O ano-safra 2019/2020 começa nesta segunda-feira (1º) com os produtores rurais preocupados com o comportamento do dólar durante a temporada. A moeda americana é ferramenta fundamental para o setor: ela define se o agricultor terá lucro ou não ao final do ciclo.
Segundo analistas e produtores ouvidos pelo G1, com o dólar alto frente ao real, o preço pago pelo cultivo, que é referenciado pela moeda estrangeira, está em baixa. E o custo de produção, que também se baseia no dólar, está alto, deixando uma margem de lucro apertada ou, em alguns casos, até mesmo prejuízo para os empresários do campo.
Outro ponto de atenção a partir de agora é o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, anunciado na sexta-feira (28). O agronegócio foi um dos setores beneficiados com a negociação, mas ainda não há definição sobre quando o pacto começa a valer e o tamanho do impacto.
Este período é marcado pelo planejamento das culturas de verão, como soja e milho, que estão entre as maiores do país, e pelo início da negociação de outras, como café, algodão e cana-de-açúcar. Nesta fase, os agricultores criam expectativas, projetam o quanto vão investir na produção e o retorno esperado.
A partir desta segunda, eles podem acessar o crédito rural subsidiado pelo governo federal nos bancos. O recurso, anunciado no lançamento do Plano Safra, há duas semanas, serve para ajudar a pagar os investimentos na temporada.
O valor disponível para financiamentos é de R$ 222 bilhões, mesmo número do último ciclo.
Competitividade em xeque
A temporada 2018/19 deve ter a maior safra de grãos da história (328,9 milhões de toneladas). A que começa agora tem como desafio elevar este patamar e continuar sendo uma das alavancas do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Mas o dólar tem sido mais um problema do que uma solução para o setor.
Dependentes da moeda americana para comprar os principais insumos para a produção, como fertilizantes, os agricultores enfrentam a diferença entre a moeda americana e o real como um problema de competitividade com o maior concorrente no mercado mundial: os Estados Unidos.
Com desvantagem no câmbio, o setor reclama que o preço que os agricultores estão recebendo pelos produtos estão em queda no mercado internacional, que também é remunerado em dólar.
“O produtor tem um custo alto e tem dificuldades para ser competitivo. Não sabemos quanto vai ser o dólar [no início da safra] e isso interfere no custo. Porque não sabemos depois, na [hora de vender a] safra, se o dólar vai estar baixo”, explica Bartolomeu Braz, presidente da associação dos produtores de soja (Aprosoja).
Para o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito, o dólar tende a ser mais previsível do que em outras safras, mas ainda em um patamar elevado.
A previsão dele é de que a moeda americana termine o ano valendo por volta de R$ 4,05 e que tenha um valor parecido no primeiro semestre de 2020.
Já o relatório “Focus” do Banco Central, pesquisa que reúne economistas de diversas instituições financeiras, estima a moeda americana em R$ 3,80 tanto em 2019 como no próximo ano.
O diretor de commodities da consultoria INTL FCStone, Glauco Monte, no entanto, acredita que, mesmo com o dólar alto para a compra de insumos, a recuperação dos preços no mercado internacional junto com a moeda americana valorizada pode oferecer mais renda aos agricultores.
“No geral, eu vejo uma safra 2019/20 melhor que quando projetamos a 2018/19. Temos o câmbio em um patamar relativamente alto, o que é uma vantagem. Existem os custos, mas, no geral, o cenário é bem positivo, de recuperação de preços para as principais culturas”, afirma.
Alternativas para não ficar ‘no vermelho’
Sem a certeza de que o investimento vai ter retorno, o cenário é de cautela entre as principais culturas. No caso da soja, principal produto de exportação do Brasil, os agricultores estão com pouco recurso para investir.
Segundo a Aprosoja, eles estão optando pela troca da produção da futura safra por insumos (conhecida como “barter”) em vez de ir atrás de financiamentos bancários.
No segmento do café, após a colheita recorde em 2018 e, consequentemente, os preços baixos no mercado, os produtores vão usar os recursos do Plano Safra para ajudar a retirar do mercado cerca de 10 milhões de sacas de 60 kg por meio de uma penhora, chamada de “ordenamento da oferta”.
Eles deixam o café em estoques de cooperativas cadastradas no programa e recebem o valor de mercado no momento da entrega. Se os preços subirem, o agricultor tem a opção de devolver o dinheiro, retirar o produto e vender normalmente no mercado.
Essa medida, segundo o Conselho Nacional do Café (CNC), ajuda a equilibrar os preços.
Já os produtores de milho estão com dificuldades para financiar a produção e vão precisar utilizar mais as linhas de financiamento do que em outros anos.
A Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho) aponta que, em 2017, cerca de 40% dos agricultores tinham capital próprio para iniciar a safra. Nesta temporada, apenas são 19%.
No setor do algodão, a possibilidade de o produtor dar apenas uma parte da propriedade como garantia bancária para financiamentos, novidade deste Plano Safra, juntamente com a possibilidade de captar recursos em dólar, podem estimular mais investimentos nas propriedades, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa).
Nova safra, velhos problemas
O ciclo agrícola é novo, mas problemas antigos ainda incomodam as principais cadeias produtivas do agronegócio. Lideram as reclamações as condições das estradas brasileiras, especialmente no Centro-Oeste.
Outro entrave apontado pelos setores é o tabelamento do frete rodoviário.
“A infraestrutura logística impacta diretamente [no agronegócio], precisamos de ferrovias, hidrovias, precisamos construir mais modais porque temos uma logística problemática. Outro problema é o tabelamento do frete, que está tirando a competitividade do produtor”, critica Braz, da Aprosoja.
A reclamação do setor do milho é a burocracia para acessar o crédito rural subsidiado pelo governo que, segundo os produtores, continua ano após ano.
“O crédito [do Plano Safra] está barato, mas demora para chegar porque o produtor demora um mês, às vezes até mais, para conseguir acessar o crédito, deviam ter lançado [o plano] bem antes [de 1º de julho]”, afirma Glauber Silveira, vice-presidente da Abramilho.
Por que o ano-safra começa em julho?
O dia 1º de julho foi escolhido para o início do ano-safra em 1990, quando foi lançado o primeiro Plano Safra, chamado à época de “Diretrizes do Governo para Modernizar a Agricultura”.
O nome atual foi oficializado em 1992.
O ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura Benedito Rosa explica que o governo escolheu essa data porque quase toda a produção agrícola do país estava concentrada no segundo semestre.
“Era uma forma de o governo garantir apoio financeiro para quem estava iniciando a safra e, depois, ajudava com recursos para a comercialização da produção [no primeiro semestre]”, conta.
Ele acredita que o calendário implementado na década de 1990 não está atualizado com a produção rural brasileira dos anos 2010.
“Antigamente, isso fazia sentido, mas agora temos produção o ano todo: uma, duas, três safras… acredito que esse calendário já não faça mais sentido”, diz Rosa.
Fonte: G1