Há duas décadas, a necessidade de uma Reforma Tributária vem ganhando destaque na agenda política. Entre o governo e o setor privado, tornou-se consenso que o sistema de arrecadação de impostos brasileiro é um emaranhado de tributos e de alíquotas já defasados e que, portanto, precisam passar por modificações substanciais para um modelo de tributação mais justo e proporcional. Neste ano, as discussões ganharam corpo e chegaram com força ao Congresso Nacional. A expectativa é de que o Brasil tenha um novo sistema tributário ainda em 2020. Mas qual o modelo ideal?
Hoje, três propostas de Reforma
Tributária tramitam, sendo duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC),
apresentadas por parlamentares, e outra defendida pelo governo federal. Desde
então, a FAEP tem acompanhado o debate, promovendo o estudo aprofundado de cada
proposta e, principalmente, aferindo os impactos de cada uma no setor
agropecuário.
Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), só em 2018, todas as cadeias do
agronegócio recolheram R$ 489 bilhões em tributos, 21,5% de tudo o que foi
arrecadado no Brasil. Em contrapartida, o agronegócio ainda é pouco beneficiado
no que diz respeito a subsídios tributários: o setor fica com 9,7% das
isenções.
Para a FAEP, a reforma é
necessária, mas não pode haver aumento da carga tributária sobre o agronegócio,
que já suporta um volume excessivo de impostos. Isso afetaria a competitividade
dos diversos produtos, dos grãos às carnes, do leite aos produtos florestais. O
impacto negativo no setor rural, por sua vez, comprometeria o desenvolvimento
econômico do país.
“Tributar alimentos é tributar a fome do povo. A carga tributária em cima do alimento não pode ser alta, pois não podemos exportar isso”, salienta Ágide Meneguette, presidente da FAEP. “O que queremos é uma reforma tributária justa, que seja um instrumento para o desenvolvimento do país e que venha acompanhada por uma profunda reforma administrativa que reduza, de verdade, o insuportável custo da máquina pública”, completa.
Antes de ir às propostas, entenda o que é o Valor Agregado
É a diferença entre o preço de
venda do bem e o preço pago pelos insumos. Hoje, de modo geral, a tributação
incide em todas as etapas da cadeia produtiva. As reformas pretendem que a
cobrança passe a ser feita apenas sobre a riqueza gerada em cada etapa da
produção, o que é conhecido como Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).
PEC-45
Dentre as três propostas
encaminhadas ao Congresso, a mais prejudicial ao setor agropecuário é a PEC-45,
que tramita na Câmara dos Deputados. A proposta prevê a substituição de cinco
impostos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) por um novo tributo, o Imposto sobre
Bens e Serviços (IBS), com alíquota única de 25%. Além disso, a PEC-45 acaba
com benefícios tributários, hoje concedidos, por exemplo, na aquisição de
máquinas e implementos agrícolas, insumos e produtos agropecuários.
“É uma proposta que coloca no
mesmo balaio todos os setores e não prevê manutenção de isenção de tributos”,
aponta o técnico do Departamento Técnico Econômico (DTE) do Sistema
FAEP/SENAR-PR Luiz Eliezer Ferreira. A proposta “vai na contramão” do que
acontece em outros países que adotam a metodologia do chamado Imposto do Valor
Agregado. “Isso é bastante nocivo ao agronegócio, que produz itens de primeira
necessidade, especialmente na área de alimentação, energia, entre outros”,
acrescenta Ferreira.
Um estudo da Confederação
Nacional da Agricultura (CNA) aponta que a aplicação da alíquota única de 25% e
o fim dos benefícios tributários devem implicar em prejuízos diretos ao
agronegócio, como aumento de custos de produção e queda na rentabilidade das
culturas. No caso da produção de soja e milho, por exemplo, os custos de
produção devem subir 17% em Cascavel, Oeste do Paraná. O peso também atingiria
outras cadeias: o aumento estimado dos custos gira em torno de 11% na pecuária
leiteira (com referência em praças mineiras), 7% na cana-de-açúcar (tendo como
referência Ituverava, no Estado de São Paulo) e 5% na pecuária de corte, fase
de cria (praça de Itamaraju, na Bahia).
