Apenas 0,008% da água do planeta é própria para o consumo. Cerca de 12% do total da água doce existente no planeta está no Brasil. Porém, a ação predatória dos seres humanos, a poluição e a contaminação das águas colocam em risco a vida de rios, lagos e outros mananciais.
A água é um importante recurso natural, um elemento fundamental para todos os seres vivos. Seu uso e conservação são fundamentais para a vida, seja no campo ou na cidade, pois o mau uso dos recursos hídricos pode deixar uma grande parcela de brasileiros com a torneira seca, gerando transtornos e prejuízos.
Diante desse cenário e dada a relevância da água para a vida, a ciência tem se dedicado a pesquisar soluções e alternativas que contribuam com a conservação e reuso d´água. A Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), está atenta a essa questão.
A instituição é uma integrante da coalizão global “Friends of Champions 12.3”, iniciativa voltada para acelerar o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em 2015, os 17 ODS foram estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Esses objetivos compõem uma agenda mundial para a construção e implementação de políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030. O objetivo número 14, denominado “Vida na água”, trata de conservação, uso e gestão dos recursos e ecossistemas marinhos, soberania alimentar e pesca, além dos desafios futuros para conservar e usar de forma sustentável os recursos marinhos.
No Mato Grosso do Sul, o cenário não é diferente. Dados do Instituto Histórico Geográfico de Mato Grosso do Sul, informam que a rede hidrográfica do Estado é composta por 158 rios. Além disso, a segunda maior reserva subterrânea do planeta, o Aquífero Guarani, passa por Mato Grosso do Sul. Apesar de ser um Estado rico em termos de recursos hídricos, o Estado enfrenta alguns os conflitos socioambientais pelo uso d’água, tais como: crescimento da população, uso inadequado do solo, desigualdades sociais, diferentes padrões de consumo, impactos oriundos da contaminação das águas, incremento crescente de atividades econômicas e baixa governabilidade hídrica.
Desta forma, por se tratar de um Estado, com economia diretamente embasada na agropecuária, aliado ao crescimento do setor sucroalcooleiro e da indústria de celulose, que possuem relações profundas com a questão hídrica é preciso se debruçar sobre o uso desse recurso hídrico fundamental para vida, com um olhar que vá além da produção e do consumo e estabeleça parâmetros para um relacionamento adequado em favor da conservação, uso e reaproveitamento d´água.
Assim, a Embrapa Agropecuária Oeste, localizada em Dourados/MS, vem desenvolvendo uma série de pesquisas que visam apontar soluções que podem contribuir com o uso racional da água no campo e contribuir com a sua conservação, especialmente no solo, durante os períodos de estiagem.
O Chefe Geral da Embrapa Agropecuária Oeste, Guilherme Lafourcade Asmus, explica que em função da relevância d´água, considerado um elemento fundamental para a produção agropecuária, contamos com vários projetos de pesquisa visando o reaproveitamento da água, uso de sistemas produtivos que contribuam com a conservação da água no solo, além de adequações a infraestrutura da Unidade, tanto em favor da economia d´água quanto em relação a sua conservação.
“Nossa Unidade se dedica a produzir resultados em consonância com a busca de melhorias na qualidade de vida e segurança no trabalho, respeitando as normativas de proteção ambiental e incorporando processos que possibilitem economia e a conservação desse importante recurso natural”, explica Asmus.
Piscicultura – O Laboratório de Piscicultura da Unidade conta com sistemas de recirculação que são considerados referência para trabalhos de pesquisa com peixes. Um dos deles é o sistema de recirculação de água, possui 40 caixas, de 600 litros (cada) com aquecimento e resfriamento, filtragem mecânica, biológica e com luz ultravioleta para eliminação de patógenos na água. Além disso, o Laboratório também dispõe de um sistema recirculação de água com 16 aquários, de 30 litros (cada) com aquecimento, filtragem mecânica e biológica e com luz ultravioleta. Os pesquisadores responsáveis pelos estudos com piscicultura, explicam que por meio do trabalho desenvolvido no Laboratório, que contam com várias pesquisas já divulgadas, ganham tanto a pesquisa quanto a cadeia produtiva.
