O mercado internacional do trigo sente os efeitos da tensão na fronteira da Rússia e a Ucrânia. Os possíveis impactos geopolíticos de um conflito bélico na região têm resultado em altas expressivas nas cotações do trigo nas principais Bolsas que negociam o cereal. Em apenas três sessões os contratos negociados na Bolsa de Chicago, por exemplo, subiram mais de 10%. No mesmo período, as elevações de soja e milho nessa Bolsa foram próximas de 4%.
Segundo o analista da Safras & Mercado, Élcio Bento, isso acontece por que o conflito ocorre na região que concentra os maiores excedentes exportáveis de trigo do mundo.
“Uma eventual interrupção do comércio internacional na região obrigaria um redirecionamento da demanda para outros grandes fornecedores. Como os Estados Unidos, da mesma forma que o Canadá, estão com quadros de oferta e demanda bastante ajustados na temporada 2021/22 (entre junho de 2021 e maio de 2022), a possibilidade de uma procura maior pelo cereal, teve impacto direto nas cotações em Chicago” – explicou.
Agora, conforme o analista, os agentes ficarão atentos às sanções ocidentais contra a Rússia, que podem ser mais severas do que as impostas em 2014. Rússia e Ucrânia juntas produzem 14% do trigo global e fornecem 29% de todas as exportações de trigo.
“Com a produção da safra nova em andamento, além dos lotes remanescentes de exportação da atual temporada, o mercado já começa olhar para os impactos sobre a produção e comercialização da safra nova. Um eventual prolongamento do conflito na região poderia trazer impactos nunca vistos num mercado altamente globalizado”.
Bento lembra que as perspectivas de produção para as safras de trigo de inverno da Rússia e da Ucrânia são atualmente favoráveis, com aumento de área e clima.
Mesmo tendo resultado em alta volatilidade nas Bolsas mundiais que comercializam o cereal, os preços do trigo demoraram a responder às ameaças mais recentes da Rússia contra a Ucrânia, “provavelmente refletindo memórias dos movimentos de mercado de curta duração quando a Rússia invadiu seu vizinho pela última vez e tomou a Crimeia em 2014”, ponderou. Entre fevereiro e o final de março de 2014, os preços futuros do trigo em Chicago subiram 25% por temores de interrupção no fornecimento global de grãos. Em vez disso, o ritmo de exportação de trigo da Ucrânia permaneceu forte devido a uma grande colheita em 2013. No final da temporada, em 30 de junho de 2014, as exportações aumentaram 36% ano a ano e os preços do trigo de Chicago voltaram aos níveis pré-conflito. Na temporada atual, a Ucrânia também tem um saldo exportável recorde.
A Rússia, desde 2014, ultrapassou os Estados Unidos em volumes de exportações de trigo e se consolidou como o maior exportador global do produto. Até mesmo o Brasil, que por muito tempo foi relutante em relação à aquisição do cereal russo, tem comprado cada vez mais lotes da região. Na atual temporada, por dificuldades climáticas teve sua produção reduzida de 92,9 para 87,4 milhões de toneladas. Consumindo 18,5 milhões de toneladas como ração e 23,3 mil toneladas na indústria local, deve exportar cerca de 35 milhões de toneladas, contra 39,1 milhões de toneladas do ciclo anterior.
A Ucrânia sempre foi um dos grandes exportadores globais. Contudo, na temporada 2021/22 aumentou sua participação. A produção local alcançou um volume recorde de 33 milhões de toneladas (contra 25,4 milhões de toneladas do ciclo comercial anterior) e as exportações estimadas subiram de 16,9 para 24 milhões de toneladas. Isso colocou o país como o quarto mais exportador global. As tropas russas se mudaram para dois territórios no leste da Ucrânia – Donetsk e Luhansk – que juntos respondem por cerca de 10% da produção de trigo da Ucrânia.