Os avanços tecnológicos em relação à meteorologia são inquestionáveis. A precisão com que se preveem chuvas, estiagens, tufões, tornados, entre outros fenômenos, avança rapidamente. Mais que isso, é possível antecipar se vai chover menos que a média, se há chance de geada “no cedo” ou “no tarde”, o que, sem dúvida, ajuda no planejamento das lavouras. Com base nisso, os produtores rurais apostam suas fichas e põem a sorte à prova lançando sementes no campo. E se nas últimas três temporadas as “jogadas” dos agricultores vinham dando certo, com chuvas na hora certa – ainda que com volume abaixo do normal –, na temporada de verão 2021/22 quem se deu bem foi a “banca”.
Os meteorologistas alertam que a chuva tem caído de forma irregular e abaixo da média pelo menos desde 2019 no Paraná. Alguns municípios, inclusive, passaram por longos racionamentos de água, incluindo Curitiba. Perdas pontuais nas safras em algumas regiões, por falta de chuva, foram constantes. Rios com vazão abaixo da média e problemas na distribuição da água entre produtores irrigantes também têm sido registrados.
Mas a novidade em 2021/22 foi a chuva mal distribuída. Em outubro, os índices ultrapassaram os 400 milímetros em alguns pontos, enquanto que em dezembro algumas localidades passaram praticamente sem água (veja gráficos nas páginas 24 a 26). Isso representa um problema, pois o último mês do ano concentra a florada e o enchimento de grãos da soja, dependendo da região do Paraná.
“Faz três anos que estamos enfrentando uma seca. Inclusive 2020 foi o pior ano da história em termos de quantidade”, revela Heverly Morais, agrometeorologista do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR). “Mas a agricultura tem aquele negócio, se chove na hora certa, mesmo que com menos volume, ainda tem boas produtividades. No ciclo 2020/21, mesmo chovendo abaixo da média, a chuva caiu em dezembro, mês crítico para grandes culturas, e a produtividade foi perto do esperado. Por outro lado, nesta temporada, não foi tão crítico, só que pegou a seca severa em dezembro passado”, complementa.
Com as máquinas colhendo, os prejuízos da safra de verão ainda estão em fase de cálculo. Até o momento, conforme levantamento do Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (Seab), as regiões mais afetadas pela estiagem foram o Oeste e o Sudoeste – embora perdas tenham sido constatadas em praticamente todas as regiões. O fato é que a safra estadual, que tinha potencial para passar das 20 milhões de toneladas, deve ficar próxima de 11 milhões, prejuízo acima dos R$ 30 bilhões (na cotação atual de R$ 200 a saca da oleaginosa). O milho verão também registrou quebra superior a 35%. Ou seja, em vez das 4,26 milhões de toneladas esperadas, o Estado deve produzir 2,76 milhões – R$ 4,3 bilhões de prejuízo com a cotação na faixa de R$ 95 a saca.
Próxima jogada
Claro que o planejamento, o investimento em tecnologia, a conservação de solo e uma série de boas práticas no campo ajudam a minimizar prejuízos na propriedade. Mas, de certa forma, cada vez que o produtor tira a plantadeira do galpão, a sorte é lançada. Às vezes, mesmo chovendo dentro da média, a água pode vir na hora “errada” e não beneficiar o cultivo. Então, em tese, a safrinha de milho, plantada agora, e os cereais de inverno têm chance de irem bem, caso chova na hora certa. A pergunta que fica nesse caso: a chuva vai se normalizar no Paraná?
Segundo os meteorologistas, as cartas do tempo continuaram sendo dadas pelo fenômeno La Niña (aquecimento das águas do Oceano Pacífico). Isso significa menos chuva e mais irregularidade no regime de precipitação na região Sul do Brasil e mais chuva no Centro-Oeste e Nordeste. “Desde o ano passado, temos essa influência, e não é fraca. O fenômeno provoca diminuição da chuva na Argentina, Paraguai e Centro-Sul do Brasil. Somado a isso, estamos vivendo uma estiagem que não é de agora. Dois ou três anos que viemos observando que precipitações vêm abaixo da média”, lembra Luiz Renato Lazinski, consultor em agrometeorologia.
