Basta ir ao supermercado para perceber no bolso os efeitos da inflação. Mas preço mais alto significa que o agricultor ganha mais? A lógica até faz sentido algumas vezes, mas não é regra. Tudo porque da lavoura à prateleira, há muitos custos e fatores pelo caminho.
Economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz explica que o preço pago ao produtor por commodities como trigo, feijão, arroz e soja depende, basicamente, de produção e demanda industrial. Já o valor pago pelo consumidor é influenciado por crescimento populacional, poder de compra, consumo, preço da energia, entre outros, sem contar a influência de medidas governamentais:
– Produtores foram prejudicados por políticas para tentar controlar preços pelo desconhecimento dos governos quanto à esta realidade afirma.
Lançados em maio, dois índices (veja no gráfico abaixo) da Farsul que medem a inflação dos custos de produção e nos preços recebidos pelos agricultores apontam que a inflação de alimentos não decorre da variação dos preços pagos ao produtor.
– Há um leque muito complexo no caminho. Os índices ajudam a medir a eficiência de ações e a tomar decisões em cima de dados objetivos da situação do produtor – explica Luz.
Pesquisador da Fundação de Economia e Estatísticas (FEE), Carlos Paiva aponta quatro fatores cruciais para a elevação no preço dos alimentos: custos de produção mais altos no campo, seca (especialmente no Nordeste), desvalorização cambial e forte concentração na indústria, com poucas empresas liderando mercados.
– Muitas vezes, o consumidor paga mais caro e o produtor não recebe a diferença porque a indústria se apropria de uma fatia maior.
Indústria em busca de alternativas
Coordenador do Conselho da Agroindústria da Federação das Indústrias do RS (Fiergs), Marcos Oderich pondera que a indústria tem sofrido forte impacto com o aumento nos custos da energia, combustíveis e, principalmente, mão de obra. E destaca que o setor está absorvendo custos para evitar uma elevação ainda maior nos preços cobrados do consumidor:
– O foco tem sido reduzir gastos e buscar maior escala em outros mercados, pois o consumidor está com o freio de mão puxado no país – diz ele.
Paiva diz que não se pode culpar só o governo pela inflação, pois, ao mesmo tempo que tomou medidas que impactaram no maior preço da energia elétrica e da gasolina, por exemplo, desonerou e deu incentivo a vários setores nos últimos anos, especialmente o agronegócio.
– Os preços subiram porque todos os elos da cadeia ganharam mais, apesar de a distribuição deste ganho ter sido em proporções diferentes – fala.
Importação não é consenso
O pesquisador da FEE Carlos Paiva diz que, para conter a inflação de alimentos, uma alternativa seria o governo acelerar as importações de certos tipos de produtos. Mas pondera que esta medida teria efeito negativo para o campo:
– Acabaria penalizando o produtor. Só que o governo não está estimulando esta prática, e sim tentando proteger e garantir a rentabilidade do agricultor – avisa.
Paiva ressalta que há uma pressão de demanda para produtos não importáveis, como hortaliças, o que tem feito com que o preço destes itens venha subindo até acima da inflação. E ressalta que, neste viés, uma alternativa seria estimular o fortalecimento das cooperativas, para terem mais condições de competir com a indústria.
– Ocorre que muitas cooperativas entraram em crise e não conseguiram se recuperar em condições de conquistar espaço no mercado e evitar uma maior concentração do setor industrial – diz Paiva.
Para o coordenador do Conselho da Agroindústria da Fiergs, Marcos Oderich, o ideal seria o governo dar tratamento semelhante a produtos importados e nacionais, garantindo um maior equilíbrio.
– Não se deve criar protecionismos artificiais, pois isso prejudica a eficiência e a produtividade. A não ser que haja algum problema sazonal, como, por exemplo, uma frustração de safra – analisa.
Fonte: Zero Hora