O agricultor Robson Miyazaki, de 26 anos, é japonês na fala e no coração. Quando tinha apenas 2 anos, o paulistano foi adotado por um oriental que não podia ter filhos e por uma nissei que se conheceram por foto e se casaram no Brasil. Seu nipônico laço familiar se transformou, anos mais tarde, na produção da raiz da flor de lótus em um cenário tomado por plantações de cana-de-açúcar no interior de São Paulo.
Miyazaki, cujo sotaque destoa dos traços brasileiros, é um dos três produtores da planta aquática em Mombuca, colônia japonesa existente há 54 anos em Guatapará (SP). É um dos moradores que impulsionam a economia do município de sete mil habitantes e garantem a continuidade de um legado que vem do outro lado do globo. Algo que pode ser conferido de perto na Festa da Colheita, que acontece anualmente em julho.
"Para os japoneses, comer a raiz de lótus é como comer chuchu ou batata, mas é muito indicado também para quem tem problema respiratório", indica o jovem produtor.
A hortaliça está no rol de especialidades como o shimeji – tipo de cogumelo comestível -, alho negro e arroz motim, de que a colônia não prescinde, ao mesmo tempo em que se destaca na produção de ovos – são 720 mil por dia, segundo estimativa da Cooperativa Agrícola de Guatapará.
Graças a isso, o setor representa cerca de 30% do PIB de Guatapará, segundo o IBGE, e ajuda a dinamizar os serviços – principal atividade local -, afirma o secretário municipal de Agricultura Júlio Takaki.
Todas as culturas rurais, de acordo com ele, estão concentradas no bairro japonês a sete quilômetros do centro da cidade. "A maioria é de japoneses. Se há brasileiros produzindo é porque aprenderam com eles", diz.
Um dos que seguiram essa máxima à risca foi o jovem nipo-brasileiro Miyazaki. Em 30 anos, aprendeu as técnicas de plantio com seu pai adotivo Noritada Miyazaki – que deixou o Japão aos 17 e chegou em Mombuca na primeira ocupação em 1962 – e aos poucos vai assumindo a gestão do negócio.
São 16 hectares de pântanos – a lótus somente cresce em terras muito úmidas – dedicados ao cultivo rotativo da planta símbolo do crescimento espiritual. O que resulta em uma colheita mensal de aproximadamente duas toneladas da raiz, vendida em média de R$ 15 a R$ 25 o quilo. Contando com Miyazaki e outros produtores de Mombuca, a produção chega ao total de cinco toneladas por mês, segundo ele.
"Eu comecei a trabalhar aos 14 anos. Comecei a ajudar a colher. Depois terminei o colegial, fiz administração de empresas em Ribeirão Preto e comecei a ficar mais na parte dos negócios. Hoje a gente separou. Fico com a parte administrativa, de vendas, e ele fica na plantação. Ele ainda planta e fico mais vendo, mas também colho", explica Miyazaki, que trabalha com seus pais e mais dois funcionários brasileiros.
Garante o agricultor que a oferta, aparentemente grande para o município, não é suficiente para a demanda, 90% respondida por São Paulo e seguida de Rio de Janeiro, sobretudo em restaurantes e redes de supermercados. "A nossa produção falta, nunca dá."
Já a flor de lótus, sagrada no Japão, só se vende em janeiro – uma dúzia por R$ 85 -, período em que ela aparece com mais intensidade. No budismo, sua brota simboliza a capacidade de florescer com beleza após superar a escuridão da lama.
"A flor em si não dura muito. Se você colher, ela fica de três a quatro dias."
Cogumelos comestíveis
Em outra propriedade de Mombuca, Ichiro Okada, brasileiro naturalizado de 59 anos, produz sozinho o shimeji, variedade de cogumelo comestível amplamente consumida em restaurantes de culinária japonesa.
Filho de japoneses que deixaram a província de Nagano em 1964 para morar na colônia no interior de São Paulo, o agricultor viu no cogumelo uma oportunidade de negócio há oito anos pela facilidade de cultivo. Ele se considera um dos três produtores da colônia. "Eu planto e já pego da fazenda em 20 dias. Quando está frio demora uns 30 dias", afirma.
Atualmente, sua produção mensal é de 500 quilos e acaba sendo comercializada para supermercados e restaurantes – a bandeja de 200 gramas sai por até R$ 28. "Shimeji vende bem. É bom para a saúde, para o intestino, um monte de coisa."
720 mil ovos por dia
Mas não só de hortaliças vive a economia de Mombuca. Percorrendo algumas ruas de terra, logo se chega à propriedade de Choichi Saito, avicultor de 65 anos, também presidente da Cooperativa Agrícola de Guatapará.
Aos 13 anos, ele e sua família deixaram a província de Yamaguchi rumo ao Brasil quando seu pai ficou desempregado, em 1963. "Ele era mineiro de carvão, mas perdeu o emprego na era do petróleo no Japão. Veio direto aqui para a colônia. Primeiro ele plantava arroz, batatinha", lembra.
Foi nessa época que ele aprendeu uma lição de empreendedorismo que coloca em prática até hoje. "Meu pai sempre falava que é melhor ser patrão pequeno do que empregado. É melhor ficar com o rabo do boi do que com a cabeça da galinha", diz.
Foi em galinhas que, em 1974, Saito decidiu investir ao mesmo tempo em que continuou com o plantio, seguindo os ensinamentos do pai – que morreu aos 53 anos com um tumor no cérebro.
Quarenta anos se passaram e um galpão se multiplicou por 40, dentre eles dois automatizados. Espaços que abrigam 170 mil aves e produzem diariamente 130 mil ovos. Ao todo, ele estima que toda a comunidade produza 720 mil.
Com a mulher e quatro filhos, Saito já viajou ao Japão para matar as saudades, mas não se enxerga vivendo longe da colônia japonesa em Guatapará. "Se eu voltar o que vou fazer? Melhor é continuar a trabalhar aqui. Não adianta ficar escolhendo lugar. Japão está muito avançado, não tem mais espaço para eu entrar."
Fonte: G1
Fonte: Canal do Produtor