Ao que tudo indica, na leitura de Lazinski, o La Niña vai persistir por um bom tempo. “Vamos ter nesse ano ainda a influência na nossa safrinha de milho e praticamente toda safra de inverno. O que podemos esperar com La Niña é períodos curtos em que pode chover bem. Do final de março em diante, essa chuva corta e podemos esperar veranicos, como os que ocorreram no ano passado. Não é que não vá chover, mas a irregularidade é a marca quando acontece esse tipo de condição meteorológica”, alerta o agrometeorologista.
O colega de profissão Ronaldo Coutinho, meteorologista da Climaterra, vai na mesma direção em relação à previsão para os próximos meses. Ele lembra que, desde 2019, o La Niña começou a dar as cartas. “O La Niña diminui o fluxo de umidade da Amazônia e as frentes frias [que causam chuva] passam com mais rapidez. Somado a isso, temos fatores secundários que contribuem para esse cenário de menos chuva. É importante dizer que não é ausência de chuva, mas irregularidade extrema e volumes abaixo da média”, esclarece. “Nesse cenário, podemos ter até enchentes, como ocorreram efetivamente nos últimos anos em alguns pontos do Sul, pois quando chove, chove demais e em pouco tempo”, reforça.
Frio
O La Niña também influencia nas temperaturas, como aponta Lazinski. Assim como ocorreu em 2021, esse ano podem ocorrer ondas de frio intenso a partir de maio. Além disso, as temperaturas baixas devem ir embora mais tarde, com possibilidade de geadas tardias, em especial nas áreas mais altas do Estado. “O frio provavelmente chegará cedo esse ano. Agora, em
relação à geada, é difícil que pegue o milho safrinha, como ocorreu no ano passado, porque em 2022 o plantio ocorre dentro da janela ideal. Mas vamos ter massas de frio bem intensos. Ainda, a passagem de ondas de frio deve se prolongar até setembro”, prevê o agroemeteorologista. E parece cedo para cravar como vai ser o regime de chuvas no ano que vem, na safra de verão, mas Lazinski aponta a tendência de influência da La Niña, ao menos até o início do plantio, em setembro e outubro. “No início da safra de verão ainda vamos estar sob influência de La Niña. O agricultor que fique de olho porque clima não muda muito”, aponta.
Oscilação do Pacífico
Os meteorologistas têm alertado ainda para outro fenômeno que interfere diretamente no regime de chuvas, a chamada oscilação decadal do Oceano Pacífico. De forma simplificada, trata-se de períodos de mais ou menos três décadas nos quais há mais chance de ocorrer ou El Niño ou La Niña. Aparentemente, encerrou-se um ciclo no qual havia mais propensão a ocorrer El Niños. E foi inaugurado um novo ciclo no qual a chance de La Niñas vai ser maior. “Não é que não vá ocorrer El Niño, mas a tendência é que La Niñas sejam mais comuns e com mais intensidade. Isso faz parte do ciclo natural do planeta”, aponta Lazinski.
De acordo com o meteorologista Ronaldo Coutinho, o Brasil já enfrentou outros períodos de estiagem, inclusive mais intensas, que fazem parte dos ciclos climáticos. Porém ele enfatiza que a diminuição significativa da área de florestas intensifica os efeitos da falta de chuva, já que sem vegetação a água escoa de forma intensa, leva solo para os rios que ficam assoreados e a água, que devia infiltrar devagar, chega mais rapidamente aos oceanos. “As estiagens fazem parte dos ciclos. Então temos as duas coisas, os ciclos naturais de oscilação nas chuvas, mas também estamos colhendo o que plantamos”, detalha Coutinho, advertindo pela ação humana no meio ambiente.
Inpe aponta 77% de chance de La Niña continuar
A reportagem da revista Boletim Informativo do Sistema FAEP/SENAR-PR procurou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para projetar a previsão para os próximos meses, ou seja, a safra de inverno. A expectativa, segundo dados do Inpe, é de precipitação abaixo do normal no Paraná, o que traz apreensão aos produtores rurais, que já contabilizam perdas severas na safra de verão. Confira o que um dos órgãos de meteorologia mais importantes do país aponta sobre a situação climática do Estado. A meteorologista Caroline Vidal e a pesquisadora Mary Kayano foram as autoras das respostas.
