Sensores inteligentes, modelos computacionais, avaliação de técnicas e equipamentos de pulverização são alguns dos resultados obtidos pela mais abrangente pesquisa realizada em rede no País sobre aplicação de defensivos agrícolas. O trabalho produziu modelos a serem adotados em diferentes regiões e culturas e gerou um amplo banco de dados sobre a pulverização agrícola nacional. Durante quatro anos, equipes de cientistas se debruçaram sobre o tema para identificar e apontar estratégias e tecnologias aéreas e terrestres para o controle de pragas.
O projeto “Desenvolvimento da aplicação aérea de agrotóxicos como estratégia de controle de pragas agrícolas de interesse nacional” integrou sete centros de pesquisa da Embrapa, o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola (Sindag), dez universidades, duas empresas de consultoria e tecnologias de aplicação e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A proposta teve entre seus principais objetivos reduzir a deriva, aplicação que não atinge seu alvo. Para isso, buscou técnicas e equipamentos para melhorar a eficiência da aplicação de defensivos no combate a pragas das principais cadeias produtivas para a segurança alimentar e energética: soja, arroz, laranja e cana-de-açúcar e abrangeu quatro regiões do País: Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. As culturas foram selecionadas de acordo com a importância econômica e social para o País e pelos desafios que representaram para a pesquisa.
O esforço, que contou com recursos financeiros da Embrapa, do Sindag, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre outros parceiros, resultou na elaboração de recomendações técnicas, desenvolvimento de novos métodos, sensores e adaptação de tecnologias, tanto para o uso de produtos químicos como biológicos.
A adoção de estratégias como essas contribui para aplicações mais eficientes, com menores impactos de contaminação do meio ambiente e das pessoas, podendo ainda reduzir o percentual de destruição da produção agrícola por ataques de pragas e outros patógenos, estimado entre 10% e 40% no mundo.
Redução da deriva alcança 79%
O estudo, realizado em culturas de soja e cana-de-açúcar com o uso de atomizadores rotativos, observou que é possível reduzir em 79% – em média – a deriva, com o emprego dos equipamentos adequados e sua regulagem.
De acordo com os pesquisadores da Embrapa Meio Ambiente (SP), Robson Rolland Monticelli Barizon e da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), João Paulo Arantes Rodrigues da Cunha, assim é possível manter a alta a eficiência de controle do complexo de lagartas (Anticarsia gemmatalis e Pseudoplusia includens) e de percevejos (Euschistus heros, Nezara viridula e Scaptocoris castanea). Os atomizadores geram níveis menores de deriva em relação aos bicos hidráulicos ajustáveis, comparando-se a eficácia dos tratamentos no combate a essas pragas.
Barizon explica que na ausência desse controle, podem ocorrer grandes prejuízos na produtividade esperada. “Nesse processo, frequentemente é dada maior importância ao produto a ser utilizado, e menor importância à forma de utilização”, relata. “No entanto, para o sucesso da operação, é necessário dominar a forma adequada de aplicação, de modo a garantir que o produto alcance o alvo de forma eficiente, minimizando as perdas e reduzindo a contaminação do ambiente”, recomenda o cientista.
Esse método foi validado em experimentos conduzidos em área comercial de produção de grãos, localizada em Minas Gerais. No Paraná, pesquisadores também estudaram dois sistemas de tecnologia de aplicação de agrotóxicos – terrestre e aérea – para o controle de plantas daninhas, pragas e doenças na cultura da soja. Mais detalhes desse experimento podem ser obtidos nessa matéria.
O pesquisador da Embrapa Soja (PR) Rafael Soares avaliou ainda o impacto e a eficiência do inseticida químico clorantraniliprole, em aplicação aérea e terrestre para o controle da lagarta-falsa-medideira em soja (Chrysodeixis includens). A partir dos resultados obtidos com o estudo realizado no Paraná, Soares observou que as melhores eficiências de controle foram com aplicação tratorizada e aérea com atomizador rotativo.
“É importante destacar que foram avaliadas lagartas de segundo instar, uma fase em que habitualmente as lagartas são mais suscetíveis aos inseticidas”, afirmou o pesquisador.
A pesquisa mostrou que praticamente não houve diferença entre o sistema terrestre e o aéreo na aplicação de defensivos para o controle da lagarta. Entretanto, a aplicação terrestre utilizou um volume maior de calda e a aplicação aérea permitiu cobertura de área maior. A eficiência observada no controle de praga foi quase a mesma.
Dosagem correta para controle de pragas
O estudo elaborou um novo método para avaliar a quantidade de produto biológico a ser aplicado no controle de cigarrinhas-da-raiz (Mahanarva fimbiolata, M. liturata e M. spectabilis são as espécies atualmente conhecidas) na cana-de-açúcar, uma das principais pragas que se hospeda na base da planta e gera perdas de 30% a 40%, caso não seja reprimida.
