Atravessar a rodovia BR-116 de Vitória da Conquista, na Bahia, até Itaobim, município localizado na parte média doVale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais, é contemplar uma paisagem semiárida composta por montanhas exuberantes e a vida simples no campo.
Apesar da seca e das dificuldades logísticas, a agricultura familiarprospera. Isso porque as famílias de agricultores da região estão formando parcerias e, com assistência técnica e de gestão, têm acesso a um mercado institucional de R$ 825 milhões por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).
O valor corresponde à verba mínima de 30% repassada às 19 prefeituras da região para aquisição de alimentos da agricultura familiar. Neste ano, o Pnae vai injetar R$ 3,8 bilhões, e a agricultura familiar do país poderá abocanhar R$ 1,14 bilhão.
José Demerval de Avelar Júnior, de 34 anos, é um dos agricultores familiares que aderiram ao programa. Há dois anos, fornece maracujá, melancia, mandioca, milho, quiabo, abóbora, tomate, cenoura, beterraba e feijão para a merenda de seis escolas estaduais e 12 municipais da pequena Itaobim, município com pouco mais de 20 mil habitantes.
Ele conta que o maior desafio, além da estiagem, sempre foi a comercialização da produção. Hoje, isso não é mais problema, diz ele, que semanalmente entrega cerca de 2.200 quilos de alimentos no galpão de armazenagem das secretarias de Educação.
No orçamento familiar, de acordo com a esposa, Kélia Gusmão de Avelar, de 34 anos, isso representa uma receita mensal de pelo menos R$ 5 mil.
- Quando as vendas eram realizadas em feiras livres, nossa renda não atingia R$ 2 mil – diz Kélia. – Antes de entrar para o Pnae, não tínhamos controle da produção e tampouco noção do que fazíamos – afirmou.
O casal lembra que foi com o apoio de técnicos da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) que eles aprenderam, por exemplo, o que são planilhas, a fim de acompanhar a rotatividade de culturas e calcular o custo de produção.
Atualmente debruçados sobre um projeto de expansão da lavoura, Kélia e Avelar Júnior programam investir R$ 400 mil. A proposta é também expandir a comercialização para outros municípios da região. Para isso, é claro, ele conta com o empenho de toda a família, que também é composta pelos dois filhos, Ana Luiza, de 10 anos, e José Henrique, de 7, além dos sogros e três cunhados.
Muita conversa
Com mão de obra familiar e custo de produção praticamente zero, já que o adubo é produzido em casa, a família projetou ampliar a área cultivada de 6 para 20 hectares. Na propriedade rural, que possui 40 hectares, os Avelar também pretendem plantar banana. A verba para isso, segundo eles, virá por meio do Programa Nacional do Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Mas, para atingir esse patamar de organização e planejamento, vão-se dezenas de visitas técnicas, muita conversa e, especialmente, cursos de capacitação. Galvão Borel Emerick, agente regional do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-MG), diz que o maior desafio é convencer O agricultor.
- Mas, depois que eles entendem que o nosso objetivo é ajudar a melhorar a renda, participar de cursos se torna rotina – diz ele.
Após convencer os agricultores familiares a se profissionalizar, o Sebrae-MG, em parceria com a Emater, realiza seminários sobre técnicas de convivência com a seca, como explorar o mercado institucional, além da gestão da produção e da propriedade rural.
- Normalmente, os agricultores familiares não sabem como vender nem quanto lucram – diz Eme-rick. Em Itaobim e região, 250 famílias de agricultores foram capacitadas neste ano. No Estado mineiro, foram quase 2 mil.
Outro agricultor familiar que aprendeu com as parcerias foi Amadeu Mendes Braga, de Santana do Araçuaí, município de Ponto dos Volantes, a 22 quilômetros de Itaobim. Com os pés fincados na terra desde criança, Braga, de 63 anos, diz nunca ter vivido um cenário de tanto desenvolvimento no campo.
Ele lembra que houve uma época em que o artesanato era a garantia de renda.
