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CAFÉ EM EXTINÇÃO

O cafezinho do dia a dia está ameaçado. “Pelo desmatamento e pelo aquecimento global”, afirma sem meias palavras o botânico e especialista em café Aaron Davis à BBC News Brasil. O cientista é líder de pesquisa em café do Royal Botanic Gardens de Kew, no Reino Unido.

De acordo com dois estudos desenvolvidos por Davis e sua equipe, publicados nesta quarta-feira (16) nos jornais científicos Science Advances e Global Change Biology, 60% das espécies de café conhecidas no mundo correm risco de extinção. Inclusive o arábica (Coffea arabica), o café mais consumido no planeta.

“No caso do arábica, as mudanças climáticas têm um impacto ainda maior em sua sobrevivência do que o desmatamento”, comenta Davis.

“O arábica é classificado como ameaçado de extinção na natureza principalmente devido à mudança climática. E vale ressaltar que é a única espécie que tem projeções de mudanças climáticas incluídas em sua avaliação de risco de extinção.”

Foi a primeira vez que os pesquisadores analisaram, segundo a metodologia da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), o risco de extinção de todas as 124 espécies de café conhecidas. E, de acordo com tais critérios, estão na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas o preocupante número de 75 espécies – ou 60% do total – de café do mundo.

O café arábica é o mais consumido do planeta. De acordo com as pesquisas, o cenário para a produção global de café a longo prazo é “preocupante”.

Segundo os cientistas, as maiores ameaças às espécies de café são o desmatamento, as mudanças climáticas e a propagação de doenças e fungos patogênicos. As conclusões são baseadas em mais de 20 anos de análises, em que cientistas de Kew se dedicaram a descobrir, avaliar e documentar as espécies de café em todo o planeta.

Riscos

A visão sombria para o futuro do café arábica já havia sido revelado por esses pesquisadores em 2012. Na época, por meio de simulações de computador, eles conseguiram prever o impacto do aquecimento global na produção da planta – concluindo que as áreas propícias ao cultivo do arábica podem ter uma redução de 85% até 2080.

Nas pesquisas atuais, a equipe do instituto deteve-se no estudo das espécies de café como um todo. Segundo comunicado do Royal Botanic Gardens, “os resultados dos estudos publicados hoje são extremamente preocupantes”, sobretudo para “a indústria multibilionária do café que se baseia no uso de espécies de café silvestre”.

“Alguns deles, incluídos na lista como ameaçados, configuram-se como espécies que podem ser fundamentais para o futuro da produção de café”, prossegue a nota divulgada pela instituição.

Atualmente, duas espécies de café dominam o mercado mundial de café: cerca de 60% são Coffea arabica e o restante é Coffea canephora, o robusta.

Considerando simplesmente o consumo humano, a preocupação com as demais 122 espécies tem um motivo: banco genético. Como milhares de ameaças surgem para dificultar o cultivo do café no planeta, uma mais grave que a outra, outras espécies podem vir a ser necessárias para o desenvolvimento e a melhoria das plantas atualmente cultivadas comercialmente.

“Entre as espécies ameaçadas de café estão aquelas com uso potencial para crescer e desenvolver cafés no futuro, incluindo variedades resistentes a doenças e capazes de resistir à deterioração das condições climáticas”, pontua Davis.

“O uso e a melhoria dos recursos do café silvestre podem ser fundamentais para a sustentabilidade do setor no longo prazo. Para proteger o futuro do café, é necessário tomar medidas urgentes em países tropicais específicos, particularmente na África.”

O robusta não está na lista dos ameaçados – ao menos por enquanto.

“Até o início do século 20, o robusta não havia sido utilizado para a produção de café fora da África. Trata-se de espécie que só foi conhecida pela ciência em 1897″, afirma Davis.

“É um exemplo de uma espécie selvagem subutilizada por muito tempo que acabou se tornando uma mercadoria de bilhões de dólares em apenas 120 anos. Isto porque seus genes são utilizados na criação de cultivares (ou variedades) resistentes a doenças de café arábica. Ou seja: sem o uso dessa espécie silvestre a paisagem cafeeira do mundo ficaria muito diferente do que é hoje.”

Davis usa este exemplo para apontar como outras espécies podem vir a ser utilizadas, no futuro, para tal melhoramento genético daquilo que vai resultar nas xícaras.

“Olhando para o futuro, é provável que, assim como ocorreu com o robusta, usemos outras espécies silvestres, especialmente para o melhoramento de plantas, para combater as crescentes ameaças de doenças, pragas e, particularmente, a mudança climática. Não podemos confiar apenas em arábica e robusta”, ressalta.

Alerta

“Esperamos que nossas descobertas sejam usadas para influenciar o trabalho de cientistas, autoridades e todos os envolvidos, a fim de garantir o futuro da produção de café – não apenas para os amantes de café em todo o mundo, mas como uma fonte de renda para comunidades agrícolas em alguns dos lugares mais pobres do mundo”, afirma o cientista do Royal Botanic Gardens.

Para Aaron Davis, a solução está na volta à natureza selvagem.

“Nosso trabalho deixa claro que áreas ambientalmente protegidas exigem mais recursos para que possam incorporar mais e mais espécies de café e maior diversidade genética de café, melhorar suas instalações e sua gestão”, defende.

“Isso é particularmente verdadeiro em países africanos como Etiópia, Tanzânia, Camarões e Angola e Madagascar, que abrigam os mais altos níveis de diversidade de espécies de café silvestres em todo o mundo.”

De acordo com o pesquisador, a utilização comercial de espécies de café silvestres “pode beneficiar a sua sobrevivência, pois as espécies mais valorizadas são frequentemente prioridades mais óbvias para a conservação”.

“Na Etiópia, a cafeicultura está sendo usada para preservar as populações silvestres do café arábica”, cita o cientista, se lembrando de projetos de conservação como o Yayu, cujo modelo consiste em melhorar a qualidade do café para que o valor pago aos agricultores seja maior – com isso, há incentivo real para manter as áreas naturais de cultivo.

Em tempos de forte descrença política aos efeitos do aquecimento global, Davis aproveita para fazer um alerta que não se restringe somente ao cafezinho nosso de cada dia.

“Esta questão se estende a todas as nossas espécies de plantas silvestres, especialmente àquelas que desempenham um papel crítico na sustentabilidade do futuro do nosso planeta e no bem-estar de seus habitantes”, pontua.

Fonte: G1



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