O sistema alimentar desempenha um papel importante na adaptação e mitigação das mudanças climáticas. Esta é a conclusão do artigo Climate Change Responses Benefit from a Global Food System Approach, publicado na Nature Food. Segundo os autores, é fundamental uma abordagem sistêmica para entender a interação entre produção e consumo de alimentos e as mudanças climáticas.
O estudo discute uma metodologia que reúne produção agrícola, cadeias de insumos, transporte, processamento industrial, embalagens, consumo, perdas e processamento do lixo orgânico. Quando essas atividades são consideradas em conjunto, elas representam uma parcela considerável, de cerca de 21% a 37%, do total de emissões de gases de efeito estufa (GEE) causadas pelos seres humanos.
Essa nova visão também permite uma avaliação mais completa da vulnerabilidade do sistema alimentar global às secas, intensificação das ondas de calor, chuvas mais fortes e inundações costeiras mais acentuadas. Por isso, os pesquisadores acreditam que o sistema alimentar também pode contribuir para atenuar as mudanças climáticas.
“O sistema alimentar desempenha um papel importante na adaptação e na mitigação das mudanças climáticas”, explica o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária Luis Gustavo Barioni, coautor do artigo.
Com os demais autores, ele participou do capítulo Segurança Alimentar do Relatório Especial do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado em 2019, sobre Mudanças Climáticas e Terras.
Para responder às mudanças climáticas, os países podem avaliar, além da produção agrícola e pecuária, fatores inter-relacionados ao atendimento da demanda por alimentos, como as eficiências dos sistemas de transporte, processamento industrial, uso de embalagens, processamento de lixo, entre outros. Dessa forma, esse tipo de análise vai além da abordagem tradicional, para abranger estratégias relacionadas à demanda, apontam os pesquisadores.
“Essa abordagem coloca em foco as emissões de todas as atividades relevantes do sistema alimentar, dentro e fora da porteira da fazenda”, afirma Francesco N.Tubiello, oficial sênior da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Com isso, elimina “a separação artificial entre agricultura e as atividades relacionadas ao uso da terra, nos relatórios dos países-membro apresentados à Convenção do Clima da ONU”, conta Tubiello.
Barioni acrescenta que “a avaliação de sistemas alimentares elimina barreiras artificiais entre a agropecuária, a agroindústria e o comércio de alimentos. De forma semelhante, aponta para a necessidade de se rever a tradicional atribuição de emissões e impactos de ações de mitigação e adaptação de acordo com fronteiras nacionais. Alimentos podem ser produzidos em um país, processados em outro, consumidos em um terceiro e gerar impactos indiretos em um quarto país”, explica o pesquisador.
“A abordagem do sistema global de alimentos representa um avanço significativo para ajudar produtores e consumidores a planejar respostas efetivas e bem integradas às mudanças climáticas”, diz Cynthia Rosenzweig, principal autora do artigo e chefe do Grupo de Impactos Climáticos da Nasa GISS e do Centro da Universidade Columbia para Pesquisa de Sistemas Climáticos.
Na visão de Cheikh Mbow, outro dos co-autores e diretor da Future Africa, “para enfrentar os desafios do desenvolvimento sustentável e do clima, essa abordagem do sistema alimentar ajuda os países a implementar uma gama de respostas específicas no contexto da adaptação e da mitigação”.
“Agora, também é possível considerar a redução de perdas e desperdícios de alimentos em toda a cadeia alimentar, o que pode levar a oportunidades para os sistemas alimentares se envolverem na economia circular”, relata Mario Herrero, pesquisador chefe de Agricultura e Alimentação da Organização de Pesquisa da Comunidade Científica e Industrial (CSIRO).
Essa abordagem revela várias sinergias nas opções de resposta nos sistemas alimentares, trazendo benefícios também aos meios de subsistência e à biodiversidade, segundo Prajal Pradhan, agro-ecologista do Instituto Potsdam de Pesquisas sobre o Impacto Climático.
“Essas respostas também ajudam a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Por exemplo, o aumento da matéria orgânica do solo pode ajudar a sequestrar o carbono e aumentar a resiliência à seca, além de ampliar a produtividade e a biodiversidade do solo”, avalia.
“A diversificação do sistema alimentar, estabelecendo sistemas de produção integrados e recursos genéticos de base ampla, pode reduzir os riscos das mudanças climáticas”, diz Murukesan Krishnapillai, cientista do College of Micronesia-FSM. “Isso é particularmente importante para os pequenos agricultores, que estão entre os mais vulneráveis aos efeitos das mudanças do clima”, acrescenta Erik Mencos Contreras, pesquisador da Universidade Columbia.
São autores do artigo: Cynthia Rosenzweig, Cheikh Mbow, Luis G. Barioni, Tim G. Benton, Mario Herrero, Murukesan Krishnapillai, Emma Liwenga, Prajal Pradhan, Marta G. Rivera-Ferre, Tek Sapkota, Francesco N. Tubiello, Yinlong Xu, Erik Mencos Contreras e Joana Portugal Pereira.