Embora os alimentos tenham mercado crescente, fazer uma pequena propriedade rural dar lucro suficiente para sustentar uma família não é fácil. Os custos de produção sobem, as exigências sanitárias aumentam, o mercado impõe novos padrões e a mão de obra é escassa. Setores que se desdobram tornam-se referência , mas não se levantam sem investimento e trabalho pesado. É o que mostram as cadeias da erva-mate, da uva, do tabaco e dos alimentos orgânicos, percorridas na última semana pela Expedição Agricultura Familiar em viagem pelo Rio Grande do Sul.
As dificuldades se multiplicam no município que concentra o maior número de minifúndios do Brasil. Em Canguçu, a 270 quilômetros de Porto Alegre, há 14 mil estabelecimentos rurais nas mãos de aproximadamente 12 mil produtores, aponta a Emater gaúcha: uma multidão de famílias em busca de renda estável.
- O milho e a soja não dão o suficiente no longo prazo. O leite já foi a alternativa para 5 mil e agora tem produção comercial só em 1,8 mil propriedades. Estamos apostando em saídas como a agricultura orgânica – relata o extensionista Donaldo Hepp.
Por enquanto, os alimentos orgânicos abrem portas para apenas cerca de “30 a 40” propriedades, relata. E será necessário desenvolver mercado para fazer com que a conversão de novas áreas ao cultivo agroecológico, sem uso de agrotóxicos, seja rentável, aponta.
Na propriedade da família Seefeldt, a viabilidade vem sendo colocada à prova sem medo, com investimentos de R$ 65 mil num aviário e num abatedouro. Enquanto a avó Edi, de 80 anos, toma conta da cozinha, o casal Ingomar e Leni segue cedo para os canteiros de cenoura, beterraba, alface, abóbora, repolho, batata… A filha Letícia quer continuar no empreendimento rural, mas isso vai depender da ativação da engorda e do abate de frangos coloniais, temporariamente impedida por exigências da defesa agropecuária gaúcha.
Até a produção de carne sair do papel, a família comercializa verduras numa das duas feiras orgânicas semanais da cidade. O município de 50 mil habitantes ainda é o principal destino da produção desses alimentos.
A 230 quilômetros dali, em Santa Cruz do Sul, foi necessário enxergar um mercado global para a estruturação da cadeia do tabaco dois séculos atrás. Os imigrantes alemães que plantaram as primeiras lavouras também desenvolveram sistema integrado de produção que se alastrou por todo o Sul do país, aponta Carlos Roberto Vieira Palma, gerente de Assuntos Corporativos da Souza Cruz, uma das sete grandes indústrias instaladas na região, a 150 quilômetros de Porto Alegre.
Hoje o tabaco tem 160 mil produtores no Sul do país, e o polo industrial da região de Santa Cruz emprega 30 mil pessoas. A agricultura que alimenta esse sistema é 100% familiar, com média de 2 hectares de cultivo por produtor.
Maior exportador, o país embarca 500 mil toneladas do produto ao ano. Esse volume rendeu US$ 2,5 bilhões em 2014 e já passou de US$ 3 bilhões em 2013, 2012 e 2009. Mas essa liderança e 150 anos de atividades não significam renda suficiente aos produtores.
A expectativa de Miguel e Rovani Pick, que cultivam 4 hectares com tabaco em Santa Cruz do Sul, é que a desvalorização do real eleve a cotação do produto. Isso pode fazer com que a renda de uma família que planta 55 mil pés de fumo passe de R$ 60 mil (2014) para R$ 80 mil.
- Isso aliviaria as perdas da seca de agosto e das enxurradas de setembro – diz Miguel.
A qualidade também vai determinar a renda, lembra Julieta Pick, produtora que acorda até quatro vezes durante a noite para alimentar fornos a lenha para a secagem adequada da produção.
Investir em estrutura faz a diferença na agricultura familiar, afirmam os produtores Cristiano e Saily Dupont, de Rio Pardo, na mesma região. Três fornos de secagem de tabaco (dois elétricos), caminhão, trator, máquina de amarrar fardos tornam o serviço menos árduo e permitem à família planejar construção de uma casa nova, com mais conforto para a filha Cecília, de 1 ano.
Fonte: Gazeta do Povo