No caso da rentabilidade, os
efeitos também podem ser bastante severos para os produtores que cultivam soja
e milho. Tomando como base Cascavel, a CNA projeta que os agricultores
amargariam queda de 120,9% na rentabilidade, passando a trabalhar com margem
líquida negativa, ou seja, ficariam no vermelho. Um sojicultor que tenha, hoje,
uma rentabilidade de R$ 28,4 mil passaria a ter prejuízo de R$ 5,9 mil. O
encolhimento da renda dos produtores também atingiria significativamente outras
cadeias, como avicultura e suinocultura.
“Com a adoção do IBS, sem a
possibilidade de qualquer tipo de benefício tributário, a carga de impostos
para o setor agropecuário se elevará consideravelmente, provocando o aumento
dos custos de produção. Além disso, esse modelo vai exigir mais capital de
custeio do produtor rural”, aponta coordenador econômico da CNA, Renato
Conchon. Além do IBS, a PEC-45 prevê um imposto seletivo que incidiria sobre
determinados produtos, como forma de desestimular o consumo. Juntamente com
cigarros, bebidas alcoólicas e armas, também seriam tributados os defensivos
agropecuários, alimentos com alto teor de açúcar e de gordura. Ou seja, o novo
imposto pesaria sobre um importante insumo agropecuário e afetaria produtos
para os quais o setor agropecuário fornece matérias-primas.
Além disso, a PEC-45 propõe o fim
da desoneração dos itens que compõem a cesta básica, hoje, isentos de
tributação. Com a incidência de impostos sobre esses produtos, a cesta básica
deve ficar 22,7% mais cara, segundo projeção do Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário (IBPT). Isso deve afetar mais diretamente as famílias
com renda de até R$ 5,7 mil, que, proporcionalmente, têm mais despesas com
alimentação. Diante deste cenário, a CNA projeta um reflexo direto na inflação,
com alta de 1 ponto percentual em um ano.
“Aplicando o imposto sobre os
alimentos da cesta básica, o varejo repassará esses aumentos de preço ao
consumidor. Hoje, mais de 71% das famílias brasileiras recebem até R$ 5,7 mil,
as que mais gastam com alimentação”, diz Conchon.
A proposta institui, também, a
obrigatoriedade de que produtores rurais passem a fazer contabilidade mensal,
abrindo empresa formalmente na junta comercial – o que oneraria ainda mais
atividade. Hoje, produtores rurais de ciclo curto (inferior a dois anos) não
precisam formalizar este tipo de contabilidade.
PEC-110
A PEC-110 prevê a unificação de
nove tributos, que passariam a ser substituídos por um imposto único, também
chamado de IBS. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a alíquota pode passar
de 28%, mas alguns produtos teriam tributação padronizada, caso de alimentos
(inclusive os destinados à alimentação animal) e medicamentos, cuja alíquota
prevista é de até 4%. Transporte urbano, saneamento básico e educação também
teriam carga tributária reduzidas. Além disso, insumos agropecuários ficariam
de fora, não sofrendo incidência do IBS.
De acordo com o modelo desenhado
pela PEC-110, a competência de arrecadação dos tributos é estadual, por meio da
criação de um comitê gestor. Apesar disso, a receita de alguns impostos, como o
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) passaria aos
municípios. O novo sistema de cobrança de tributos seria implantado em um prazo
de cinco anos. A proposta prevê que a partilha do recurso entre os entes
federativos seja efetivada em até 15 anos.
“Esse conjunto de propostas prevê
a permissão também de alíquotas diferenciadas a depender do setor. Então, do
ponto de vista do setor do agronegócio, a PEC-110 é um pouco mais palatável”,
analisa Ferreira. Apesar disso, a proposta tem alguns pontos especiais que
merecem ser melhor discutidos, como a distribuição dos recursos e o
aproveitamento de crédito por parte do produtor. “Mas, de modo geral, ela é bem
mais favorável ao setor agropecuário, até mesmo do ponto de vista da transição
de regimes, que ocorreria num prazo menor”, compara o técnico do Sistema
FAEP/SENAR-PR.
