Contratar seguro rural é
semelhante a adesão de um plano de saúde. Nas duas situações, o ideal é que a
pessoa pague sem precisar usar, afinal, ninguém espera ficar doente, da mesma
forma que não se espera que uma geada ou uma estiagem prolongada prejudique a
lavoura. Ou seja, ninguém espera que aconteça, mas se ocorrer, é bom estar
seguro. Apesar dos avanços na gestão de riscos na propriedade rural nos últimos
anos, que tornaram essa proteção mais acessível, ainda é preciso avançar para
que a contratação de seguro se torne parte da rotina anual do produtor.
Para o ano civil de 2021, a
intenção do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), por
meio do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), é destinar R$
1,3 bilhão, o maior montante até hoje (até o momento, o PSR está com R$ 1,060
bilhão na Lei Orçamentária Anual (LOA), que ainda será votada no Congresso
Nacional).
O Paraná é historicamente o
Estado que mais contrata seguro rural no país, seguido pelo Rio Grande do Sul.
De acordo com dados do PSR, os produtores paranaenses respondem por mais de 30%
das apólices ao longo do histórico do programa, ou seja, a cada 10 apólices
celebradas no Brasil, três são do Paraná. Dentre as culturas mais seguradas no
Estado está a soja, seguindo a lógica de ser o carro-chefe da produção
estadual, que vem dedicando à oleaginosa áreas cada vez maiores, ano após ano,
refletindo o apetite do mercado internacional.
“Não é de agora que defendemos a necessidade de contratação do seguro rural por parte dos produtores rurais. Há anos trabalhamos para disseminar a ferramenta e o resultado está no fato de o Paraná ser o Estado que mais contrata. Sinal de que os nossos produtores entenderam a importância”, aponta Ágide Meneguette, presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Em 2020, o PSR contabilizou
39.902 apólices de seguro no Paraná para a soja, cobrindo uma área de mais de 2
milhões de hectares do grão e um valor segurado na casa dos R$ 7 bilhões. Nesse
ano, a soma do prêmio pago pelos produtores da oleaginosa para contratar o
seguro foi de R$ 404 milhões e a subvenção – valor concedido pelo governo
federal para ajudar os produtores a pagarem o prêmio – foi de pouco mais de R$
110 milhões. Nessas operações, a taxa média ficou em 5,84% sem a subvenção.
Quando aplicada a subvenção do Mapa, a média de prêmio paga pelo produtor ficou
em 4,25%.
No Paraná e em São Paulo, além da subvenção federal, existe apoio do governo estadual na subvenção ao seguro rural. Este ano, o valor destinado para esta finalidade pelo governo paranaense foi de R$ 15 milhões, bastante superior ao disponibilizado nos anos anteriores que nunca havia superado os R$ 9 milhões.
Estado seguro
O diferencial do Paraná no que tange à contratação do seguro rural não é gratuito, mas fruto de um longo e conjunto trabalho institucional. “A FAEP, Ocepar [Organização das Cooperativas do Estado do Paraná] e Seab [Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento] tiveram papel muito importante em um período pós-seca e problemas de preço, entre 2005 e 2007. Nesta época, essas instituições foram a campo fazer uma campanha pró-seguro, orientando os produtores, levando seguradoras até o Paraná para conhecer os históricos de produtividade das regiões com potencial para contratar seguro. Esse trabalho, feito em conjunto com os sindicatos rurais e com as cooperativas, deu um grande impulso [à cultura de contratação do seguro rural no Estado]”, lembra Pedro Loyola, Diretor do Departamento de Gestão de Riscos do Mapa, que em anos anteriores coordenou o Departamento Técnico Econômico (DTE) da FAEP.