BI – O que explica a condição de estiagem no Sul do Brasil (mais especificamente no Paraná) nos últimos anos?
Inpe – Existem alguns fatores de escala global que influenciam nesta condição de seca em grande parte da região Sul do Brasil. O principal deles é o fenômeno de La Niña (resfriamento das águas do Pacífico equatorial e que ainda atua este período). Outro fenômeno que tem influenciado é chamado de Modo Anular Sul, o qual consiste basicamente na diferença de pressão entre pólo e latitudes médias. Esse fenômeno na fase em que se encontra fortalece um sistema de alta pressão, que inibe condições de chuva em boa parte do Centro-Sul do Brasil.
Alguns meteorologistas têm citado um fenômeno chamado de variação interdecadal. O Inpe tem dados que possa relacionar a estiagem com algo ligado a isso?
Oscilações interdecadais atuam em um período de tempo mais longo. As duas principais são a Oscilação Interdecenal do Pacífico [PDO, sigla em inglês] e Oscilação Multidecenal do Atlântico [AMO, sigla em inglês], cujos períodos variam de 50 a 70 anos e 60 a 80 anos, respectivamente. No final dos anos 1990, a PDO passou da fase positiva para a negativa e a AMO da fase negativa para a positiva. A situação perdura até os dias de hoje e, prevalecendo o comportamento das últimas décadas, deverá persistir nos próximos cinco a 10 anos [maior tendência de La Niña].
Como deve ficar a previsão do tempo para os próximos meses, época na qual os produtores plantam a safra de inverno?
A previsão indica maior probabilidade de que o fenômeno de La Niña permanece no próximo trimestre. Por isso, para grande parte do Paraná e Santa Catarina, há maior chance de que a precipitação fique abaixo da faixa normal. Já para o Rio Grande do Sul, existe uma incerteza maior. Por outro lado, apesar de a previsão indicar a continuidade do La Niña para o próximo trimestre (77%), haverá chances deste fenômeno findar entre março e abril, o que poderá gerar possíveis excedentes de precipitação em setores da Região Sul, inclusive em parte do Rio Grande do Sul, onde há maior incerteza na previsão. Em relação às temperaturas, há maior probabilidade na categoria acima da faixa normal para grande parte da região. Porém, caso o La Niña venha a finalizar dentro do trimestre março-abril-maio, poderá amenizar as temperaturas no Sul do país.
Os números não mentem – Por Bruno Vizioli
Os números apresentados nos comitês de gestão de bacias hidrográficas não são tão animadores para a agropecuária. Os modelos discutidos apontam que o fenômeno La Niña se estende até maio, indicando um inverno de neutralidade climática, o que resulta em clima frio e seco; já o fenômeno El Niño só ganharia força após a metade da primavera de 2022.
Em fevereiro, ainda sob influência do La Niña, as chuvas foram irregulares, ficando levemente abaixo da média, combinadas com temperaturas elevadas, o que proporciona menos água armazenada no solo, causando prejuízo na safra 2021/22 e podendo prejudicar a safrinha de 2022. Para os meses de março e abril, os modelos apontam que no Paraná as chuvas serão ligeiramente abaixo da média, com temperaturas mais altas do que o normal.
O fato é que as chuvas serão irregulares durante todo o ano, com grandes volumes concentrados em pouco tempo, acarretando prejuízos às lavouras – pois mais importante do que ter volume de chuva é que esse volume seja bem distribuído durante a safra. Regiões do Estado que historicamente enfrentam problemas climáticos seguirão com este cenário pelo menos até o inverno. Os dados apontam uma conjuntura de fatores preocupante: aumento de temperatura e redução de chuvas.
O produtor rural e o técnico podem adotar práticas de manejo que reduzam os impactos da irregularidade da distribuição de chuvas. Basta observar que nos últimos anos a chuva tem diminuído e as perdas estão constantes. Nos últimos 20 anos, o Paraná perdeu pelo menos 40% do volume de chuva, isso encarece a produção agrícola e reduz o lucro do agricultor, além de tornar o produtor um refém do clima. Deve-se vencer a resistência à conservação de solo e adoção de técnicas que armazenem água no solo, assim como lançar mão do seguro agrícola. As práticas devem serem vistas como investimento e redução de danos, não como gasto.
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Fonte: Sistema FAEP