- A lavoura era apenas de subsistência – diz o filho da artesã Izabel Mendes da Cunha, que ficou conhecida como a Bonequeira do Vale do Jequitinhonha.
A queda nas vendas de artesanato, há cinco anos, levou o agricultor a apostar na lavoura. No primeiro ano, a produção de laranja, tangerina e carambola, que ele ainda cultiva em quase 1 hectare, garantia uma renda mensal de R$ 600. Atualmente, com as vendas de 400 quilos de cada fruta, a R$ 2 por quilo, o agricultor tem uma renda mensal de R$ 2.400.
Como ocorre em todas as propriedades familiares da região, ele mesmo produz o adubo e, na lavoura, conta com um ajudante geral, pelo qual ele desembolsa mensalmente R$ 980, a uma diária de R$ 35.
Para Lucianara Vieira, gerente regional da Emater em Almenara, a participação da agricultura familiar no canal de comercialização do Pnae é uma oportunidade para desencadear nos municípios uma nova dinâmica que extrapola as questões de compra e venda de alimentos.
- O programa torna os agricultores aptos a acessar outros canais de comercialização, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – diz Lucia-nara. Em 2014, a Emater-MG atendeu mais de 16 mil agricultores familiares, sendo quase 6 mil nos municípios do médio Jequitinhonha.
Política sexagenária
Marcelo Piccin, diretor de geração de renda da Secretaria de Agricultura Familiar (SAF), do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), explica que o Pnae, uma das políticas públicas mais consolidadas no país, completou 60 anos em 2015.
- A demanda escolar brasileira por alimentos ultrapassa, por exemplo, a população da Argentina (de 40 milhões de habitantes). No Brasil, são quase 60 milhões de estudantes nas escolas públicas – diz Piccin.
Sara Souto Lopes, da Divisão de Agricultura Familiar da Coordenação da Alimentação Escolar, do FNDE, órgão responsável pelo repasse de verba do Pnae às secretarias de Educação municipal e estadual, considera necessárias mais ações das prefeituras para aumentar a adesão da agricultura familiar, posto que o processo de participação é por meio de chamada pública.
- Não há licitação. A chamada pública é uma modalidade de comercialização menos burocrática – diz Sara.
- Embora a adesão venha crescendo, ainda não atingimos nossa meta de 30% de repasse à agricultura familiar – diz ela.
Em 2014, o FNDE repassou cerca de R$ 1 bilhão, mas foram registradas vendas de apenas R$ 710 milhões. Em 2010, primeiro ano de obrigação dos 30%, foram destinados apenas R$ 150 milhões. Em 2011, foram R$ 235 milhões; no ano seguinte, R$ 367 milhões. Em 2013, R$ 580 milhões.
É de olho nessa verba que a prefeitura de Ponto dos Volantes está oferecendo, sem custos, 20 hectares para cultivo, trator, insumo, assistência técnica e até sementes. Segundo o prefeito Cândido Ferraz (PSDB), a intenção é aumentar a produção local e investir 80% do recurso do Pnae na agricultura familiar.
Gabriel Nunes Borges é um dos 26 agricultores que participam do programa no município. Acompanhado pela esposa, Aurentina Vitória da Conceição, o agricultor fornece, há quatro anos, mandioca, milho e hortaliças às escolas de Santana do Araçuaí.
Na propriedade, com 32 hectares, ele planeja faturar, anualmente, R$ 20 mil com o Pnae. Para isso, vai dobrar a produção. Hoje, em 1 hectare, o agricultor colhe 600 quilos de milho e 2.500 quilos de mandioca por safra, além das hortaliças. Todo final de mês ele recebe quase R$ 2 mil.
- Agora, vou investir R$ 5 mil na compra de uma roda d’água para puxar água do Rio São João e melhorar a irrigação – diz o agricultor. – Quero crescer e continuar abraçando todas as oportunidades que o vale pode oferecer – concluiu.
Fonte: Revista Globo Rural