Um estado pode nascer a partir de uma serra? Esse é caso de Minas Gerais, que teve seu território incorporado ao país, quando as montanhas da Mantiqueira foram transpostas pelos bandeirantes, no século XVII.
A segunda reportagem da série sobre a Serra da Mantiqueira mostra que muitos fatos importantes da história do Brasil aconteceram nesta região.
Uma cadeia de montanhas imponente e bela, onde nascem muitos rios que escorrem pelas encostas. O nome, Mantiqueira, ela recebeu dos índios, seus primeiros habitantes.
O historiador Marcelo Lemos, explica que os índios já viviam na serra muito antes da chegada dos portugueses.
- Por conta da riqueza e diversidade biológica… Nessa região você tinha muita caça. Então, os índios já estavam aqui e no Vale do Paraíba há nove mil anos – disse ela.
Muitas tribos viveram na Mantiqueira, como os Puris, Botocudos e Araris.
- [A colonização] ela se faz em torno da busca do ouro – diz o historiador Francisco Sodero.
Ele explica que os bandeirantes foram os primeiros brancos a subir a serra. Eram paulistas que se aventuravam em expedições para desbravar o interior do Brasil. Essas viagens eram chamadas de Bandeiras, daí o nome bandeirante.
- A mais importante foi a de Fernão Dias Paes, que em 1674 saiu de São Paulo foi em direção a Minas Gerais em busca não só dos metais preciosos, mas das esmeraldas que ele procurava encontrar – conta Sodero.
A busca do ouro colocou em guerra brancos e índios. Nos conflitos, muitos índios morreram, outros foram capturados e escravizados, e assim foram desaparecendo da Mantiqueira. Hoje, deles só restam lendas:
Dizem que certa vez, um chefe da tribo dos Puris se perdeu na mata. Buscando o caminho de volta, ele encontrou uma pedra e percebeu que ao bater nela, ela produzia um som bem diferente. Foi batendo na pedra que ele acabou sendo ouvido pelos companheiros e foi encontrado. A partir daí os índios passaram a acreditar que bastava bater na pedra para conseguir proteção.
Em 1694, Garcia Paes, filho de Fernão Dias, encontrou o primeiro veio de ouro, na região de Ouro Preto, em Minas Gerais. Dando início a um novo ciclo da economia da Mantiqueira e do Brasil.
Essa história se passa nas cercanias da chamada Estrada Real, que hoje é toda sinalizada por marcos. O primeiro trecho da estrada ligava o porto de Paraty, no litoral do Rio de Janeiro até a região de Ouro Preto:
- Esse caminho se torna no início, o único caminho em que era permitido o transporte do ouro. Então, por isso mesmo, recebe o nome de Estrada Real – conta Sodero.
No século XVIII, o governo português autorizou a abertura uma nova estrada, ligando as minas diretamente ao porto do Rio de Janeiro, de onde o ouro embarcava para Portugal. Ela levou mais de 20 anos para ficar pronta e foi feita por Garcia Paes, com dinheiro próprio.
- Era uma iniciativa privada. Ele tinha o direito de cobrar o pedágio, para recuperar o investimento que ele fez – Edson Brandão, historiador.
Além de pedágio, quem transportava ouro tinha que pagar imposto à coroa portuguesa. Ao longo da estrada real, existiam casas de registro, para recolher as taxas. Uma delas, localizada na cidade de Barbacena, está em restauração.
- Data de 1701, Minas Gerais ainda nem existe formalmente. Ainda era um pedaço de São Paulo – conta Brandão.
Para ocupar as terras ao redor da Estrada Real e expandir as fronteiras do país, no início do século XVIII, o governo português começou a distribuir sesmarias: imensas extensões de terra, doadas pela coroa aos amigos do rei. Assim surgiram as primeiras fazendas e casarões da serra.
A Fazenda Borda do Campo é considerada a mais antiga fazenda da parte mineira da Serra da Mantiqueira. Ela começou a ser aberta por volta de 1710.
Foi o próprio Garcia Paes quem abriu a área e construiu a casa que resiste até hoje.
- Ela tem muito do paulista ainda, do bandeirista. Com o alpendre, que é a varanda, é o início da ocupação de Minas Gerais literalmente – declara o historiador Brandão.
As fazendas da Mantiqueira abasteciam a corte, no Rio de Janeiro, e a região mineradora.
- Isso explica porque nós vamos ter potentados, ou seja, fazendeiros muito ricos, muito influentes – disse ele.
Sinônimos de riqueza e poder, os casarões estão por toda parte, com suas janelas coloridas, paredes de adobe e telhas de barro. São marcos da arquitetura colonial brasileira. Abrigavam as famílias que viviam na Mantiqueira e também hospedavam tropeiros e viajantes, por isso as casas têm muitos quartos e salões. Quase todas têm capelas, com santos e oratórios, esculpidos em madeira, há mais de 200 anos.
A sede da Fazenda Santa Clara, no município de Santa Rita do Jacutinga, em Minas Gerais, impressiona. A casa levou 25 anos pra ser construída e tudo nela faz referência à duração de um ano. São 365 janelas, 12 salões e 52 quartos, que é o número de semanas que tem no ano.
Em 1815, o comendador Teresiano, ganhou cinco mil hectares do governo e construiu a casa que só ficou pronta em 1840. De lá pra cá, a fazenda passou por vários donos. Em 1924, parte da área foi comprada pelo avô de Adélia Nogueira.
- Ele pagou em 10 prestações de 90 contos de réis – conta.
Adélia conta que, apesar do tamanho, a casa só tinha um banheiro e que ainda ficava do lado de fora.
- Realmente o europeu não tinha uma cultura de higiene. Os quartos de fazenda tinham uma mesa, chamada de mesa suíte. Nela ficava um jarro cheio d’água, com uma bacia, para lavar o rosto. Quando queriam ir ao banheiro, tiravam a bacia e logo abaixo estava o vaso. Na parte de baixo da mesa ficava o chamado urinol, que tinha uma tampa para não ficar cheiro. Quando necessitavam usar outra vez, pegavam debaixo da cama o pinico. Só que o pinico não tem tampa. Então, quando usavam, pra não ficar cheiro no quarto, guardavam dentro do criado mudo – explica Adélia.
A Santa Clara chegou a ter 2.800 escravos, tratados com mão de ferro pelo comendador. Como o comendador pertencia à maçonaria, na capela da fazenda, os santos católicos dividem espaço com os símbolos maçons.
Na Mantiqueira o que não falta é história. A segunda parte da reportagem, mostra como a serra contribuiu para o crescimento da agropecuária brasileira. Foi lá que começou a criação do principal rebanho de leiteiro do país. O Globo Rural mostra também porque o café se espalhou pelas montanhas e conta a saga dos imigrantes que transformaram a Mantiqueira numa grande produtora de queijos finos.
Fonte: Globo Rural