“O intuito do Laboratório é contribuir com elaboração de metodologias pautadas nas Boas Práticas de Manejo, monitoramento da qualidade ambiental e produtiva dos sistemas de produção, entre outros aspectos da piscicultura”, explica a coordenadora do Laboratório, Tarcila Souza de Castro Silva.
A Unidade desenvolve ainda pesquisas com aquaponia, visando contribuir com os estudos relacionados à produção de hortaliças orgânicas na região. A aquaponia é considerada uma tecnologia sustentável, econômica e de fácil manejo. Consiste na integração da criação de peixes com a produção de hortaliças, sem desperdiçar água e ocupando pequenos espaços urbanos e/ou rurais.
“Com o uso da aquaponia, o produtor rural, pode economizar até 90% de água em relação à agricultura convencional e ainda eliminar completamente a liberação de efluentes no meio ambiente, pois se trata de um sistema fechado”, explica o pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, Luís Antonio Kioshi Inoue.
Infraestrutura sustentável – A Embrapa Agropecuária Oeste conta ainda com o Gerecamp, que é o nome dado ao Laboratório de Gerenciamento de Resíduos de Campo Experimental. A gestão do Gerecamp está a cargo do Supervisor de Campos Experimentais, Anderson Rogélio Bonin, ele explica que nesse local, inúmeros procedimentos são adotados para que os resíduos gerados na Unidade tenham uma destinação ambientalmente adequada. Assim, tanto o armazenamento, uso e descarte de embalagens agrotóxicos, bem como limpeza dos equipamentos utilizados para o manejo de pragas e doenças nas lavouras, seguem uma rigorosa metodologia de procedimentos executados no Gerecamp.
“As atividades que são desenvolvidas no Gerecamp estão de acordo com a NR 31, da Portaria 3.214, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e com as normativas de qualidade e segurança do trabalho para evitar risco de problemas tanto com os empregados quanto com o meio ambiente”, explica a técnica em segurança do trabalho da Embrapa Agropecuária Oeste, Franciele Fátima da Costa Aguero.
Monitoramento de qualidade da água – Um dos maiores impactos da agricultura na qualidade dos recursos hídricos (água subterrânea e superficial) ocorre devido à possibilidade de contaminação desses, com resíduos de agrotóxicos. Em função desse risco, a Embrapa Agropecuária Oeste, sob responsabilidade do pesquisador Rômulo Penna Scorza Junior, está desenvolvendo um projeto que monitora a presença de resíduos de agrotóxicos em águas superficiais de Mato Grosso do Sul, iniciando pelo rio Dourados, rio Amambai e rio Ivinhema, considerados importantes fontes de captação de água para distribuição à população de alguns municípios ou mesmo um recurso para manutenção da biodiversidade.
O principal resultado gerado com o projeto é o monitoramento da qualidade da água quanto à presença de resíduos de agrotóxicos, com frequência quinzenal. Esse monitoramento, que se encontra atualmente em fase de validação da metodologia de análise, será utilizado como subsídio importante para comprovar possível impacto das atividades agropecuárias na qualidade dos recursos hídricos, podendo requerer ações futuras para mitigação dos problemas.
Para viabilizar as análises laboratoriais do projeto intitulado “Projeto Monitoramento dos Resíduos de Agrotóxicos em Águas Superficiais de Mato Grosso do Sul“ está sendo construído um laboratório referência em análise e monitoramento de resíduos de agrotóxicos em águas superficiais. Os recursos financeiros para a construção do novo laboratório e a aquisição dos equipamentos estão sendo viabilizados por meio de parceria entre Embrapa Agropecuária Oeste, Ministério Público Federal (MPF/MS), Ministério Público do Trabalho (MPT/MS), Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul (MP MS) e Instituto de Meio Ambiente de Dourados (Imam).
