Os rápidos avanços tecnológicos vêm provocando uma revolução no campo, a ponto de transformarem os sistemas produtivos e o dia a dia dentro da porteira. A Agricultura Digital (AD), que compreende a utilização de tecnologias que vão dos drones à telemetria, é uma realidade tão consolidada, que já estabeleceu as chamadas profissões do futuro. E a demanda é crescente: ao longo dos próximos dez anos devem faltar 148,7 mil profissionais qualificados, nas três principais carreiras tecnológicas aplicadas ao setor agropecuário.
Essas projeções foram traçadas na pesquisa “Profissões Emergentes na Era Digital”, publicada no ano passado pela Agência Alemã de Cooperação Internacional (GIZ), em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Núcleo de Engenharia Organizacional (NEO) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O estudo quantificou a procura de três profissões (técnico em agricultura digital, técnico em agronegócio digital e engenheiro agrônomo digital), considerando a demanda em três períodos diferentes: curto prazo (em dois anos), médio prazo (cinco anos) e longo prazo (dez anos).
A carência de profissionais já é uma realidade no meio rural. Segundo o estudo, as perspectivas são de que, já no curto prazo, 66,2 mil postos de trabalho não sejam preenchidos por falta de mão de obra qualificada nas três principais profissões do futuro. A demanda deve ser ainda maior, já que o estudo também identificou outras cinco carreiras em tendência, totalizando oito áreas tecnológicas voltadas ao agronegócio.
“O campo está cada vez mais tecnificado. Hoje, o produtor rural não pode mais se dar ao luxo de entender apenas de sua cadeia produtiva, seja qual for. Ele tem que entender pelo menos os conceitos básicos da Agricultura Digital. Drones, máquinas agrícolas com tecnologia embarcada e softwares que otimizam a produção são uma realidade. As profissões do futuro já são o nosso presente”, diz o presidente do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ágide Meneguette.
A percepção da importância de o setor rural acompanhar o desenvolvimento das tecnologias chegou ao campo do Paraná. Em pesquisa feita pelo Sistema FAEP/SENAR-PR no fim de 2021, 71% dos entrevistados concordaram que a agricultura passa por uma transformação digital. Por outro lado, há dados que indicam que a demanda também é grande em terras paranaenses: só 11% disseram ser fácil contratar profissionais com pleno domínio de ferramentas de AD, enquanto 63% discordam dessa afirmação. Os dados também sugerem a necessidade de capacitar produtores e trabalhadores para lidar com as tecnologias.
“Hoje, o produtor precisa entender de tecnologia, de software e hardware, para unir isso com a sua produção. Por outro lado, tem o caminho inverso: profissionais da área de tecnologia vindo ao campo. Essa multidisciplinaridade vai ser, cada vez mais, uma constante no setor rural. Tudo isso evidencia a necessidade de especialização”, ressalta Heli Heros Teodoro de Assunção, técnico do Departamento Técnico (Detec) do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Atualização
Atento a essas transformações no campo, o Sistema FAEP/SENAR-PR começou, em 2012, a formatar cursos que deram origem ao seu programa de Agricultura de Precisão (AP). Hoje, esse braço de atuação contempla seis títulos fixos, incluindo “Direcionamento automático de máquinas agrícolas” e “Operação de drones” – este, um dos cinco cursos mais procurados do portfólio e prestes a completar mil turmas. Além disso, a entidade tem desenvolvido capacitações pontuais, sob demanda dos produtores, como cursos de monitor de plantio, plantio em taxa variável e monitoramento de colheita e pulverização em taxa variável. Se a demanda continuar alta, esses cursos podem vir a fazer parte do catálogo permanente do Sistema FAEP/SENAR-PR.
“Hoje, temos imagens de satélites e softwares gratuitos. O que falta é o profissional que vai trabalhar esses dados. Essa demanda por mão de obra está aumentando conforme o produtor percebe que é imprescindível fazer uso desses recursos tecnológicos para produzir com mais eficiência e aumentar a produtividade”, observa Neder Maciel Corso, técnico do Detec do Sistema FAEP/SENAR-PR.
Outro ponto que tem evidenciado o papel de protagonismo do SENAR-PR neste processo de capacitação do produtor rural é que, na educação formal, as mudanças curriculares ocorrem de forma mais lenta. Ou seja, as universidades ainda não adequaram suas grades à nova realidade tecnológica do meio rural. Assim, o SENAR-PR tem sido decisivo ao levar conhecimento técnico atualizado aos produtores e trabalhadores rurais, e também contribuído, de forma complementar, à formação de universitários das ciências agrárias.
“A estrutura curricular das universidades, hoje, ainda não prepara o aluno para essa nova realidade no campo”, apontou Assunção. “Com certeza o SENAR-PR consegue responder às demandas do campo mais rapidamente que a universidade, assumindo esse papel de atualizar o setor agropecuário”, acrescentou.
Além disso, o SENAR-PR já atua para levar esses conceitos às próximas gerações do meio rural. Em novembro, a entidade deflagrou um projeto-piloto que inclui um módulo de drones dentro do Jovem Agricultor Aprendiz (JAA) – programa voltado a estudantes de 14 a 18 anos, provenientes de famílias ligadas ao meio rural. Por se tratar de alunos menores de idade, a capacitação trabalha com drones de pequeno porte, até 250 gramas, e aos quais a legislação não se aplica.
