ntegrar os elos da cadeia produtiva da carne é um dos grandes desafios para que processos de inovação se consolidem no mercado agro do Brasil. Uma modelagem de rede acaba de ser entregue ao setor produtivo pela Rama (Rede de Manufatura Avançada para o Agronegócio), em um processo iniciado em 2015 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A Rama tem a participação do ministério, da Embrapa, da Fundação Certi e do CNPq.
Para potencializar essa integração da cadeia da carne, tecnologias inovadoras e habilitadoras da indústria 4.0 foram apresentadas nesta terça-feira (10) no espaço Onono Basf, em São Paulo, onde representantes de frigoríficos, universidades, Embrapa, Fundação Certi, startups e investidores se reuniram para discutir o gado de corte 4.0.
A Fundação Certi (Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras) tem sede em Florianópolis (SC) e organizou o encontro. Bianca Amorim, doutoranda em administração e bolsista da Certi, apresentou as três linhas temáticas que serviram como desafios para as startups lançarem propostas que pudessem integrar a cadeia. Essas linhas foram: integração e capacitação; conservação; segurança e sanidade.
Ela pesquisou cada uma dessas linhas, fez análise de referências, levantou tecnologias aplicadas no Brasil e no mundo e traçou passos para roadmaps de ações a curto, médio e longo prazos. No campo da integração e capacitação, por exemplo, indicou que os atores da cadeia já não têm tanta paciência para a leitura de longos artigos científicos e sugeriu que o conhecimento seja transmitido por meio de ‘pílulas’, com experiências mais lúdicas e programas contínuos. A orientação serve para produtores de carne, trabalhadores da cadeia produtiva e consumidores.
Após as intervenções de Bianca para cada linha temática, 11 startups apresentaram seus pitches aos integrantes da cadeia da carne, que elegeram as melhores propostas. A vencedora, da startup Neoprospecta, apresentada por Rafael de Oliveira, sugeriu a “Detecção de presença e tipo de biofilmes por smartphone”. Biofilmes são um conjunto de microrganismos que aderem a uma superfície. Se essa formação ocorrer em locais onde alimentos são manipulados, há riscos de contaminação e, por consequência, da ocorrência de doenças de origem alimentar.
Rafael fez seu doutorado sobre microbiologia na Nasa.
Ele pesquisou bactérias que poderiam se desenvolver em outros planetas. “A gente propõe o uso de smartphone e lente microscópica acoplável. Vamos criar um banco de biofilmes, tirar fotos e sequenciar o DNA deles, correlacionando imagem com espécies bacterianas. Com isso, o produtor vai ter uma identificação em tempo real dos biofilmes, onde eles estão, que espécies estão lá e qual seria o método mais recomendado de sanitização para a remoção daquele tipo de biofilme.”
Automaticamente, a Neoprospecta está classificada para a rodada de 2020 do programa Pontes para a Inovação da Embrapa, uma iniciativa que aproxima investidores e startups com foco no desenvolvimento de tecnologias para o agronegócio. O evento acontecerá em fevereiro.
ALERTAS
O evento Gado de Corte 4.0 buscou uma ação inovadora para a cadeia do gado de corte no Brasil a partir de demandas reais levantadas com empresas da cadeia. De acordo com André Meira de Oliveira, da Fundação Certi, mais de 13 frigoríficos foram visitados durante esse levantamento. Representantes do Frigol e do Zimmer acompanharam os pitches e depois se reuniram com integrantes do setor.
Na segunda e na terça, durante a programação, foram realizadas palestras que ajudaram a subsidiar as startups na formatação das propostas. Uma delas, do pesquisador Guilherme Cunha Malafaia, da Embrapa Gado de Corte, abordou os desafios digitais para a pecuária.
O pesquisador mostrou informações sobre a produção e exportação de carne brasileira.
“A produtividade vem aumentando e a área ocupada pela pecuária está diminuindo. A maior parte da produção é a pasto e apenas 12% são terminados em confinamentos. Apenas 20% da nossa produção é exportada e, mesmo assim, somos os maiores exportadores do produto”, disse ele.
