A ocorrência e a distribuição de comunidades de minhocas pelo planeta dependem principalmente do clima, em especial das chuvas. Essa foi uma das principais conclusões do maior estudo já realizado sobre esses animais responsáveis pela estruturação do solo e por boa parte da reciclagem da matéria orgânica nele contida.
Recentemente publicado na revista Science, o trabalho reuniu e analisou enorme base de dados produzidas em 6.928 locais de 57 países, por 134 instituições de pesquisa, entre elas quatro brasileiras: Universidade Estadual do Maranhão (Uema), Universidade Positivo (UP), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e Embrapa. O objetivo foi mapear os padrões de distribuição espacial das comunidades de minhocas e identificar os fatores que moldam a riqueza e a quantidade das espécies.
“Foi uma surpresa perceber que o tipo de solo e suas características, por exemplo, não têm tanta influência sobre a distribuição das minhocas quanto a precipitação”, conta o pesquisador da Embrapa Florestas George Gardner Brown, coautor da pesquisa.
Ele revela que já se esperava que a umidade fosse um dos principais influenciadores da ocorrência desses animais, uma vez que sua respiração se dá pela pele e necessitam de solo úmido para estarem ativos.
“No entanto, a precipitação mostrou-se mais importante que fatores como temperatura e cobertura vegetal, além das características do solo”, admira-se o cientista.
Mais sujeitas às mudanças climáticas
Uma das consequências da descoberta é que as minhocas podem ser fortemente afetadas pelas mudanças climáticas no planeta. Brown explica que esses animais reduzem suas atividades fisiológicas durante os períodos de seca, quando entram em diapausa ou ficam inativos. Para retomar a rotina biológica mais ativa, elas são “despertadas” pelo retorno das chuvas.
“Isso significa que qualquer alteração climática que interfira nesse processo pode prejudicá-las. Um período de estiagem mais longo pode exaurir as populações de minhocas ao longo dos anos. Chuvas isoladas no meio da seca também podem confundi-las e fazê-las voltar à atividade antes do tempo e deixa-las expostas à escassez de água logo depois”, exemplifica o pesquisador.
De olho nesse problema, Helen Philips, pesquisadora do German Centre for Integrative Biodiversity Research (iDiv), em Leipzig, Alemanha, pretende aprofundar as pesquisas a respeito dos efeitos das mudanças climáticas sobre as minhocas. Philips é a primeira autora do trabalho. Já se sabe, por exemplo, que esses animais são sensíveis não somente à quantidade, mas, principalmente, à regularidade das chuvas.
A perda ou redução das populações de minhocas significaria o desaparecimento de muitos serviços ambientais valiosos que elas realizam, de acordo com Brown, o que afetaria também a agricultura. Elas estimulam a atividade microbiana e agem como engenheiras, formando a estrutura do solo que permite a aeração e a penetração da água e das raízes. “Não é à toa que agricultores e jardineiros a consideram um importante indicador de qualidade do solo, o que, em boa parte, se confirma em nossos estudos”, declara.
O mistério das latitudes
O número médio de espécies encontradas em cada local avaliado variou entre um e quatro, mas curiosamente houve um aumento da riqueza local de espécies conforme o aumento da latitude. A riqueza de espécies encontradas foi maior em latitudes médias do que em baixas latitudes na região tropical. Isso é o oposto do que ocorre com os organismos da superfície, tanto animais como vegetais, os quais apresentam maior diversidade nas regiões tropicais. Os cientistas ainda não descobriram o motivo dessa peculiaridade, mas especulam que ela pode estar relacionada a fatores climáticos como o potencial de evapotranspiração, ao teor de matéria orgânica no solo, à glaciação que ocorreu no período quaternário e a atividades humanas que promoveram a dispersão de minhocas, especialmente espécies exóticas, na região de clima temperado.
GMaschioNo entanto, o cientista da Brown chama a atenção para o fato de que a diversidade de espécies é maior somente nos locais de coleta e não nas regiões como um todo. Ou seja, na França, por exemplo, pode-se encontrar, comumente, um maior número de espécies de minhocas em um determinado local de coleta do que em um sítio brasileiro. Porém, há uma chance bem maior de essas mesmas espécies francesas se repetirem em outros lugares na Europa. Nos trópicos, por sua vez, apesar de haver menos espécies coabitando uma mesma área, a diversidade de espécies é maior, pois elas se repetem bem menos entre um local e outro, o que é conhecido como diversidade beta. Além disso, nos trópicos o número de espécies endêmicas (encontradas em somente um local, ou áreas reduzidas) tende a ser maior.
