No maior produtor de grãos do país, a plantadeira não soube o que é descanso em novembro e produtor foi obrigado a fazer às vezes de velocista. Não à toa, o Mato Grosso semeou, em um único mês, boa parte dos seus 9,41 milhões de hectares dedicados à soja.
O estado não fugiu ao roteiro de chuvas abaixo da média antes do plantio. Na verdade, por lá, a situação foi até mais grave que no Sul do país, já que a seca durou praticamente até o fim de outubro. O resultado é que do dia 20 daquele mês até o dia 24 de novembro, o percentual de área semeada avançou impressionantes 70,3%, saltando de 25,8% para 96,1%.
O gestor técnico do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), Ângelo Ozelame, salienta que, apesar da concentração do plantio em novembro, o fechamento dos trabalhos de campo ficou dentro da média histórica.
- A semeadura atrasou em relação ao ano passado, mas está dentro da média, frisa. Não foi uma falta de chuva generalizada. O que ocorreu foi uma distribuição não tão uniforme quanto na safra passada, que foi espetacular.-
Segundo ele, as regiões mais afetadas foram o Médio Norte e o Nordeste de Mato Grosso, além de uma parte do Sul do estado.
- Mas nada de alarmante, por enquanto – destaca Ângelo.
E o “por enquanto” do gestor dá o tom do que tem sido o sentimento geral quanto à safra 2017/18. Nos últimos dois ciclos, os produtores mato-grossenses saíram de uma realidade de quebra climática para a maior colheita de todos os tempos na região.
Por isso, toda precaução é pouca na hora de falar de expectativas.
- O plantio atrasou um pouquinho, mas o desenvolvimento da soja está bom. Por mais que a chuva tenha demorado, agora ela regularizou – conta Lucas Schwengber, engenheiro agrônomo da paranaense C. Vale em Nova Mutum, no Médio Norte mato-grossense. – O tempo está correndo bem, temos precipitação, boa luminosidade. As condições estão muito boas. -
Ou seja, expectativa de safra cheia, certo? Depende.
- A não ser que a gente tenha uma frustração mais à frente – pondera Lucas.
Ao todo, a C.Vale atende 420 mil hectares entre Nova Mutum e Novo Horizonte. O engenheiro agrônomo acredita que as produtividades ultrapassem 60 sacas por hectare na região, mais do que as 54,1 sacas/ha da média estadual, porém um pouco abaixo do resultado de 2016/17.
- A média também passou de 60 sacas, mas teve produtor colhendo mais de 70 sacas/ha. O produtor tem escolhido materiais mais precoces, que talvez não tenham o mesmo desempenho que teriam se o plantio fosse no começo de outubro – pontua.
Fora isso, assim como no vizinho Mato Grosso do Sul, a concentração da colheita em uma janela curta de tempo preocupa por dois motivos: um agronômico, o outro logístico.
- A concentração da safra está desenhada. Essa produção vai sair do campo muito rápido. O que preocupa são intempéries no momento da colheita, salienta Lucas. E se a soja vem seca do campo, é fácil terminar a secagem no armazém e guardar. Agora, com umidade acima de 20%, o processo é mais moroso, acumula muita soja e não conseguimos ter desenvolvimento no recebimento. -
Em linha, Ângelo Ozelame ressalta que o momento é de cautela, mas principalmente pelas condições de preço e mercado, e não do campo, que tem se recuperado.
- No Mato Grosso, temos expectativa de bastante chuva, o que é bom, só não pode ter excesso na colheita. Mas a grande quantidade de chuva agora é um bom indicativo, diz. Com 54,1 sc/ha e a área mantida em relação à safra passada, devemos colher 30,6 milhões de toneladas. É uma produção grande. Não é a do ano passado, mas é muito grande. -
Venda antecipada
Não é só com relação ao clima que o produtor de Mato Grosso anda desconfiado. O mercado também não empolga. Hoje, dos 30,6 milhões de toneladas estimados pelo Imea, cerca de 40% foram comercializados.
- É um número interessante, porém, praticamente 10% abaixo do ano passado, que tinha melhores preços – comenta Ângelo Ozelame. – Esse ano o preço não está bom. Para os contratos de março de 2018, a média no estado é de R$ 58 a saca. Em 2016, eram R$ 67/saca. A diferença é boa. -
Aí, a solução é esperar. E apostar.
- O produtor especula muito o mercado. Há notícias circulando de que o Norte da Argentina e o Sul do Paraguai têm uma seca de mais de 20 dias, que vai ter queda na produção e aumentar o preço – explica o engenheiro agrônomo da C. Vale, Lucas Schwengber. – E ele espera também porque o custo maior. Na safra passada, os insumos foram reposicionados para uma realidade de produção alta e preço bom. Mas o preço caiu rápido e os insumos não acompanharam essa velocidade. Hoje, ele precisaria de R$ 60/saca líquidos para pagar o custo. -
Safrinha golpeada
Depois de inundar o Brasil com milho na temporada 2016/17, Mato Grosso colocou o pé no freio quando o assunto é o cereal. Maior produtor do país – e contando apenas com a safrinha –, o estado deve reduzir em mais de 10% a área semeada com milho, fechando em 4,25 milhões de hectares. No entanto, há regiões em que o cultivo está ainda mais desestimulado. Em Nova Mutum, por exemplo, a queda de área esperada é de até 30%. Além disso, pesa o calendário “estrangulado” pelo atraso na campanha de verão.
- Quando pegamos a janela de semeadura da soja e projetamos para o milho safrinha, temos que 72% da safra podem entrar na janela ideal. No ano passado, eram 92% e no ano retrasado 65% – diz Ângelo Ozelame. – A produtividade também está mais moderada devido a riscos climáticos, com mais milho fora da janela ideal. Estimamos 97 sacas por hectare, uma queda de 9,3%. Com isso, devemos chegar a 24,7 milhões de toneladas, contra 30 milhões ano passado. -
Como curiosidade, tanto no ciclo 2014/15 – que foi de boa colheita – quanto no 2015/16, ano da quebra climática, o percentual de milho na janela ideal era idêntico: 65%. Nesses dias, não tem sido nada fácil escolher onde colocar as fichas em Mato Grosso.
Fonte: Gazeta do Povo