De 2019 para cá, o Paraná vem registrando um número assustador de
lavouras infestadas pela cigarrinha do milho (Dalbulus maidis), inseto tinhoso
que se esconde no cartucho da planta inoculando agentes que causam doenças, os
chamados “enfezamentos” (vermelho e pálido), que podem levar à redução
significativa da produção. Em algumas ocasiões, o prejuízo chega a 70%, com
casos em que o milharal todo foi erradicado.
Desta forma, a performance histórica da safra 2019/20, quando o Estado colheu 15,5 milhões de toneladas do cereal, pode não se repetir na temporada atual. Pior, pode colocar em risco um momento ímpar da agricultura paranaense, quando o grão está bastante valorizado, permitindo a capitalização dos produtores.
Diante disso, diversas instituições de pesquisa, órgãos de governo e
representantes do setor produtivo, inclusive o Sistema FAEP/SENAR, estão
debruçados sobre este problema em busca de soluções conjuntas. O objetivo é
levar informação técnica de qualidade para o campo para preparar os produtores,
que até pouco tempo atrás conviviam de forma pacífica com o inseto, a
combatê-lo com todas as armas disponíveis. “A melhor estratégia para combater a
cigarrinha é pensar em soluções conjuntas e nunca de forma isolada. A pesquisa
vem demonstrando que ações combinadas e adotadas em nível regional, como
plantio sincronizado e rotação de cultivares, podem ter bons resultados”,
afirma Ana Paula Kowalski, técnica do Departamento Técnico Econômico (DTE) da
FAEP.
Sozinha, a cigarrinha não é capaz de causar prejuízos significativos. O
problema está nas doenças que ela carrega e transmite às plantas sadias. Essas
doenças (enfezamento causados por bactérias e a “risca do milho” causada por
vírus) prejudicam o desenvolvimento das espigas, o enchimento dos grãos,
favorece o apodrecimento do colmo e, por fim, o tombamento da planta. Tal qual
o mosquito da dengue junto aos seres humanos, a cigarrinha é um vetor de
doenças. Quando ela pica o pé de milho, inocula nele os agentes causadores de
doenças. Isso explica a pouca eficácia do controle químico nestas situações.
Excesso de inseticidas
A nota técnica divulgada pela Adapar, no final de fevereiro, mostra o
aumento significativo na quantidade de inseticidas aplicados nas lavouras de
milho para controle da cigarrinha no Estado. O volume empregado na safra verão
2020/21 foi cerca de seis vezes maior que o utilizado na safra anterior,
passando de 6.386 litros para 36.284 litros. “O controle com inseticidas não é
tão efetivo porque a praga precisa se alimentar da planta para entrar em
contato com o inseticida e morrer. Mas, quando ela morde a planta, já transmite
as doenças”, observa o coordenador do programa vigilância e prevenção de pragas
em cultivos agrícolas e florestais da Adapar, Marcílio Martins Araújo. Além
disso, como a praga se desloca com muita rapidez, pouco tempo após a aplicação,
já está de volta à lavoura.
Segundo Araújo, hoje a cigarrinha está presente em todo Paraná. A Adapar
coletou 64 amostras em diversas regiões, em novembro de 2020, e constatou que
40% do total estavam contaminados com enfezamentos pálido e vermelho. “Todas as
regiões produtoras comerciais de milho têm a doença”, sentencia Araújo.
De acordo com ele, isso se explica pela facilidade de o inseto sobreviver
em campo e se multiplicar migrando de lavouras mais velhas para mais novas. “A
cigarrinha encontra plantas verdes para servir de hospedeiro praticamente o ano
inteiro, pois temos o milho primeira e segunda safras, além do plantado para
silagem e o verde”, observa Araújo. Desta forma, a cigarrinha conta com farta
disponibilidade de plantas para sobreviver e se multiplicar ao longo de todo
ano, expandindo sua área de atuação.
Diferença de cultivares
No caso do produtor Edilson Gorte, de Palmeira, nos Campos Gerais, a
cigarrinha chegou de forma inesperada nesta safra 2020/21. Sua família produz
milho em escala comercial na região há 40 anos, mas até então nunca havia se
incomodado com o inseto. “Fomos pegos de surpresa. Já sabíamos da existência
desse inseto vetor nas regiões de Minas Gerais, Mato Grosso e até no Paraná,
nas regiões Norte e Nordeste. Mas sabíamos que ele não se deslocava por muitos
quilômetros. Além disso, em nossa região não fazemos a safrinha”, afirma o
produtor que não esperava encontrar problemas tão sérios por conta da praga.
Com 408 hectares dedicados ao milho na temporada atual, Gorte trabalhou
com híbridos tolerantes aos enfezamentos e outros suscetíveis. As diferenças
ilustradas nas fotos das lavouras falam por si só. A área plantada com os
cultivares suscetíveis foi praticamente toda destruída pelas doenças.
A escolha de variedades resistentes ou tolerantes aos enfezamentos é uma
das principais estratégias de controle. A resistência genética de alguns
híbridos proporciona níveis de produtividade muito superiores àqueles sem
resistência, de modo que vale à pena pesquisar quais as variedades mais estão
disponíveis na sua região e optar por elas na hora da semeadura.
Produtividade ameaçada
Na visão do produtor e presidente do Sindicato Rural de São João, na
região Sudoeste, Arceny Bocalon, a chegada da cigarrinha nas lavouras veio
acompanhada de perdas significativas. “Por aqui, o pessoal teve prejuízo. Há
uns dois, três anos fechamos 210 sacas por hectare. Esse ano passou um pouco
das 82 sacas por hectare. Isso por causa da cigarrinha, pois o milho não se
desenvolve. Dá até raiva de entrar na lavoura”, avalia.