Quantas minhocas?
O estudo mensurou as comunidades de minhocas por meio de três parâmetros: riqueza de espécies (quantas espécies diferentes foram encontradas no local); abundância (quantidade de indivíduos) e biomassa (peso, registrado em gramas, de todas as minhocas encontradas). Brown detalha que esse último parâmetro é importante porque o tamanho dos animais está diretamente ligado à modificação da estrutura do solo. Uma comunidade numerosa de indivíduos pequenos pode ser menos impactante nesse aspecto do que um grupo menor formado por animais maiores, por exemplo.
Para cada um dos parâmetros foram analisadas as influências de seis variáveis: cobertura vegetal, altitude, tipo de solo, precipitação, temperatura e retenção de água. Foi esse comparativo que revelou a importância das chuvas para a espécie. Enquanto a temperatura e a retenção de água foram determinantes para garantir a abundância das minhocas e a cobertura vegetal esteve fortemente associada à biomassa, a precipitação mostrou-se uma forte influenciadora dos três parâmetros ao mesmo tempo.
O estudo global originou-se da compilação e análise de 180 trabalhos do mundo todo, 16 deles ainda não publicados. “Trata-se de uma contribuição valiosa da pesquisa, pois hoje sabemos muito pouco sobre os organismos do solo e sua distribuição no mundo”, pondera o pesquisador da Embrapa.
Brown lembra que o volume de informações produzidas não é homogêneo em todas as regiões do planeta. “Como em diversas áreas de pesquisa, há abundância de dados para as regiões temperadas e lacunas para as tropicais”, revela ele, frisando que entre os vários motivos dessa disparidade estão as facilidades de acesso a recursos financeiros, humanos, infraestrutura e materiais presentes em países com climas temperados no planeta.
Uma minhoca chamada Embrapa
Além das pesquisas realizadas em seus campos experimentais, a Embrapa abriga uma importante biodiversidade embaixo deles. Pesquisadores brasileiros e estrangeiros já descreveram 13 novas espécies de minhocas em áreas da Embrapa (veja abaixo) e outras 20 aguardam a descrição formal. As mais recentes são a Fimoscolex nivae, a Glossoscolex maschio e a Glossoscolex embrapaensis. As três foram encontradas em áreas da Embrapa Florestas e seus nomes remetem a participantes da descoberta. A F. nivae é uma homenagem a Cíntia Niva, pesquisadora da Embrapa Cerrados; a G. maschio alude a Wilson e Wagner Maschio, pai e filho proprietários de uma área vizinha à Embrapa Florestas na qual a espécie foi encontrada; e a G. embrapaensis homenageia a própria Empresa de pesquisa.
“É bom que o Brasil saiba que a Embrapa também é um importante patrimônio biológico para o País, já que suas unidades de pesquisa, campos e estações experimentais possuem uma enorme riqueza de animais, incluindo insetos e outros invertebrados como a minhoca, por exemplo”, afirma o pesquisador George Brown.
Veja as espécies de minhocas descobertas nas Unidades da Embrapa:
1. Righiodrilus amazonius (Zicsi & Csuzdi, 1999) e
2. Pontoscolex franzi Zicsi & Csuzdi, 1999, ambas coletadas na estação de Capitão Poço, da Embrapa Amazônia Oriental;
3. Righiodrilus moju Bartz, Santos & James, 2017, coletada na estação experimental de Moju, da Embrapa Amazônia Oriental;
4. Cirodrilus righii Zicsi, Römbke & Garcia, 2001, coletada na área experimental da Embrapa Amazônia Ocidental, em Manaus,
5. Righiodrilus ortonae (Righi, 1988),
6. Pontoscolex cuasi Righi, 1988,
7. Eukerria guamais Righi, 1971,
8. Urobenus gitus (Righi, 1971),
9. Atatina puba Righi, 1971 e
10. Liodrilus ipu (Righi, 1975), sendo essas seis últimas espécies coletadas na área experimental da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém;
11. Fimoscolex nivae Feijoo & Brown, 2018,
12. Glossoscolex maschio Feijoo & Brown, 2018 e
13. Glossoscolex embrapaensis Feijoo & Brown, 2018, coletadas na Embrapa Florestas, em Colombo, Paraná.
Fonte: Embrapa