Ainda, segundo Loyola, colabora
para o quadro paranaense o fato de o Estado possuir uma estrutura fundiária
formada por pequenos e médios produtores, muitos deles acessando o crédito
rural. “Isso facilitou a disseminação [do seguro] nos canais de distribuição de
cooperativas de crédito e bancos comerciais”, aponta. “Essa organização,
conscientização e os fatores climáticos que lá atrás afetaram a produção e o
bolso dos produtores fizeram com que tivéssemos muitas contratações, o que
acontece até os dias de hoje”, complementa.
Em uma transmissão ao vivo
realizada em junho deste ano pelas redes sociais do Sistema FAEP/SENAR-PR,
Loyola utilizou uma analogia bastante simples para demonstrar a lógica em
contratar um seguro. “Se contratar, por exemplo, um seguro para soja pagando 5%
do valor segurado, em 20 anos o produtor deu uma safra inteira para os serviços
de seguro rural. Então eu pergunto, nos últimos 20 anos você já perdeu pelo
menos uma safra por problemas climáticos?”, questiona.
No caso do produtor Sedemir
Antonio Bortolin, de Paranacity, na região Norte do Paraná, foram dois anos
seguidos de quebra por problemas climáticos – safras 2018/19 e 2019/20. Nas
duas ocasiões, a estiagem prolongada causou prejuízos. Felizmente, Bortolin
estava segurado.
Com tradição no plantio de
mandioca, Bortolin está acostumado a utilizar recursos do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que prevê a contratação de um
mitigador de risco, seja o Proagro ou seguro rural. Quando passou a trabalhar
com a soja, felizmente, levou junto a cultura do seguro. “Teve uma roça que deu
problema. O perito demorou 15 dias pra vir e a soja ficou no sol e debulhou
toda”, conta o agricultor, que ficou no impasse se colhia ou se esperava a
perícia. A questão foi parar na justiça, em que está até hoje.
Em casos como este, o correto é
aguardar a perícia antes de colher. “É muito importante o produtor comunicar à
seguradora, o mais rápido possível, a ocorrência de prejuízos na área segurada
e aguardar a perícia antes de realizar a colheita. Se o produtor efetuar a
colheita antes da presença e avaliação do perito, a seguradora irá considerar
que nessa área a produtividade foi normal”, afirma o consultor na área de
seguros rurais, Luiz Antônio Digiovanni.
A Resolução 73 do Comitê Gestor
Interministerial do Seguro Rural, de junho de 2020, estabelece os prazos para
que seja contatada a seguradora em caso de sinistro. O mesmo documento
estabelece o prazo máximo para o envio do perito pela seguradora. Esses prazos
variam conforme a cultura, época de colheita e o tipo de cobertura contratada.
Na safra seguinte (2019/20),
Sedemir voltou a ter problemas de quebra e precisou acionar o seguro, mas desta
vez tudo correu bem com a perícia e a indenização. Com cerca de 85 hectares
arrendados para o plantio de soja e milho, o produtor viu a importância de o
seguro aumentar. “Na mandioca, você não tem tanto problema, mas quando trabalha
com grãos, o risco e o investimento são muito maiores”, avalia.
Indenização e mutualismo
Em 2019, apenas as indenizações
referentes a prejuízos com a seca no Paraná somaram mais de R$ 55,7 milhões.
“Toda vez que ocorrem problemas climáticos, por mais que tenhamos safras
recordes, as sinistralidades estão recordes também nas seguradoras. Somente
entre janeiro de 2018 e setembro de 2020 (dois anos e nove meses), as
seguradoras pagaram aos agricultores brasileiros R$ 5,6 bilhões em indenizações
do seguro rural”, afirma Loyola.
Vale lembrar que quanto mais
produtores contratarem o seguro rural, maior a probabilidade de redução dos
valores das apólices ao longo do tempo. Isso se explica pelo conceito de
“mutualismo”, que na natureza se expressa quando indivíduos de espécies
diferentes são beneficiados mutuamente pela sua interação.