“Trata-se de um empreendimento de interesse conjunto. As instituições públicas de fiscalização necessitam de análises técnicas sobre possíveis contaminações com agrotóxicos e a Embrapa pretende utilizar as informações coletadas para fins científicos e desenvolvimento de procedimentos e tecnologias sustentáveis”, explica o coordenador do projeto, Scorza Junior.
Chuva x tomadas de decisão – As condições climáticas estão diretamente ligadas ao cotidiano do agricultor, que está sempre em busca de informações sobre e dados relacionados a previsão do tempo que lhe possibilitem a correta tomada de decisão em relação ao que fazer para garantir a produtividade das lavouras e/ou do rebanho. A Embrapa Agropecuária Oeste realiza várias pesquisas com o objetivo de apresentar informações para os agricultores, um desses serviços é o Guia Clima, nome dado ao sistema de informações climáticas que monitora e reúne dados da região de Dourados, Rio Brilhante e Ivinhema.
O serviço online é gratuito e oferece dados relacionados às condições climáticas, quantidade de chuvas, nível de radiação solar, umidade do ar, entre outros, com atualizações em tempo real de 15 em 15 minutos. Os usuários do Guia Clima também podem se cadastrar para receber via e-mail o Boletim Mensal com informações climáticas da região.
O Guia Clima oferece ainda, há dois anos, informações detalhadas sobre balanço hídrico das culturas de cana-de-açúcar de ano; cana-de-açúcar de ano e meio; soja ciclo precoce; soja ciclo médio; feijão segunda safra; milho safrinha; milho; trigo e vegetação-padrão. Para cada uma delas é possível consultar dados sobre balanço hídrico, que é a diferença entre os ganhos e as perdas de água de uma cultura. “O agricultor pode monitorar se as condições de umidade do solo estão adequadas para as culturas em um dado momento, inclusive em tempo real ou próximo disso. Esses dados permitem auxiliar na definição de épocas mais adequadas para a semeadura, assim como na estimativa de produção das culturas. O balanço hídrico é uma ferramenta útil para a tomada de decisões agrícolas”, explica o coordenador do Guia Clima, Carlos Ricardo Fietz. Para saber mais sobre como os pesquisadores obtém os dados do Balanço Hídrico, clique aqui.
Água x produtividade no campo – A qualidade da estrutura dos solos está diretamente ligado ao aproveitamento da água das chuvas para aumento da produtividade das lavouras. A pesquisadora da Embrapa Agropecuária Oeste, Michely Tomazi, que fez parte da equipe que desenvolveu o Diagnóstico Rápido da Estrutura do Solo – DRES, explica que quanto melhor estiver a saúde do solo, ou seja, mais poroso, com maior presença de canais contínuos, enfim, quanto mais saudável for a estrutura melhor será a qualidade do solo, pois a infiltração de água será muito maior e profunda.
“O bom resultado do campo consiste em aproveitar o máximo de água que chega por meio das chuvas e viabilizar a infiltração mais profunda dessa água, isso contribui com os resultados das lavouras, que se tornam mais resistentes à estiagem”, explica Tomazi.
Segundo ela, práticas como uso de palhada, uso de curvas de níveis ou terraços, integração-lavoura-pecuária-florestas (ILPF), entre outras sistemas integrados de produção são o caminho para melhor uso e conservação do solo, e consequentemente, da água disponível naquela safra.
Solos arenosos – As pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Agropecuária Oeste também buscam soluções para aumento de produtividade em solos arenosos e degradados, muito presentes no Mato Grosso do Sul, especialmente na região do bolsão e em algumas faixas no Sul do Estado. “Os solos arenosos possuem baixa capacidade de retenção de água o que prejudica grandemente a capacidade produtiva dos mesmos”, explica o pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, Júlio Cesar Salton.
As pesquisas com Integração-Lavoura-Pecuária (ILP) desenvolvidas há mais de uma década, pela Unidade, em parceria com a fazenda São Matheus, na Região do Bolsão deram origem ao Sistema São Mateus, contribuiu com a recuperação de pastagens e consequentemente com o aumento da produtividade. Dados revelam que é possível aumentar em até cinco vezes a taxa de lotação de animais nas pastagens degradadas que foram recuperados por meio desse sistema.
O pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, Rodrigo Arroyo Garcia, ressalta a importância da presença da palha no sistema produtivo, especialmente em relação à redução da temperatura principalmente em solos arenosos. Ele explica que as pesquisas tem demonstrado que a palha pode reduzir em média até 15º C da temperatura do solo, amenizando os danos nas sementes e plântulas logo após a semeadura. Arroyo chama a atenção para a importância do uso de sistemas de produção diversificados, que podem contribuir com a produção de palha para apoiar a safra principal. Dentre as estratégias, destaca a produção consorciada de milho com braquiária, sorgo, crotalária e milheto.
“O uso da palhada pode contribuir com inúmeros benefícios, entre eles destacam-se: menor amplitude térmica do solo, menor evaporação, drenagem mais eficiente, maior armazenamento de água, maior disponibilidade e retenção de nutrientes e maior atividade biológica”, disse Rodrigo.
Outro aspecto muito importante é o posicionamento adequado de cultivares e espécies para diminuir os ricos climáticos, ou seja, a escolha da cultivar certa, semeada na época certa, reduzem esses riscos. Trabalhos sobre diversas espécies cultivadas demonstram que e fundamental respeitar a importância da época de semeadura, quando os riscos climáticos são menores.
“Respeitar o zoneamento agrícola pode reduzir os riscos das adversidades climáticas tão corriqueiras na agricultura tropical”, explicou Rodrigo.
Irrigação das lavouras – O pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste, Danilton Luiz Flumignan, conhece inúmeros aspectos sobre irrigação complementar em sistemas de produção de soja e de milho. Ele explica que o Sul do Mato Grosso do Sul possui Clima Tropical de Monções, ou seja, é uma zona de transição, o que implica em grande inconsistência com relação as chuvas. Por vezes, as chuvas são localizadas, outras vezes com alta intensidade, e em outras situações ainda podem ocorrer veranicos (período sem chuvas e de altas temperaturas).
Segundo Danilton, a irrigação é mais uma estratégia que o produtor pode utilizar para reduzir os impactos das adversidades climáticas. Entretanto, ele enfatiza que a irrigação pura e simples não resolve o problema do agricultor e explicou que quando utilizada a irrigação deve vir acompanhada de outras tecnologias fundamentais no manejo adequado das lavouras, além de planejamento para evitar perdas e prejuízos.
“As pesquisas sobre irrigação também fazem parte do trabalho desenvolvido pela Embrapa Agropecuária Oeste, estudos regionais sobre custo de produção em lavouras irrigadas e ou sistemas integrados são anualmente divulgados aos profissionais ao setor”, explica Flumignan.
Melhorias no microclima – A Unidade também desenvolve pesquisas sobre Sistemas Agroflorestais Biodiversos, conhecidos como SAFs. As pesquisas conduzidas pelo pesquisador Milton Parron Padovan, demonstrou que os SAFs contribuem com o melhor controle de temperatura, da umidade relativa do ar e da umidade do solo, entre outros benefícios. A pesquisa realizada na região Sul do Mato Grosso do Sul, revelou que o SAF proporciona mudanças significativas no microclima de uma propriedade rural.
Os SAFs reúnem cultivos de espécies de árvores nativas ou exóticas madeiráveis, frutíferas, oleaginosas, medicinais, entre outras, de forma simultânea e no mesmo ambiente.
“A presença de árvores proporcionou melhor controle de temperatura, da umidade relativa do ar e da umidade do solo. O especialista conta que estudos desenvolvidos por diferentes grupos de pesquisa constataram, no horário entre 12h e 15h, diferenças de 2ºC a 15ºC a menos dentro de SAFs em relação a áreas abertas, sem a presença de árvores. Esses trabalhos também constataram que a umidade do ar oscila menos dentro de SAFs ao longo do dia”, informa Padovan.
Fonte: Embrapa