"Ainda não há uma crise por lá, mas uma pode se formar e todos devemos ficar atentos aos próximos movimentos."

CHINA – OS DESAFIOS PARA NÃO ENTRAR EM CRISE

Algumas turbulências passadas pela economia chinesa sacudiram os mercados financeiros no mês passado e trouxeram dúvidas sobre a capacidade da China manter o seu ritmo de crescimento. A forte queda da bolsa de valores de Xangai, a retração das suas exportações, a desvalorização da sua taxa de câmbio e a contínua queda dos preços recebidos pelos seus produtores industriais são apenas alguns dos eventos sobre a economia chinesa que dominaram os noticiários em agosto. Todavia, apesar de todo o barulho ocorrido, ainda é prematuro afirmar que a China está entrando em crise. No entanto, esses eventos deixam claro que a economia chinesa terá que enfrentar grandes desafios nos próximos anos que, por sua vez, se malconduzidos, poderão levar a China para uma crise. Uma crise na segunda maior economia do planeta terá impactos significativos na economia mundial e os nossos produtores agropecuários precisam estar atentos a isso.

A origem dos problemas da economia chinesa: como fazer o seu mercado interno puxar a economia?

Por trás de todas as notícias sobre a China que movimentaram os mercados em agosto há um fio condutor que nem sempre está claro para os nossos produtores agropecuários: a economia chinesa tem encontrado obstáculos para mudar a locomotiva do seu crescimento. Durante toda a década passada, os investimentos produtivos voltados para exportação assumiram o papel de puxar os demais setores econômicos. A expansão dos mercados consumidores nas economias centrais, notadamente Estados Unidos e União Europeia, tornavam esse modelo de crescimento viável.

Porém, com a crise de 2008, as economias centrais perderam fôlego, reduzindo suas compras de produtos chineses. Com o intuito de manter o ritmo de expansão da sua economia, o governo chinês manteve as elevadas taxas de investimentos, mas gerou um grave desequilíbrio: excesso de capacidade instalada ociosa. Em outras palavras, atualmente os chineses contam com um parque industrial acima da demanda existente e com uma infraestrutura maior do que ela precisa, inclusive para os próximos anos.

É justamente este desequilíbrio que tem gerado uma série de problemas, dois deles merecem especial atenção:

  • Deflação nos preços ao atacado: como há um excesso de oferta na China, os preços ao atacado têm caído há mais de 41 meses. Com preços cada vez menores, a rentabilidade de parte significativa desses investimentos tem diminuído;
  • Aumento do risco de crédito e de turbulências bancárias: uma vez que os investimentos têm apresentado rentabilidade declinante, (i) menor é a viabilidade de novos projetos, o que faz a economia chinesa desacelerar, e (ii) maior a probabilidade dos financiamentos tomados não serem integralmente pagos. Essa notícia só traz mais incerteza sobre a situação dos bancos locais.

Uma vez que as exportações não têm conseguido absorver a produção local de forma a dar rentabilidade aos investimentos, a economia chinesa tem desacelerado e acumulado complicados desequilíbrios. Para tentar amenizar esse problema, as autoridades chinesas têm realizado um grande esforço para transferir para o consumo das famílias esse papel de locomotiva do crescimento econômico. Para isso diversas políticas visando aquecer o mercado interno tem sido adotadas. Infelizmente, os resultados ainda não têm sido satisfatórios – e este é o fio condutor que explica as notícias de agosto: as estratégias do governo chinês para aquecer seu mercado interno ainda não deram os resultados esperados; na verdade, até pioraram alguns dos desequilíbrios já existentes.

Turbulências na bolsa de Xangai: ativos em queda ou correção de rumo?

Entre maio e agosto deste ano, a bolsa de Xangai registrou uma queda de mais de 30%, assustando diversos investidores e analistas de mercado. Esse mergulho, mais do que representar uma crise, na verdade, é reflexo de uma bolha que havia nesse mercado, pois, entre janeiro de 2014 e maio de 2015, esse mesmo índice tinha valorizado mais de 126% – algo que claramente não era sustentável!

Por trás da elevação tão expressiva da bolsa de Xangai até maio deste ano há o incentivo de crédito que o governo concedeu aos pequenos investidores. O objetivo principal desses recursos era fortalecer o mercado interno, porém, as famílias chinesas preferiram poupar esses recursos comprando ações a expandir o seu consumo. Ou seja, a estratégia de aquecer o mercado interno via concessão de crédito não entregou o resultado esperado e ainda criou uma bolha no mercado acionário.

Quem será impactado por esses desequilíbrios da economia chinesa? Todos, mas em intensidades diferentes

De acordo com os números do Fundo Monetário Internacional (FMI), a China, sozinha e sem contar os efeitos indiretos, respondeu por 29% de todo o crescimento da economia mundial 2014. Ou seja, dada a sua importância para o resto do mundo, praticamente todos sentirão de alguma forma o menor crescimento da economia chinesa, porém, em intensidades diferentes.

Para o Brasil, a China é um grande destino das nossas commodities. Entretanto, cada grupo de exportador sentirá esse impacto de uma forma distinta:

  • Exportadores de commodities agropecuárias: esse é o grupo que sentirá os menores impactos. A demanda por alimentos e fibras não deverá diminuir, irá apenas crescer de forma mais desacelerada. Em outras palavras, os chineses não vão deixar de comer apenas porque sua economia crescerá menos. Logo, os produtores agrícolas sentirão apenas o efeito na acomodação das cotações dos seus produtos, cuja queda será, ao menos em parte, compensada pela valorização do dólar;
  • Exportadores de commodities minerais e metálicas: os produtores dessas commodities (ferro, cobre, bauxita, carvão, etc.) são os que mais têm sentido a desaceleração chinesa. Como essas commodities são matérias-primas principalmente para os investimentos produtivos, esses produtores terão que lidar com fundamentos (oferta e demanda) menos favoráveis. Não é por acaso que os preços dessas commodities têm caído em uma intensidade maior do que das commodities agrícolas;

Enfim, embora em intensidades distintas, todos sentirão o impacto da China crescendo menos e com um câmbio mais depreciado. Apesar das flutuações de curto prazo, o ponto mais importante para saber para onde irá a economia chinesa – e, consequentemente o resto do mundo – é se ela conseguirá aquecer seu mercado interno. Ainda não há uma crise por lá, mas uma pode se formar e todos devemos ficar atentos aos próximos movimentos.

Colaborou: Roberta Possamai – Economista pela USP e aluna do Mestrado Profissional em Agronegócio da FGV (MPAgro).



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