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ABERTURA DA FRONTEIRA AGRÍCOLA

A trajetória de três irmãos com origem gaúcha, que passaram a infância no Paraná, aventuraram-se na agricultura no Oeste da Bahia e depois rumaram ao Tocantins, retrata a saga de produtores decididos a desbravar terras e novas fronteiras pelo Brasil.

Há cinco temporadas no Tocantins, os irmãos Rossato viram naquela época uma oportunidade vantajosa no Estado que mais cresceu nos últimos anos no plantio de soja no país, líder na exportação global da oleaginosa.

A história da abertura de fronteira agrícola, no entanto, acontece com um novo enredo: o avanço em novas áreas é possível, mas os personagens já precisam de recursos relevantes para dar conta do investimento.

Em tempos diferentes daqueles de um passado longínquo, em que a abertura do Cerrado era barata e incentivada para colonizar o interior brasileiro, agricultores capitalizados por uma safra recorde e bons preços estão terminando suas colheitas e já se preparam para um salto de plantio no futuro.

Produtores de grãos continuam chegando ao Tocantins de várias partes do país, numa aposta nas grandes áreas de pastagens degradadas disponíveis, elemento fundamental para a conversão de muitas terras praticamente abandonadas em agricultura lucrativa.

Com chuvas volumosas, permissão para explorar 65 por cento da terra (o restante é reserva ambiental) e um terminal ferroviário à disposição perto da capital Palmas, os produtores estão rindo à toa em ano de produção abundante e preços altos.

“Se for ver os últimos anos, estamos em condição melhor do que se estivéssemos ainda na Bahia”, contou Ademir Celso Rossato, um dos três irmãos do grupo familiar que cultiva quase 6 mil hectares de soja não muito longe de Palmas.

Há cinco temporadas no Tocantins, ele comentou que o Estado teve melhor sorte do que vizinho baiano, que sofreu seguidos anos de seca severa, recuperando-se somente em 2016 e agora também registrando safra recorde.

Sem contar a sorte de fugir da seca, os Rossato conseguiram no Tocantins quase dobrar o tamanho da propriedade que tinham na Bahia, valorizando seu patrimônio também porque a terra tocantinense naquela época era mais barata que o solo baiano, já uma fronteira agrícola mais desenvolvida.

Cinco anos depois, o preço da terra do Tocantins se multiplicou por três, segundo produtores consultados pela Reuters. Hoje, em algumas áreas, o hectare vale cerca de 30 mil reais, um preço que também pode ser maior ou menor, dependendo da localização da propriedade, se está em uma região que chove mais e da qualidade do solo.

“Viemos para cá para aumentar a área, era pasto degradado, abrimos área de pasto”, comentou Ademir, ao receber a equipe da expedição técnica Rally da Safra, acompanhada pela Reuters na última semana.

Desde que os Rossato chegaram ao Tocantins, há pouco mais de cinco anos, a área plantada com soja no Estado praticamente dobrou para 992 mil hectares, segundo números oficiais. Mas há ainda muito espaço para crescer em pastagens, segundo especialistas.

 

PASTAGEM É CHAVE

Ainda que tenha havido valorização da terra, o Tocantins conta com propriedades ainda relativamente baratas perto de outras regiões do Brasil, até pelo fato de deter grandes áreas de pastagens, fruto de desmatamento no passado, que estão sendo utilizadas para agricultura.

O Tocantins chegou a ter 11,5 milhões de hectares de pastagens em 1990, quando o país tinha inflação elevada, pouco se falava em sustentabilidade ambiental e considerava-se que valia a pena desmatar para estabelecer a pecuária. Após o Plano Real, com a estabilização inflacionária, passou a ser mais interessante criação de boi mais produtiva, e a área de pasto do Estado atualmente gira em torno de 7,3 milhões de hectares.

“O Estado perdeu mais de 4 milhões de hectares de pastagens em quase 30 anos e parte disso foi ocupada pela agricultura”, disse o coordenador de Pecuária da Agroconsult, Maurício Nogueira, indicando que a tendência é de que o estoque de terras seja agricultável.

O Tocantins, dessa forma, pode ser vetor importante de crescimento da safra brasileira de soja, produto que lidera as exportações do país com estimados 32,5 bilhões de dólares em 2018, incluindo embarques de farelo e óleo.

“Ainda tem potencial enorme que hoje está com pasto de baixa produtividade e se degradando, seria interessante ocupar”, acrescentou Nogueira.

“Tem muita terra boa para investir, tem muito pecuarista indo para a soja, e alguns diziam que nunca iriam para a soja”, afirmou o agricultor Rudimar Borghetti, explicando que a agricultura está mais rentável que criar bois.

Em meio ao avanço da agricultura em pastagens, o Tocantins foi o Estado da Amazônia Legal que menos desmatou no último ano, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe). O desmatamento lá somou 26 quilômetros quadrados (2.600 hectares) entre agosto de 2016 a julho de 2017, queda de 55 por cento ante o mesmo período anterior e de 84 por cento ante 2004, quando foi lançado um plano de prevenção e controle do desmatamento na região.

