Pesquisadores da Embrapa Agroenergia (DF) estão usando a glicerina gerada no processo de produção de biodiesel para obter compostos químicos valorizados pela indústria. O coproduto é usado por microrganismos como fonte de carbono para a produção de ácidos orgânicos e outras substâncias (polióis, dióis e cetonas) que podem ser vendidas para indústrias farmacêuticas, alimentícias, cosméticas e químicas. Isso significa que, com o aproveitamento desse coproduto, a indústria poderá lucrar entre dez e 100 vezes mais do que comercializar a glicerina bruta, a depender do composto químico produzido e para qual finalidade.
Trata-se de um destino mais nobre e uma forma de valorizar a glicerina, que costuma ser vendida em sua forma bruta ou purificada, ou ainda queimada nas próprias usinas de biodiesel para gerar energia. A glicerina é gerada na produção do biodiesel e provém da mistura de um álcool com um óleo vegetal ou gordura animal, reação que é acelerada com a adição de um catalisador químico para formar o combustível. Dessa reação surge um volume composto aproximadamente de 90% de biodiesel e 10% de glicerina.
Projeto Bioglic
Os trabalhos de pesquisa fizeram parte do projeto Bioglic – Aproveitamento da glicerina coproduto da produção de biodiesel para obtenção de químicos visando agregar valor à cadeia produtiva do dendê. Além da Embrapa Agroenergia, participam pesquisadores da Embrapa Amazônia Ocidental (AM) e do Instituto Militar de Engenharia (IME) com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes)
De acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), em 2018 foram produzidos mais de 5,3 milhões de metros cúbicos de biodiesel.
O projeto de pesquisa teve duração de quatro anos e obteve bons resultados ao avaliar glicerinas oriundas do biodiesel fabricado a partir de soja e dendê.
“Conseguimos mostrar que esses processos de bioconversão são viáveis tecnicamente e que é possível produzir compostos químicos de interesse comercial a partir da glicerina bruta com um rendimento igual ou até mesmo superior ao obtido com a glicerina pura”, destaca a pesquisadora da Embrapa Agroenergia Mônica Damaso, que coordenou os trabalhos. Com o projeto, foi possível selecionar microrganismos que conseguem utilizar a glicerina bruta e convertê-la em diferentes compostos químicos. “Vários microrganismos podem ser utilizados no processo, como bactérias, leveduras ou fungos filamentosos”, informa a pesquisadora.
Em busca de parceiros
Damaso conta que a próxima etapa do projeto envolve a busca de parcerias com a iniciativa privada. Com isso, os pesquisadores querem aumentar a escala de produção dos compostos químicos para uma etapa em biorreator em bancada. Segundo Mônica Damaso, posteriormente, pretende-se fazer testes para obtenção desses compostos químicos em escala-piloto, que futuramente possam ser produzidos comercialmente por empresas parceiras.
A pesquisa se fundamentou em três pilares: seleção de microrganismos, métodos analíticos para identificação e quantificação dos compostos e processos de biotransformação da matéria-prima nos compostos químicos.
O primeiro grupo envolve a seleção de microrganismos, sejam aqueles isolados da natureza durante o projeto ou os já pertencentes à coleção da Embrapa Agroenergia. Eles são avaliados quanto à capacidade de produção dos compostos químicos de interesse a partir da glicerina.
Como uma grande quantidade de compostos é gerada, é fundamental o desenvolvimento de métodos rápidos e sensíveis para identificar esses produtos e quantificar o nível de produção. Os pesquisadores conseguiram elaborar um método capaz de aumentar em doze vezes a velocidade de identificação dos compostos.
No início do projeto, apenas 24 amostras eram analisadas por dia. No fim dos trabalhos já era possível analisar 288. Isso se tornou possível porque o método – que era totalmente manual para as etapas de injeção, calibração e limpeza – tornou-se totalmente automatizado.
Em relação à quantificação dos compostos químicos, foram desenvolvidos dois métodos. Um possibilita identificar e quantificar até dez ácidos orgânicos e o outro, até 11 polióis em apenas 20 minutos.
“É importante desenvolver novos métodos capazes de processar uma quantidade maior de amostras em menor tempo justamente pela economia de tempo dos equipamentos e diminuição dos resíduos gerados durante o processamento dessas amostras. Além de serem mais rápidos, os métodos criados são mais ecológicos, gerando menor impacto para o meio ambiente”, explica o analista da Embrapa José Antônio Ribeiro.
No processo de produção por biotransformação da glicerina, são estudados os fatores que aumentam o rendimento da produção dos compostos químicos de valor agregado.
“Conseguimos produzir alguns compostos utilizando glicerina bruta, seja a comercial produzida no Brasil, que utiliza 75% de soja, ou também a produzida a partir do dendê, que era a biomassa foco do projeto”, revela Damaso.
Fonte: Embrapa