Os bovinos não são nativos do Brasil. Na época do descobrimento, o maior mamífero que existia por aqui eram as antas. Logo os colonizadores trouxeram touros e vacas – tipos ibéricos destinados à tração. Esse extrativismo sobreviveria por três séculos, sendo de vez em quando pontilhado por importações de gado taurino mais especializado.
Nessa toada, onde nada mais parecia acontecer, surgiu um fato novo: a introdução de gado zebu. É difícil imaginar o que levou os pioneiros das importações de gado zebu a tomar essa decisão em meados do século XIX. O país de origem desse gado, a Índia, não tinha notoriedade na pecuária e os zebuínos não haviam sido explorados em nenhum outro país. Mesmo sem referenciais, entre 1870 e 1875, alguns visionários realizaram as primeiras importações intencionais de gado zebu.
Era o início de uma revolução na bovinocultura tropical. Segundo as melhores estimativas, não mais que 7 mil exemplares de zebu vieram da Índia, um número extremamente reduzido se comparado às importações de taurinos, que ultrapassam facilmente 1 milhão de animais. A partir desse núcleo, o rebanho brasileiro atual, de 212 milhões de cabeças, apresenta 80% de genes zebuínos, o que demonstra o poder de adaptação do zebu no país. A multiplicação do zebu no Brasil gerou a necessidade de sistematizar a seleção das raças. Foi assim que nasceu o Herd Book Zebu (HBZ), em 1919, fornecendo garantia de pureza racial sob uma forma rudimentar de registro genealógico. Em 1938, o HBZ é encampado pela SRTM (Sociedade Rural do Triângulo Mineiro), já em caráter oficial pelo Ministério da Agricultura. Em 1967, a SRTM é sucedida pela atual Associação Brasileira dos Criadores de Zebu, refletindo no próprio nome sua atuação nacional.
Este ano, o registro genealógico das raças zebuínas completa 80 anos de oficialidade. São mais de 20 gerações de bovinos sob seleção e mais de 12 milhões de animais registrados. Evoluímos, sim, mas em termos de bovinos ainda é um tempo relativamente curto para assertivas. Ao longo destes 80 anos, os critérios de seleção mudaram, mas sempre estiveram ancorados na observância dos padrões raciais, que é o que garante a uniformidade das gerações futuras. No início, tivemos uma fase marcada pela afirmação dos tipos raciais: o que era um nelore, um guzerá ou um gir? Esses animais ainda eram tipos exóticos no país e, obviamente, desconhecidos.
Definidas as raças, uma segunda fase se inicia nos anos 1960, com forte apelo para a seleção de animais pesados, uma busca frenética por exemplares com mais de 1 tonelada. Paralelamente, a introdução das brachiarias viabilizaram a exploração econômica do Cerrado, propiciando um aumento significativo do rebanho.
Final dos anos 1970, e adicionamos outro critério à seleção, além do peso: o tamanho. O objetivo? Animais grandes e pesados, sem muita preocupação com a precocidade. A pecuária se sustentava em um modelo especulativo e o giro de capital não era uma preocupação. Esse conceito durou até que as especulações perderam espaço. A estabilização da economia, já nos anos 1990, recomendava uma pecuária em que os recursos precisavam ser otimizados. Os ganhos viriam do trabalho, e não das cirandas financeiras. Esse cenário determinou a inclusão da precocidade, tanto sexual quanto de acabamento, na seleção.
Produzir mais, consumindo menos e em menor tempo, tornou-se obrigatório. Hoje ingressamos na era da genômica, mas o que torna a história do zebu interessante é que, mesmo flutuando ao sabor das diferentes abordagens ao longo do tempo, existe um longo fio de DNA que conecta o primeiro e o último animal dessa saga, garantido pelos 80 anos do registro genealógico. É a perenidade das raças.
Fonte: Globo Rural