Na lida com o milho desde “piá”, Bocalon conta que nunca viu uma
infestação como essa. “Começou a atingir a região há uns três anos, veio vindo
aos poucos, os produtores não tomaram cuidado e agora a cigarrinha tomou
conta”, lamenta.
O receio no momento é que a safrinha, que representa uma área muito maior
dedicada ao cereal no Paraná, vá a campo em um ambiente repleto de cigarrinhas.
“O milho verão pega um pouco da cigarrinha que sobreviveu no milho guaxo, no
milho silagem. Dessa forma, a população que chega no milho verão é menor. O
problema é que essa população se multiplica ao longo dessa primeira safra.
Entre fevereiro e março ocorre o pico populacional da cigarrinha. Então, esse
milho que está entrando agora, que é mais suscetível, vai encontrar um campo
cheio de cigarrinha”, alerta o pesquisador da área de fitopatologia da Embrapa
Milho e Sorgo, Luciano Viana Cota.
Milho guaxo é vilão
Sabe aquele milho tiguera, que nasceu sozinho no campo e aparentemente
não faz mal a ninguém? O milho guaxo, ou voluntário, que decidiu se desenvolver
ali mesmo, à revelia da vontade do agricultor? Pois bem, ele pode estar
guardando pragas e doenças prontas para atacar seu milharal assim que a próxima
safra começar.
Uma das principais estratégias da cigarrinha do milho para se perpetuar
nas lavouras é permanecer em campo nestas plantas solitárias, onde sobrevivem e
se multiplicam até encontrarem a próxima safra nas redondezas. O milho tiguera
funciona como uma “ponte verde” pela qual o inseto atravessa de uma safra para
outra.
Segundo a entomologista e pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo, Simone
Mendes, na última década, com a introdução de cultivares resistentes à
herbicidas, a eliminação do milho voluntário ficou mais difícil no campo. “Com
isso criou-se essa ponte verde do inseto, que ficou difícil de controlar”,
observa. A falta de controle eficiente destas plantas é um dos grandes
responsáveis pelo aumento das infestações desta praga.
Além de um “hotel” de cigarrinhas, estas plantas voluntárias também se
tornam hospedeiras dos patógenos que promovem doenças, em especial molicutes
causadores dos enfezamentos vermelho e pálido. “Eles colonizam o floema da
planta e, ao fazer isso, entopem o fluxo de seiva. Com isso o crescimento fica
difícil, ela fica ‘enfezada’, isto é, não cresce e não enche a espiga”, explica
Simone.
Desta forma, a erradicação das plantas voluntárias de milho consiste em
uma das estratégias mais acertadas para o enfrentamento da cigarrinha do milho.
MIP Milho é aliado contra a praga
Outra ferramenta importante no controle da cigarrinha do milho é o
monitoramento constante da lavoura. “Monitorar e entender o que está
acontecendo na lavoura é fundamental. Uma praga comum no Paraná é o percevejo
barriga verde, e o produto para controle desse inseto tem efeito na cigarrinha
do milho. Entender a lavoura como um todo é passo fundamental para escolher as
estratégias de controle e ter economia”, observa a entomologista e pesquisadora
da Embrapa Milho e Sorgo, Simone Mendes.
O SENAR-PR oferece, desde 2016, o curso “MIP (Manejo Integrado de Pragas)
– inspetor de campo – Soja”, que leva ao campo um conhecimento fundamental:
identificar os insetos que existem na sua lavoura, diferenciando as pragas dos
seus inimigos naturais e assim podendo avaliar o risco de dano econômico e a
hora mais apropriada de realizar uma intervenção com agroquímicos.
Em 2020, o SENAR-PR levou a campo o curso “MIP (Manejo Integrado de
Pragas) – Milho”, com os mesmos conhecimentos para a cultura do milho. Por
conta da pandemia do novo coronavírus, as aulas tiveram que ser suspensas
naquele ano, mas voltaram a ser oferecidas em 2021.
Segundo a técnica Flaviane Medeiros, do Departamento Técnico (Detec) do
SENAR-PR, no início deste ano os instrutores do curso passaram por uma
atualização, ministrada pela Embrapa Milho e Sorgo e pelo IDR-PR, para incluir
a cigarrinha do milho entre as pragas com risco de dano econômico na cultura.
Para participar do curso, o aluno precisa ter completado o curso na área de MIP
Soja. “Se o produtor já fez o MIP soja, ele já acredita nessa metodologia,
então vai apenas aplicar esse conhecimento na cultura do milho”, afirma
Flaviane.
O curso é extremamente prático. “Tem apenas uma aula teórica e o restante
é prática de campo”, afirma Flaviane. Para participar, o aluno deve dispor de
uma área de dois hectares de milho, para realizar o monitoramento.
Mais informações sobre os cursos do SENAR-PR estão no site www.sistemafaep.org.br, na seção Cursos.
Informação é o melhor remédio
Uma das armas encontradas para enfrentar a cigarrinha do milho e as doenças por ela transmitidas é a conscientização dos produtores. Desta forma, a cartilha “Manejo da Cigarrinha e Enfezamentos na Cultura do Milho”, desenvolvida pela Embrapa Milho e Sorgo com apoio do Sistema FAEP/SENAR-PR, em parceria com Sistema Ocepar, Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Embrapa Milho e Sorgo e o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR), traz uma série de informações sobre o comportamento inseto no campo, as doenças que ele transmite, as principais formas de detecção e, principalmente de controle da praga. A cartilha está disponível gratuitamente aqui.
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Fonte: Sistema FAEP