“O problema dessa proposta é que
boa parte das medidas previstas precisa ser regulamentada por leis
complementares, que podem distorcer o escopo inicial da PEC. Seria importante
que o Congresso apresentasse a minuta dessas leis complementares, para que a
sociedade pudesse discuti-las”, acrescenta Conchon, da CNA.
Proposta do governo
A proposta do governo federal foi
fatiada em quatro eixos, que serão encaminhados para avaliação do Congresso de
forma independente. Até agora, a primeira parte dessa proposta, formalizada por
meio do Projeto de Lei 3887/2020, prevê a substituição de dois impostos (PIS e
Cofins) pela Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS), com alíquota única de
12%.
O projeto mantém a isenção
tributária aos produtos que compõem a cesta básica, à operação entre
cooperativas e cooperados e à venda de produtos in natura. Além disso, a
proposta do governo prevê a simplificação sistemática do cálculo tributário e o
fim de regimes especiais.
“A proposta tem méritos ao
consolidar PIS e Confis. Porém, não traz mudanças sobre temas polêmicos, como
crédito rural, base de cálculo do ICMS e ISS e incidência da contribuição sobre
locação”, analisa Conchon. “A CBS não incidirá sobre os produtores rurais
pessoa física. Já os pessoa jurídica, incidirá a contribuição”, acrescenta.
“A alíquota única de 12% vai
majorar os tributos que o produtor já paga. É um ponto de atenção também do
aproveitamento dos créditos. Mas, não é uma emenda constitucional, está em
tramitação no Congresso e deve receber diversas emendas. Em um primeiro momento
pode parecer ruim ao setor, mas o caminhar vai dizer como se desenha”, prevê
Ferreira.
Propostas devem ser unificadas
A FAEP, em conjunto com outras
entidades representativas do setor produtivo rural, tem subsidiado
constantemente o debate em torno da Reforma Tributária junto aos parlamentares
em Brasília. Essa fase é fundamental para que a voz do campo seja ouvida pelas
lideranças políticas responsáveis por colocar, na prática, as mudanças
sugeridas. Um dos líderes nessa interlocução, o deputado federal e
vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), Sérgio Souza
(MDB-PR), acredita que o relator da Reforma Tributária, Aguinaldo Ribeiro
(PP-PB), deva juntar as propostas em uma só antes de ser apreciada em plenário.
Para Souza, a principal
preocupação da bancada ruralista é o aumento de tributo para quem produz
riquezas no campo. “Não vamos permitir que haja oneração para o setor
agropecuário. Queremos o que é justo para o nosso produtor rural”, crava. “O
produtor rural já paga e paga caro! A gente não faz essa conta, mas quando o
agricultor e o pecuarista compram uma máquina, consomem diesel, energia
elétrica, sementes, insumos, dentro disso tem uma carga tributária que chega
perto de 40%”, calcula o parlamentar.
Souza concorda que a Reforma
Tributária é necessária, e que o esforço agora deve ser para formar consensos
dentro dos diversos setores da sociedade brasileira para modernizar essa
estrutura e garantir redução nos custos de produção. “Nós precisamos fazer
algumas reformas estruturantes para desatar nós históricos, como a da
previdência e trabalhista, e, num futuro próximo, avançar com a administrativa.
Mas, antes, precisamos fazer a Reforma Tributária, a mãe de todas as reformas”,
prioriza Souza.
“Queremos o Brasil mais competitivo, um custo Brasil mais baixo. Produtor é campo. Da porteira para fora existe prejuízo de competividade. Queremos melhorar o Brasil, deixar o país mais leve e mais eficiente”, destaca Ricardo Barros (Progressista), deputado federal e líder do governo na Câmara.
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Fonte: Sistema FAEP