso destes produtos nas áreas monitoradas. Enquanto a média no Estado é de cerca de quatro aplicações por safra, nas áreas onde houve o monitoramento MIP essa média caiu para duas pulverizações.
Nos planos do SENAR-PR está a criação de um curso semelhante para aplicação do MIP na cultura do milho.
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Fonte: Sistema FAEP