A pesquisa observou que tanto a adoção de inseticida biológico como químico são eficientes para o controle dessa praga, ajustando-se apenas a quantidade do fungo Metarhizium anisopliae aplicado. Uma alteração na dosagem de 8kg para 10 kg por hectare de micoinseticida granulado e de 20L para 30L por hectare na formulação líquida trouxeram resultados positivos, com 100% do alvo atingido, além de permitir maiores produtividades.
Embora a formulação granulada do fungo seja uma das mais utilizadas em canaviais do Brasil, não havia até então um método que viabilizasse a quantidade adequada de produto e seu tempo de vida para as bases das plantas de cana quando aplicado por avião agrícola. Para o pesquisador da Embrapa Cerrados (DF) Roberto Teixeira, o resultado inovador é um diferencial para o controle dessa praga na cana-de-açúcar utilizando controle biológico e aviação agrícola (leia a matéria completa sobre esse trabalho).
Modelos dão suporte à decisão
A rede de pesquisa – conduzida no âmbito da Redagro, voltada para aplicação aérea de agrotóxicos – também desenvolveu modelagem matemática avançada para sistemas de injeção direta de produtos químicos. Os cientistas desenvolveram ainda um novo método para avaliar o sistema hidráulico e a queda de pressão nas barras onde estão instalados os bicos de pulverização.
O pesquisador e coordenador da Redagro, Paulo Cruvinel, explica que a Embrapa Instrumentação (SP) desenvolveu métodos e sensores para melhorar a qualidade da aplicação e, consequentemente, minimizar problemas de deriva.
Os cientistas criaram modelos de auxílio à decisão por computador para subsidiar a avaliação de processos de pulverização nas culturas de soja e cana-de-açúcar. O sistema apresenta ao produtor o diâmetro médio das gotas e os ângulos dos bicos pulverizadores que devem ser utilizados.
“Nesse caso, é preciso fornecer ao modelo informações sobre características dos bicos, o produto a ser pulverizado, as condições de pressão e fluxo de operação, a velocidade das aeronaves, sua distância em relação ao alvo e a taxa de aplicação”, detalha Cruvinel.
Para o cientista, a pesquisa em rede é um modo de potencializar as ações, envolvendo diferentes competências.
“Essa experiência em rede tem sido bastante enriquecedora e vai contribuir para o desenvolvimento de soluções adequadas para amenizar os problemas da aplicação de defensivos”, diz o professor do Departamento de Tecnologia de Aplicação da Universidade Federal de Lavras (Ufla), Wellington Pereira Alencar de Carvalho, vice-líder do projeto.
Sensores inteligentes
A parceria entre a Embrapa Instrumentação e a Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) resultou no desenvolvimento de um sensor que permite medir e qualificar as resistências hidráulicas dos bicos pulverizadores, para proporcionar menor custo e maior precisão.
A avaliação do tempo de resposta de um sistema pulverizador também é importante para a qualidade da aplicação. Por isso, também foi desenvolvido um novo sensor de condutividade elétrica, inteligente e customizado para a medida em tempo real dessa resposta. Os sensores inteligentes são dispositivos modernos que podem pré-processar dados medidos, e oferecem informações qualificadas para auxiliar sistemas autônomos nos processos de decisão, inclusive podendo operar em plataforma na Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês). Ou seja, o equipamento pode se regular de maneira autônoma a partir de informações desses sensores.
Paulo Cruvinel explica que para o controle das plantas invasoras da cultura da soja, arroz e cana-de-açúcar o tempo de resposta é um fator crítico.
“Esse sensor viabiliza esse monitoramento, assim como permite trabalhar com aplicação imediata de correções que venham a garantir os resultados esperados para o controle dessas plantas invasoras”, esclarece.
A pesquisa ainda consolidou, em prova de conceito, o uso de rede de sensores de deriva sem fio. Esse desenvolvimento considerou a possibilidade de se acoplar até 35 unidades de monitoramento de deriva para cobertura de uma área sob aplicação. A informação desses sensores associada às da umidade relativa do ar, velocidade do vento, altura e velocidade do avião poderá auxiliar na definição do mapa de navegação das aeronaves utilizadas para aplicação dos defensivos agrícolas.
Agregação de valor e maior competitividade
Para o pesquisador da Embrapa Clima Temperado (RS) José Martins, a pesquisa na área das tecnologias aéreas da aplicação de agrotóxicos pode agregar valor aos processos agrícolas e proporcionar ganhos de competitividade.
“Esse aspecto pode ser alcançado conjugando os esforços para se obter maior qualidade e eficiência da aplicação em função do atendimento de questões fitotécnicas encontradas nos sistemas agrícolas, em conformidade com a preservação e conservação dos recursos naturais”, diz o pesquisador.
Na avaliação do presidente do Sindag, Júlio Augusto Kampf, o projeto está sendo muito importante para que a ciência auxilie no processo de melhoria do setor de aviação agrícola. O Sindicato já articula com a Embrapa e outras instituições uma nova etapa de pesquisas.
“Devemos cada vez mais incentivar pesquisas focadas em desenvolver o segmento. Com isso, será possível termos operações cada vez mais seguras e eficientes. Espera-se que o projeto possa continuar para gerar conteúdos relevantes”, finaliza Kampf.
Fonte: Embrapa