“Vamos fazer uma avaliação dos resultados desse projeto-piloto, já com intenção de trazer de forma definitiva à grade do JAA. Essas aplicações permitem trabalhar conceitos atuais, como Big Data, internet das coisas, presentes no meio rural”, observa Corso.
O futuro chegou
O estudo “Profissões Emergentes na Era Digital” também traçou uma análise sobre as novas ferramentas no campo. Segundo a publicação, o setor agropecuário tem acesso e capacidade financeira para implantar as tecnologias digitais de forma muito mais rápida em comparação com o setor industrial. O material também ressalta que muitos desses
recursos tecnológicos da Agricultura Digital já vêm “embarcados” nos maquinários usados para plantio e colheita – como direcionadores automáticos.
Além disso, a pesquisa detalha que os produtores podem cruzar dados de aplicativos de clima com informações especializadas de zoneamento agrícola para planejar a safra, além de poder lançar mão de plataformas comerciais para escoar a produção. Isso sem falar em recursos como pulverização por drones, telemetria e sensores que auxiliam a otimizar a produção no campo em diversas etapas.
“Tecnologia trouxe oportunidades”
A pandemia do novo coronavírus mudou drasticamente a vida profissional do instrutor do SENAR-PR e especialista em agronegócio, Luiz Augusto Burei, de Cantagalo, região Sul do Paraná. Com a suspensão dos cursos por medidas sanitárias, ele passou a investir todo seu tempo em sua empresa, a Agro Burei. Usando a tecnologia a seu favor, com o apoio de cinco programadores, o especialista em agronegócio começou a desenvolver o aplicativo AG+ Alta Performance, voltado a ajudar o produtor a fazer a gestão da propriedade rural, por meio de indicadores econômicos, financeiros e zootécnicos. Lançado há três meses, o produto já tem clientes em todo o Paraná.
“A maioria [dos clientes] é composta por pequenos e médios produtores, que conseguiram envolver sua família na utilização da ferramenta de gestão da propriedade. Não é a centralização da gestão em uma pessoa. É o compartilhamento da gestão entre a família”, explica Burei, que também é técnico em agropecuário e em gestão de agronegócios e especialista em administração financeira.
Desde 2009 nos quadros do SENAR-PR, Burei foi um dos instrutores que atuaram na reformulação do Programa Empreendedor Rural (PER). Na avaliação do especialista, o campo está no meio de uma revolução tecnológica e as mudanças serão cada vez mais frequentes, o que vai exigir do produtor e do trabalhador rural atualizações constantes. Para ele, o uso das tecnologias já é imprescindível para otimizar a produção em todos os níveis.
“A evolução tecnológica demorou a chegar no agro, mas veio para ficar. Hoje, o produtor com acesso à internet pode fazer a gestão a propriedade de onde quer que esteja. Quando vier o 5G, vamos dar um salto maior”, prevê Burei. “A tecnologia trouxe oportunidades. Com elas, o produtor passa a usar mais conhecimento do que a força bruta. Ele potencializa a produção: produz mais em menos tempo e, consequentemente, ganhando mais dinheiro”, complementa.
“Não há espaço para aventureiros”
Por dois anos – entre 2019 e 2021 – o engenheiro agrônomo Andrei Mori teve uma empresa de pulverização aérea por drones, que atendia todo o Paraná. Ele interrompeu as atividades por uma série de fatores, que incluem a necessidade de aprimoramento nas aeronaves (principalmente no que diz respeito à autonomia de baterias) e de avanços na regulamentação e fiscalização do setor. Especialista em agronegócio, Mori ressalta: o uso de tecnologias requer especialização.
“Eu decidi esperar o mercado se equalizar, termos mais dados sobre metodologia de uso, para voltar a operar. Hoje, não existe fiscalização. Isso abre precedente para que pessoas sem conhecimento técnico comprem um drone e ofereçam o serviço”, aponta Mori, que também tem uma empresa de consultoria de agronegócio e é diretor de política profissional da Associação Regional dos Engenheiros Agrônomos de Cascavel. “Não é ir ao Paraguai, comprar um drone e sair aplicando. Não há espaço para aventureiros”, complementa.
O consultor ressalta que a aplicação de agroquímicos por drones é uma excelente alternativa complementar à pulverização convencional – por máquinas agrícolas. O uso da tecnologia, no entanto, requer um mapeamento da área e o entendimento claro das metodologias agronômicas de aplicação – que podem ser feitos, também, com ajuda de drones. Para isso, é imprescindível que um engenheiro agrônomo conduza o trabalho.
“É um serviço que não pode ser feito por quem entende só de tecnologia. Tem que ser feito por alguém do agronegócio”, ressalta. “Por isso, há a necessidade de capacitação, educação, entendimento das potencialidades da ferramenta e da legislação. Temos uma necessidade grande de formação. O SENAR-PR tomou a frente desse processo. Não tenho dúvidas de que a saída é a profissionalização”, ressalva.
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Fonte: Sistema FAEP