O consultor uruguaio Juan Ignacio Villar apresentou o modelo daquele país, que investe na produção de carne gourmet. Ele recomendou que a cadeia se fortaleça e trabalhe junta para promover a carne brasileira. O Uruguai tem uma população de 3,3 milhões de habitantes, 12 milhões de bovinos e 8 milhões de ovinos. O consumo per capita de carne ao ano chega a 60 quilos. A receita obtida com a exportação do produto é estimada em US$ 1,8 bilhão por ano. A organização da cadeia produtiva do país explica esse sucesso.
Outra palestra apresentada no evento foi do consultor Sílvio César de Souza, da SCS Agronegócios. Ele apontou tendências para o mercado da carne, abordando desde mudanças no perfil dos consumidores até oportunidades como originação, marcas próprias, certificações e compliance.
“O que se vê é um mercado cada vez mais segmentado, com jovens querendo experimentar algo diferente e a necessidade de ampliar o mix de produtos para atender a esse público”, afirmou.
Segundo Sílvio, estão em expansão os serviços de delivery de alimentos, as boutiques de carne, os mercados autônomos (totalmente informatizados, sem presença de funcionários) e os eventos de grupos que promovem a carne e orientam seu preparo por meio das redes sociais.
“Também se tornam mais comuns as embalagens ativas, que interagem com os alimentos – embora ainda tenham um custo alto. O mercado começa a exigir ainda o ciclo de logística reversa para embalagens”, disse.
Outras palestras abordaram a transformação digital da cadeia do gado de corte, perspectiva dos investidores em startups, mapeamento das startups que inovam no agro e as barreiras técnicas internacionais relacionadas à sanidade.
FOMENTO
O Gado de Corte 4.0 teve ainda a mesa-redonda “Políticas e fomento no Agro 4.0”, com a participação de Cristina Uechi, do MCTIC, André Oliveira, da Certi, e Daniel Trento do Nascimento, secretário de Inovação e Negócios da Embrapa.
Cristina fez um retrospecto de todo o processo que culminou com o evento. Explicou que há cerca de quatro anos o ministério passou a ser muito demandado pela iniciativa privada para o fomento da indústria 4.0 e que a Fundação Certi foi contratada para o desenvolvimento desse projeto piloto.
Daniel Trento contou que a Embrapa sugeriu o trabalho com a cadeia da carne por se tratar de uma das mais desafiadoras do país.
“O resultado de todos esses anos de trabalho foi a modelagem da rede de integração. Espero que seja um começo e que o setor realmente se envolva. A sequência da rede depende agora da própria cadeia da carne. Para a Embrapa valeu muito a pena participar desse processo porque essa modelagem será utilizada para outras cadeias”, afirmou o secretário.
Cristina disse que todo o processo foi planejado pensando na autonomia do setor.
“Estamos agora em um momento de inflexão. O setor público não tem como continuar sendo o único apoiador e deve atuar a partir de agora como articulador. Esse trabalho foi feito para o setor produtivo e os resultados precisavam ser muito atrativos para atrair os atores da cadeia.”
Com a finalização do projeto, a ideia é que frigoríficos, produtores, cientistas, startups, investidores e outros elos da cadeia se apropriem dos resultados para tornar a carne brasileira mais competitiva.
“Cabe ao setor produtivo alavancar essa indústria nacional. Não podemos perder essa oportunidade de integrar o setor. O momento é para mudar de patamar e encaminharmos os problemas juntos”, concluiu Cristina.
Participaram do evento representantes da SIN (Secretaria de Inovação e Negócios), Embrapa Gado de Corte (Campo Grande-MS), Embrapa Pecuária Sudeste e Embrapa Instrumentação (São Carlos-SP), Embrapa Soja (Londrina-PR) e Embrapa Agroindústria de Alimentos (Rio de Janeiro-RJ).
Fonte: Embrapa