O gerente de Zoneamento Ecológico-Econômico da Secretaria de Planejamento e Orçamento do Estado, Rodrigo Sabino, avalia que houve uma substituição de áreas de pastagem, que passaram a ser utilizadas para plantio.

“Penso que há uma possibilidade de que seja em função da reconversão de áreas de pastagem para outros usos como a agricultura… O que vemos a olhos vistos é realmente alteração de áreas para cultivo de soja, áreas que estavam ocupadas com pasto”, disse Sabino, ressalvando que não chegou a analisar os dados do Inpe.

Contudo, ele chamou a atenção para a ocorrência de alguns desmatamentos para a produção de soja, em áreas como o entorno de Palmas.

Segundo algumas estimativas, o Tocantins poderia dobrar o plantio de soja em cinco anos, passando para 2 milhões de hectares, e ainda haveria sobra de pastagens para expansão que colocaria o Estado mais próximo dos grandes produtores brasileiros do grão.

“Os agricultores veem de duas safras muito boas, com isso, imagino que a área cresce pelo menos 50 mil hectares no Estado na próxima temporada…”, afirmou o agrônomo Thiago Turozi, da Ímpar Consultoria.

Em relação à temporada passada, o crescimento foi de 3 por cento em 2017/18. Se confirmada a projeção do consultor, o aumento na próxima safra ante a safra atual seria de 5 por cento.

Turozi, que atua no Tocantins, ressaltou que muitos produtores donos de terras estão investindo em aumento de produtividade, mas há muitos que ampliam o negócio via arrendamento.

“Vai entrar em área de pastagem… vai investir menos para transformar em lavoura. A escala para esse agricultor é importante para o negócio dele.”

 

DESCENDÊNCIA

A possibilidade de produzir em grandes áreas, pensando no patrimônio futuro dos filhos, também é um fator que atrai produtores estabelecidos em propriedades menores de tradicionais áreas agrícolas como o Paraná, onde expandir o plantio é mais difícil devido ao custo elevado da terra.

O produtor Adão Kreuscher, que chegou à região Norte em 2014, atualmente trabalha no Tocantins em área sete vezes maior que os 400 hectares que tinha nas redondezas da cidade paranaense Guarapuava.

Segundo Kreuscher, uma área agricultável no Tocantins, já com a correção de solo realizada, vale aproximadamente um terço da terra no Paraná.

Assim, ele disse que pode aumentar o plantio de soja na próxima temporada para mais de 3 mil hectares e também avalia comprar uma parte de suas áreas hoje arrendadas.

“Tenho que plantar duas ou três vezes mais aqui (em Tocantins) para ter a mesma rentabilidade do Paraná”, declarou Kreuscher à Reuters, ressaltando que a expansão de área também é pensada para garantir patrimônio futuro aos filhos.

Ele contou que a área que herdou do pai no Paraná, que já havia sido dividida com seus irmãos, não será suficiente para garantir a continuidade da família no negócio.

“Eu tenho cinco filhos e 12 netos, estou fazendo isso pensando em sucessão. A ideia é deixar todos bem futuramente”, comentou Kreuscher, que acredita que novas variedades de sementes bem adaptadas ao clima e solo da região vão ajudar nos seus planos.

 

SOBREVIVÊNCIA

O agricultor Walter de Souza Oliveira, de Tupirama, ao norte de Palmas, disse que pretende aumentar em 10 por cento o plantio de soja na temporada 2018/19, de um total de 1.900 hectares, sendo 60 por cento arrendados.

“Vou arrendar área de pastagem… o crescimento está no DNA do produtor, é para ganhar escala, não é para ganhar mais dinheiro. No meu caso, se eu não entrar, outro entra, então é questão de sobrevivência”, afirmou.

Com os custos da terra subindo até por causa da boa safra, alguns avaliam que podem perder chances se não aproveitarem as oportunidades agora que estão capitalizados pela colheita de 2017/18.

“Se aparecer um vizinho querendo vender, eu compro”, afirmou Edilson Loss, que já tem uma área total de 2.500 hectares na região de Guaraí, sendo mil plantados com soja e 250 com pasto.

Ele revelou ainda que tem 300 hectares para abrir mata, pela legislação ambiental, em sua fazenda. Mas, por questões financeiras, vai ampliar ali o plantio em 10 por cento na próxima temporada.

Dentro da história das oportunidades, de sucessão familiar e sobrevivência na atividade, agricultores incluem novas aventuras por novíssimas fronteiras agrícolas, onde os preços de terras ainda poderiam ser convidativos para áreas ainda maiores.

Questionado se o sul do Pará poderia ser uma nova chance de plantar mais, ainda que em uma nova região, um dos irmãos de Ademir Rossato, Elio Vicente Rossato, sinalizou que sim.

“Quem sabe. Não descarto. Sempre o pulo do gato é embelezar e vender fazenda”, disse Elio, ponderando que o Pará já não está barato.

O Pará, ainda que seja um produtor menor de soja, situado numa área amazônica, plantou 545 mil hectares nesta safra, crescimento anual de quase 10 por cento, em um dos caminhos abertos pelo vizinho Tocantins.

Fonte: Reuters



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