No mercado de seguros isso ocorre
quando muitos produtores pagam o prêmio e as seguradoras (e resseguradoras)
contam com um volume grande de recursos para arcar com as indenizações,
pulverizando os riscos em várias regiões e contando com economia de escala dos
custos fixos. Como os sinistros geralmente não acontecem de forma generalizada
em todas as regiões e em todos os anos, o excedente monetário gerado em um
local pode ser utilizado para pagar a indenização em outro.
“No momento em que muitos
produtores começam a contratar o seguro, além de pulverizar os riscos, é
possível desenvolver o mercado, atrair novas seguradoras, aumentar a competição
e reduzir o prêmio, pois tem ganhos de escala na estrutura administrativa das
seguradoras e esse ganho é passado na concorrência. A seguradora vai concorrer
não só na qualidade dos produtos, mas também no prêmio que chega ao produtor”,
explica Loyola.
Para Sedemir, o seguro representa
a oportunidade de recomeçar. “Eu sei que seguro não é barato, mas se tiver
algum problema, não ficamos devendo e podemos ao menos ter um crédito para
começar tudo de novo”, analisa o produtor de Paranacity.
“Caro é ficar sem seguro, visto
que o produtor tem que renegociar dívidas rurais, abrir mão de capital de giro
ou vender algum patrimônio para se recuperar de uma adversidade climática. O
produtor do futuro não pode apostar contra o clima, sob o risco de sair da
atividade”, sentencia Loyola.
FAEP trabalhou para viabilizar o seguro rural no Estado
Não é de hoje que a FAEP difunde
a importância do seguro rural e incentiva os produtores paranaenses a incluírem
a ferramenta no seu planejamento anual. Já em 2007, a Federação elaborou um
pleito junto ao governo federal para ampliar o mercado de resseguros,
possibilitando a atuação de empresas estrangeiras no Brasil, criando um
ambiente interno propício à difusão do seguro rural.
A partir de 2008, a FAEP realizou
seminários sobre o tema em diversos municípios do Estado, além de um grande
evento em Curitiba que reuniu representantes das seguradoras, governos,
produtores rurais, pesquisadores e profissionais de mercado com objetivo de
identificar gargalos e pontos de convergência para impulsionar os ainda baixos
índices do seguro agrícola no Brasil.
Em agosto de 2016, a FAEP, em
parceria com a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Confederação
Nacional de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Ocepar, organizou o Fórum
Nacional de Seguro Rural. Na ocasião, os maiores especialistas nesta área, além
de seguradoras, resseguradoras, representantes de produtores, cooperativas e
dos governos federal e estadual de São Paulo e do Paraná se reuniram para
debater o futuro do seguro agrícola no Brasil.
Atualmente, a Federação está
realizando o curso “Seguro Agrícola para Grãos”, voltado a produtores e
funcionários de sindicatos rurais. Em 2020 foram as duas primeiras turmas e uma
fila de espera para as próximas edições.
Além disso, anualmente a FAEP
encaminha um documento ao Mapa contendo uma pauta de reivindicações em relação
ao Plano Agrícola Pecuário (PAP). Nestes pedidos, a entidade sempre elenca o
valor que considera adequado para o PSR na próxima safra. Em 2020, por exemplo,
a Federação solicitou ao governo federal que fossem alocados R$ 1,5 bilhão no PSR
referente à safra 2020/21. O valor anunciado foi de R$ 1,3 bi, aquém do pedido
da FAEP, porém superior ao valor do plano anterior (R$ 1 bi).
“Acredito que a consciência que a
FAEP vem cultivando [em relação ao uso do seguro] não é uma moda. Desde 2008 a
federação já fala da importância do seguro para o setor rural. Os produtores
estão mais conscientes e cada vez contratando mais. Com mais recurso de
subvenção mais produtores passam a poder contratar o seguro”, avalia Luiz
Antônio Digiovanni, consultor em seguros rurais.
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Fonte: Sistema FAEP